O ar fresco marítimo me levava, a neblina longínqua me possuía, o cheiro do mar me atraía, e a areia, era meu chão. Cheguei a essa conclusão numa manhã de domingo, na véspera do aniversário do meu pai. Enquanto observava a vista da praia de Gardênia, deitada em minha cama e entrelaçada pelos lençóis. O cheiro de café vinha dançando por toda a casa, uma dança lenta, mas com um pouco de rítimo.
A vó amava fazer biscoitos. Biscoitos de leite. Ela fazia todos os dias, e quase sempre eu acordava sentido o leve cheiro deles saindo direto do forno vindo da cozinha. A minha janela sempre amanhecia aberta, mesmo depois de tê-la fechado na noite anterior. Eu já me acostumei. Nunca foi nenhum bandido, graças a Deus. Só a ventania querendo me visitar.
Levantei-me e calcei as meias. Era um dia frio. Fechei a janela e a tranquei com força, e fechei minhas cortinas azul ciano e enfim parei de ouvir os uivos do vento. Eu tinha medo, mas mamãe sempre dizia que eles estavam cantando para mim. Coloquei meu suéter creme rendado, e segui para a cozinha.
O cheiro de biscoitos de leite e café novo vieram diretamente no meu nariz. Me faziam ficar mais calma, mais alegre.
-Bom dia, Elisa. -Vó Rosa me dizia colocando o café e os biscoitos na mesa. -Como foi a noite?
-Boa.- Sentei-me na cadeira, debruçando sobre a mesa, e enrugando um pouco a toalha salmão com estampas de pêssego.
-Vejo que ainda dorme.-Ela afirmou ligando o rádio, que ficava em cima do microondas.
Tocava Mais Ninguém, da Banda do Mar, o que me fez acordar um pouco.
-Vó… a mamãe e o papai saíram por que?
-Foram dar uma volta de carro. -Respondeu ela, com um leve sorriso.
-Como da última vez?
-Uhum. -Ela sentou na cadeira à minha frente.
Minha mãe e meu pai, vivem em completa harmonia. Mas quando eles brigam, brigam de verdade. Como na noite anterior. Eu nunca entendi o motivo, mas acho que era pelo fato do meu pai ser ciumento de mais, ou coisa do tipo. E na manhã pós briga, eles não aguentam se olhar atravessado. Saem com qualquer roupa, a qualquer momento, pela estrada a fora. Compartilhando todo o seu amor. Minha vó disse que eles sempre foram assim. "Do mundo". Lançados em alto-mar. Sem futuro planejado. Simplesmente deixavam rolar.
Quando eles saiam assim, dificilmente avisavam. E sempre chegavam tarde, com um sorriso estampado no rosto. Meus pais pareciam jovens querendo ser livres. Mas eram tão responsáveis e amáveis comigo que era incrédulo.
-Amanhã começa seu primeiro dia de aula nesse ano. -Vó Rosa disse partindo seu biscoito ao meio.
-Até que eu gosto. Eu aprendo mais uma dose de descobertas sobre esse mundo.
-Nunca conheci alguém que me dissesse isso.-Ela deu outro riso, pegou o biscoito e melou no café.
Logo depois de comer, fui em disparada no meu quarto. Calcei meus chinelos amarelos e coloquei outro shorts, só que vermelho. Eu iria a pé até a praia, respirar um pouco daquele vento frio das cinco da manhã quando ninguém estava na praia. Me despedi da vó Rosa, e desci as escadas de tijolos decoradas com azulejos coloridos e aleatórios da frente da minha casa. Pulo dois degraus, espero o sinal parar, e vou em direção a areia.
