Um caminho incerto

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Shiro desapareceu entre a multidão na entrada da estação. As pessoas iam de cima a baixo lotadas de sacolas ou a mochila com a muda de roupa do trabalho. Kuro estava perdida ali; não sabia para onde correr. Sem seu par para dar a direção, a garota cruzou a catraca empurrada por uma volumosa senhora com um carrinho de feira.

Por mais alguns minutos ela olhou para a entrada esperando ver Shiro, mas a tratadora de Zero havia desaparecido. Desanimada, foi para seu trem sem o piso e lotado. Mas graças a sua estatura pode se esgueirar até um lugar vago.

Enquanto a paisagem mudava através da janela, Kuro sentia um embrulho em seu estômago. Por alguma razão estranha, o olhar de desdém da outra lhe provocava um tremendo mal estar. Ela não conseguia entender essa contradição. Se era aquela garota o seu par, por que ela lhe direcionava um olhar tão raivoso e triste?

O trem diminuía à medida que chegava em sua estação. Dois lances de escada e estava na porta giratória. Mais uns metros, outra escada, um trecho da rua e o ônibus que sempre atrasava. O córrego que ladeava o asfalto perto de casa, direto para o escadão e, enfim, seu lar. O caminho,embora velho e comum, passou em branco, pois ela não conseguia deixar de sentir um desconforto ao lembrar de seu par controverso.

Girou a chave, abriu a porta e teve vontade de gritar com o abraço apertado de sua mãe; os hematomas em suas costelas mergulhavam em dor. Mas ela aguentou firme. Confete voou em seu rosto grudando no cabelo. Complicou quando veio o abraço ossudo de sua irmã que apertou justamente em torno do braço machucado. Kuro teve de disfarçar, tentando não entortar o rosto e, então veio seu pai, que era mais tranquilo, pois era baixinho como a filha.

A família, de quatro pessoas, deu um baita festão a três para a mais nova. Sua mãe não parava de chorar olhando as fotos de suas filhas quando eram pequenas. Seu pai não largava o telefone, ligando para parentes que nem ao menos lembravam o nome da caçula. E sua irmã a entulhava das mais estranhas e constrangedoras perguntas, como:

- Como ele é? É bonito?

Kuro tentava ignorar as perguntas e se focar na carne que assava na churrasqueira elétrica. Sua família não parava de comemorar. Pulavam e festejavam o passo à frente da mais nova.

A baixinha sentou na ponta da mesa, tentando ser o mais discreta possível. Mesmo que fosse ela o motivo da comemoração, sua irmã roubava a cena e falava em alto e bom tom com seus pais. Kuro, por outro lado, preferia ficar mais quieta em seu canto da mesa. A festa teve seu fim rapidamente, pois todos estavam cansados do dia agitado e sua irmã tinha de ir para a casa da avó que era mais perto da faculdade; no fim da tarde, seus pais a levaram de carro.

A baixinha girou a chave de casa e se virou para a sala um tanto bagunçada. Suspirando, empurrou um pouco de confete, tirou algumas rodelinhas deste do cabelo, tirou os pratos da mesa e foi para a pia. Ao enxaguar a grelha, ela sentiu as bandagens no braço se encharcarem. Em sua mente repetiam as últimas palavras de Shiro. A água da torneira caiu reta até o fundo da pia com Kuro distraída se perguntando: por quê?

O mesmo porquê a acompanhou no quarto com o aspirador ligado. Sem prestar atenção onde passava a ponta do cano, aspirou a cauda de sua gata, Nega Tereza, que em resposta, enfiou as unhas nas bandagens do braço da baixinha e se escafedeu pela porta do quarto com o rabo bem levantado.

Kuro mirou as bandagens caindo, mas não deu muita importância para os panos que se despregavam de seu pulso. Aspirou o canto de trás da cama e socou o aspirador no armário, indo ao banheiro ao terminar. Fechando a porta, mirou o espelho, encarando os hematomas com a blusa levantada.

A roupa saiu pesada e dolorida. As calças foram um grande problema, pois se abaixar espetava a lateral do torso, onde o chute havia criado uma enorme mancha roxa. Aproveitando a água morna do chuveiro, esfregou a manga da camisa que, embora preta, soltava o forte odor do vermelho que reavivava descendo pelo ralo.

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⏰ Última atualização: Sep 15, 2016 ⏰

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