Eduardo
— Mãe, já disse que não vou. — praguejei pela enésima vez naquele dia.
— Meu filho — disse, paciente — você precisa ir, querido. É uma falta de consideração com seu primo e seus tios. — Seu jeito calmo me irritava às vezes.
— E daí? Eles nunca lembram da gente, porque eu tenho que ir lá agora?
Me esforcei, realmente me esforcei para não deixar transparecer que eu estava triste por causa do meu primo.
— Seu primo está no hospital! Será que você não se sensibiliza nem um pouco com isso? — Elevou um pouco seu tom de voz.
— Não é para tanto, Melissa. Você fala como se ele estivesse morrendo. — revirei os olhos.
Melissa suspirou cansada e me arrastou porta fora.
Sentei no banco do carona totalmente contragosto, e bufei mais uma vez. Eu realmente não estou a fim de ir.
Lá estarão minhas tias que vão me encher até não poder mais e, tudo bem, queria saber se meu primo estava bem, mas apenas meu primo, não a família inteira.— Você não tem escolha. — disse lendo meus pensamentos. — E pare de me chamar de Melissa, eu sou sua mãe.
Revirei os olhos, e coloquei nos meus fones de ouvido uma música no último volume.
— Nossa Dudu! Como você cresceu, menino. Está bonitão hein?! Uma pena nos virmos somente nessa situação. Meu Deus você está tão magrinho! Esta se alimentando direito? — Baixei a cabeça para revirar os olhos. Não suportava o mesmo discurso desde os meus cinco anos de idade. — E as namoradas?
É incrível como mesmo estando dentro de um hospital elas tinham a capacidade de falar essas coisas. Uma família normal estaria chorando, e todos preocupado com o doente, mas minha família não é assim.
— Obrigado, tia Vitória. Eu estou bem sim. — Ri sem humor.
— Seu primo quer te ver, ele está com saudades.
Tentei mostrar pouco interesse, mas lá no fundo eu queria saber se ele estava bem.
— Posso ir vê-lo?
— Claro.
Segui as coordenadas que me deram e ao abrir a porta, me surpreendi com a quantidade de doentes que havia ali. Mas uma garota em especial me chamou a atenção. As pessoas em volta dela estavam com o semblante preocupado, mas ela parecia tranquila, e ela lia um livro. Ela estava lendo uma bíblia.
— Dudu! — ouvi meu primo me chamar.
Porque diabos as pessoas insistem em me chamar assim? Odeio que me chamem assim.— Oi Bruno, você está bem?
— Estou na mesma. — me ofereceu um sorriso triste.
Senti meu coração doer ao vê-lo assim. Era meu único primo, lembro-me de como fiquei feliz quando ele nasceu, e agora ele estava nessa situação.
— Espero que você se recupere. — devolvi o sorriso e ofereci um abraço.
Ele me abraçou forte e percebi que ele estava chorando.
— Eu sei que deve ser difícil, Bruno.
— Você não faz ideia do quanto. — Ele me respondeu magoado, e eu podia jurar que ele não estava falando da doença.
Os pais dele estavam na entrada do hospital, conversando com minha mãe e o resto da família. Em vez de estarem dando apoio para ele, estavam conversando normalmente. Depois eu que sou sem coração.
Tomara que ele não morra.
O quarto foi tomado por uma voz doce cantando uma música... Cristã?
Meus olhos percorram o quarto a procura daquela voz, e então entendi porque aquela menina estava lendo uma Bíblia.
Ela conseguiu chamar atenção com aquele pequeno show. Várias pessoas a cercaram, e ela começou a falar de Deus. Ah, fala sério! Que idiotice.
Meus parentes entraram no quarto depois de um tempo e interagiram com meu primo, enquanto eu estava perdido em meus pensamentos.
Eu não queria ter vindo, e ainda sou obrigado a ouvir coisas que não me agradam.
Todos os que estavam à nossa volta se puseram a ouvir a menina. Era só o que faltava! Até minha família parou para ouvir essa baboseira. Um desconforto inevitável surgiu e me retirei do local.Fui para a frente do hospital e fiquei um tempo lá, pensando.
Perguntas e mais perguntas. Todas elas sem respostas.
Se eu ficasse ali por mais tempo minha cabeça iria explodir de tantas perguntas e de tanto pensar.
Mas por sorte, meu primo adormeceu e minha mãe resolveu ir embora.
Apesar de não me dar bem com a minha família, meu primo era o mais próximo de mim. Voltar para casa preocupado com o estado de sua saúde. Não sei se suportaria se mais alguém fosse tirado de mim.
Por um momento, pensei naquela garota. Com certeza, era uma grande idiota. Certamente teria o mesmo fim que minha irmã. Mas algo nela me chamou atenção, e não sabia o que era.
Balanço a cabeça me despertando dos meus devaneios.
Sinto a brisa do final de tarde que vinha da janela entreaberta do carro. Minha mãe me observava, mesmo estando concentrada na estrada.
— No que está pensando, filho?
— Não interessa, Melissa.
Odeio quando minha mãe se mete na minha vida.
— Tudo bem — se retrai, um tanto magoada. — Eu só quero o seu bem, filho.
-Desculpe.
— Não precisa se desculpar — sorri, cabisbaixa — Tem certeza de que não quer me contar nada mesmo?
-Bem, eu...Eu estava pensando naquela garota do hospital. - eu iria completar, dizendo que ela era uma idiota e que o que ela falou era uma grande besteira, mas minha mãe me interrompeu.
— Nossa, que menina incrível! Fiquei impressionada com ela, você tinha que ter visto, ela fez com que todos daquele quarto se alegrassem de alguma forma. Até mesmo seu primo que estava muito abatido, ficou alegre ao ouvir ela cantando, e adorou as palavras de amor que ela nos ofereceu, Foi lindo! Ela conseguiu tocar no coração de cada um ali, ela trouxe alegria àquele hospital...— desatou a falar animadamente, e sem parar para respirar, daquela menina estranha.
— Mãe, chega! Não acredito que você está dizendo isso. Que coisa mais ridícula!
— Filho, como você pode falar dessa maneira? Ela conseguiu dar a esperança àquelas pessoas doentes, e alegrou a todos!
Ela parou o carro, e só então me dei por conta que já havíamos chegado em casa.
— Uma esperança falsa, você quer dizer. É uma grande idiotice tudo isso. Ela deve ser uma grande hipócrita, isso sim. Alimentar falsos sentimentos nas pessoas, não vejo nada de legal nisso, Me poupe, Melissa, não sou obrigado a ouvir isso.
Realmente tentei ser legal com ela, mas não é possível que até mesmo ela esteja se rendendo á essas mentiras.
Mesmo assim, continuei a falar, enquando ela abria a porta de casa.
— Mas Eduardo, você não pode culpar à Deus por...
— Chega! — entrei no meu quarto e bati a porta, com toda a força.
Já era um costume fazer isso.
Essa garota lembrava a minha falecida irmã, e era muito parecida com ela. Ela apenas devia ter muita sorte para não ter o mesmo fim que minha irmã.
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Confia Em Deus
SpiritualeE quando você recebe a notícia de que está com uma terrível doença, como você reage? E quando todas as esperanças se perdem, o que você faz? Se aquilo que você mais teme lhe acontecesse, você continuaria tendo fé? Como ter fé mesmo que tudo diga que...