O olhar do elo

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Ela era alta, pelo menos maior que Kuro, seu olhar era um pouco triste, seus óculos sem armação davam um ar mais sério. A touca e jaqueta intimidavam com os ombros arqueados para a frente. O cavalo estava fechado numa baía improvisada, mexia as orelhas e balançava a crina. Relinchava e espirrava pelas narinas quentes, um tanto irritado.

- Ooh, ooh - A garota tentava acalmá-lo, o segurando. O bicho não se aquietou e deu uma cabeçada em sua tratadora. - Para com isso! Fica calmo! - Dizia ela com o braço esticado para alcançar o começo da crina.

- Desculpa... mas... - Kuro mal articulava as palavras e ele se enfurecia.

- Ooh, ooh Zero! Calma - ela tentava acalma-lo, porém... - Quieto! Ou não trago sua manteiga amanhã! - Ele parou e bufou, mirando a baixinha. - Assim tá melhor, bicho bobo. - A garota se virou para Kuro. - Tá tudo bem com seu braço? - Perguntou, vendo o vermelho escapar nos rasgos da camisa da outra.

- É... não é nada... - A outra respondeu meio sem jeito. - Acho que foi quando pulei o muro, não sei...

Sem perceber, Kuro estava corando com o olhar da outra garota. Um pequeno gemido saltou por entre seus dentes de repente, acusando a dor que se alastrava em seu braço.

- Vem – A garota chamou e foi saindo do lugar. Zero deu um forte relinche ao ver sua tratadora indo embora. – Eu venho mais cedo amanhã. – Disse ao animal, enquanto andava. Ele, parecendo entender, bateu duas vezes com o casco e balançou a crina, mais animado.

A mais alta pôs a porta do barracão em pé novamente, a amarrando com uma corda para não tombar outra vez. Ela andava ajeitando a mochila velha e surrada nos ombros. Kuro a seguia quatro passos mancos mais atrás, não podia ignorar a dor que subia em seu ombro.

- Ah... Gale?– A baixinha perguntou, apertando o braço machucado.

Ela não obteve nenhuma resposta. A garota à frente começou a andar apressada após a pergunta.

As duas foram para o canto do terreno que dava com uma caixa de força no muro da escola. A mais alta subiu na caixa com facilidade e pulou o muro. A baixinha ficou plantada uns cinco minutos ao ver a outra sumir do outro lado. A morena encarou a caixa e tentou subir, mas ao trepar ali, ela escorregou e tombou sobre a mochila, esmagando quatro livros de capa dura.

Kuro ficou a se contorcer com a dor por alguns instantes. Nesse meio tempo, a tratadora saltou o muro de volta ao terreno. Sem pedir permissão, apanhou a mochila da baixinha e a ajudou a ficar de pé.

- Ei! Pera ai!

Kuro puxou a mochila das costas da tratadora, porém o corpo estremeceu dolorido e ela teve de aceitar a ajuda de mais um par de mãos.

A mais alta a empurrou para a caixa e, logo em seguida, por cima do muro, fazendo-a cair desastrosamente do outro lado.

- Aaii...! - Arfou a baixinha caída.

- Ta bem aí? - A outra perguntou sem se importar muito.

- Bem?! Você me empurrou aqui! – Exclamou.

Pouco caso se fez da enfurecida Kuro, a garota de touca apenas carregou as duas mochilas e escoltou a baixinha para a enfermaria, onde Max estava saindo.

- Achou! – Disse o doutor animado, como se Kuro tivesse descoberto Atlântida. - Mas o que você fez no braço? - Perguntou já empurrando as duas porta adentro.

Uns tufos de algodão embebidos no álcool e, em poucos minutos, ele terminava de apertar as bandagens no braço de Kuro. O doutor lhe deu mais quatro comprimidos com formas de zebrinhas lilás e pediu que ela tomasse cuidado ao sentar em cadeiras duras.

– E você, Shiro? Não está machucada também? – Perguntou ele à garota com capuz.

Encostada na porta, ela balançou a cabeça para o lado. Kuro a mirava fixamente, curiosa como sempre.

- Você me enrolou seu mala! – Disse Shiro.

- Ah! Nem fazia ideia de que vocês iam combinar. Apenas tive um bom pressentimento este ano. –Max respondia para a mal humorada.

- Shiro? Ela não é a Gale? – Perguntou Kuro antes de Shiro sair e bater a porta.

- Ei, espera aí! Tem de levar a pitoca pra casa! – Gritou o loiro – Ah! Ela não gostou mesmo... Achei que isso poderia animá-la. Bom... Pode chamá-la de Shiro. Seu elo é um pouco neurótico com nomes

Mal ele terminava de falar e a baixinha já tocava a correr atrás de seu par.

O pátio estava deserto. A garota, então, correu para a saída da escola com o zelador ralhando de já ter fechado tudo e ter de abrir novamente as correntes da trava do portão. Max, que vinha logo atrás, também levou a bronca, mas se desculpou com o homem e saiu junto de Kuro.

- Nossa ela foi mesmo... – Suspirou ele. – Mas que coi... não, pera! Olha ela ali! – Apontou para o fim da rua, onde Shiro se encontrva encostada num muro. – Vem cá! - Chamou ele e a garota de touca se aproximou. - Pequena desse jeito e machucada, você vai deixar a pobrezinha?! Anda, dêem as mãos e vão com cuidado. - Vendo que o médico não ia lagar delas tão cedo, a mais alta pegou a mão de Kuro e a puxou para atravessarem a rua. – Anw... Que lindo um par desses... – Suspirava o doutor se sentindo satisfeito de juntá-las e foi saltitante para o carro estacionado, na direção oposta a delas.

Kuro e Shiro seguiram pelos quatro quarteirões antes de virar na avenida. Seguiram mais seis quarteirões e viraram na rua da estação entre o viaduto e o pátio de construção. As constantes reformas pela metade deixavam a estação sempre ao cheiro de tinta. Hastes de metal, chão de madeira, parede de tijolos e parafusos de ferro. Tudo o que erguia o lugar pertencia ao século passado.

Próximas às catracas, Shiro soltou a mão de Kuro, que entendeu então, que o caminho da mais alta era outro.

- Obrigada... - Disse a baixinha um pouco tímida. - Até...

- Não me procure mais. – Shiro a interrompeu com uma resposta ríspida.

Ao se virar, simplesmente foi embora. Sem se quer dizer o que havia de errado; se é que havia algo assim.

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