Era fria e gostosa. Aveludada e tinha uma coloração tão linda. Era possível caçar algumas conchas, de diferentes cores e tamanhos. Eu fazia isso com meu amigo, Gabriel, quase sempre. Não tinha absolutamente ninguém ali. Era só eu, o mar, e o vento intruso. Era tão fresco e agradável. Era quase impossível não querer molhar nem pelo menos os dedos dos pés na água fria. Que ia e vinha, se quebrando e se formando, numa sincronia quase perfeita de cor azul esverdeada. Então eu fui, com um sorriso no rosto, até a beira.
Eu sempre acordava esse horário para ir ver o mar, pois é absurdamente agradável. Mesmo antes da escola. Eu me atrasava, mas quando a professora indagava o motivo, eu dizia que ia bater um papo com a maré. Mas ela nunca acreditava. Para falar a verdade, Gabriel era o único que acreditava.
Sento-me a beira mar, e começo a cantar uma melodia que viajava junto com as ondas. E, quando pisquei, uma garota apareceu. Eu jurava que ela não estava ali antes. De bruços na areia, balançando a perna para frente e para trás. Quase como as ondas. Seus cabelos negros iam até abaixo de sua cintura, e sua pele era bem pálida. Não enxerguei muito bem seus olhos, mas acho que eram algo perto de azul. Ela vestia um vestido branco de alcinha, até um pouco abaixo dos joelhos. Percebi que ela estava com alguns papéis em suas mãos. Estava os lendo, e pouco a pouco lançando-os na água.
Eu decidi me aproximar, e perguntar algo para a menina que me despertou curiosidade. Então caminhei até seu lado, sentei na areia, e pude observar seu rosto. Era delicado como uma flor. Branquinho, com algumas sardas. Bochechas rosadas e os seus olhos… Ah, seus olhos. Eram como um livro. Quanto mais você lia, mais queria continuar. E eu a fiquei olhando, por alguns segundos, que me pareceram horas. Era um verde-mar itenso. Tão claro como a superfície das águas. E sua boca era tão pequenina, tão rosada. Ela parecia uma sereia, prestes a se lançar no oceano.
-O que faz aqui? -Perguntei, gaguejando um tico.
Ela me ignorou por alguns minutos. Mas eu continuei a observando. Não porque esperava uma resposta, e sim porque era impossível prestar atenção em outra coisa.
-Estou entregando cartas. -Ela se levantou, e sentou como eu, de cócoras. Começou a olhar para mim também, para cada detalhe do meu rosto. Senti me corpo esquentar.
-Para quem? -Perguntei, virando o rosto para o mar.
-Jura que não conta para ninguém? -Ela se aproximou mais, recolheu algumas de suas cartas e deu um leve sorriso.
Eu não a conhecia. Mas estava prestes a conhecer um segredo dela. Por que não?
-Juro.
-Lanço à uma nereida.
-Nereida? -Perguntei, confusa.
-Uma ninfa das águas. Filha de Nereu, um Deus que nem Netuno.
-Por quê?
-Titia disse que elas são bonitas e generosas. E estou decidida a encontrar mais uma. Ou talvez uma náiade, perto de um rio. Gosto de contar meus segredos à elas.
Ela parecia falar sério. E eu, depois de ver tamanha beleza, não conseguia desacreditar.
-Um dia pude ver uma.-Ela sorriu mais um pouco, e sentiu o vento esvoaçar seus cabelos.
-Sério?
-Delicadas e gentis. Entidades da água. -A menina começou a jogar as suas cartas.
Ela me olhou novamente, estendeu a mão, e eu a apertei. Frias como a água.
-Nerissa. -Ela se apresentou, aguardando eu dizer meu nome.
-Elisa. -Respondi com um sorriso.
Ela então se levantou, mergulhou ainda na superfície, e foi nadando até o fundo. E com outra piscada, Nerissa desapareceu da praia.
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Nerissa
FantasyO tornado começa quando Elisa, uma pintora prodígio que está na oitava série, conhece uma bela e enigmática garota de cabelos mais negros que a noite. Ao lado dela, descobre segredos sobre si e encontra a sua verdadeira identidade que sempre esteve...