CAPÍTULO 1

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[André]

Oito anos depois...

Acordo com o barulho do despertador. Meu corpo ainda está cansado por causa da noite anterior. Eu tive que atender um paciente de emergência e nem era dia de meu plantão. Ora, nem posso reclamar! Eu amo o que faço! Desde pequeno, brincava com o estetoscópio do meu pai e dizia que arrancaria os dentes dos meus amigos da escola. Meu pai era pediatra e minha mãe, dentista. Fui influenciado naturalmente a gostar de medicina. Meus pais sempre me deixaram a vontade sobre o que eu gostaria de cursar na faculdade. Mas quando eu optei por ser médico, a felicidade deles era nítido e contagiante!

Eu sou filho único e sempre pedi a meus pais um irmãozinho, eles sempre diziam que encomendariam, mas agora percebo que eles não tinham era tempo de pensar em fazer mais um filho. Só de me lembrar disso acho graça.

Por conta disso, considerava o Arthur meu irmão, além de melhor amigo. Éramos vizinhos e eu não saía da casa dele. Estudávamos na mesma escola e na mesma sala. Aprontávamos muitos pela vizinhança! Ainda me recordo o dia em que ele cortou o pé em caco de vidro no meio do mato, onde nos escondíamos pra brincar de esconde-esconde. Enquanto todos se assustavam com tanto sangue que jorrava, eu apenas me preocupava em estancar aquele sangue e desinfetar aquele ferimento. Percebi ali o meu talento para a coisa. Foi uma infância feliz!

Crescemos e saímos da nossa pequena cidade. Queríamos ganhar o mundo! Seguimos para São Paulo e estudamos na melhor faculdade daquela região. Eu fui cursar medicina e o Arthur, Administração de empresas. Dividimos um apartamento e ali tivemos a primeira experiência de ter que sobreviver sem ter nossos pais por perto. No início foi um pouco difícil, mas depois conseguimos realizar as tarefas da casa e deixar as dívidas em dia.

Arthur era mais desenvolto com as mulheres e por vezes eu o flagrava em trajes menores com alguma mulher, em qualquer ambiente daquela casa. Eu sempre fui mais tímido. Meus namoros nunca duravam uma semana. Arthur me chamava de abitolado! Se ele souber que continuo do mesmo jeito ele rirá de mim!

Durante a faculdade eu namorei a Joice. Crescemos juntos e eu a tinha como uma amiga. Foi mesmo sem querer que nós nos beijamos após uma confraternização do grupo de estudo. Ficamos juntos por dois anos e por insistência de meus pais e dos pais dela, acabamos ficando noivos. Seus pais eram meus padrinhos. E eu os respeitava muito. O noivado não seguiu a diante, pois eu não conseguia ser para Joice a pessoa que ela gostaria que eu fosse. Ela esperava que eu fosse para as baladas, que participasse dos grupos que só queriam bagunça. Eu estava focado em minha formação, não estava ali de brincadeira... Por conta disso, ela me traiu com um médico residente do Hospital. Eu até fiquei um pouco chateado, mas nada daquilo abalou a pessoa que sou.

Conforme os semestres iam finalizando, Arthur e eu retornávamos à nossa cidade para ver nossos pais e amigos. E foi assim por longos anos. Tenho saudades do meu amigo. Por onde será que ele anda? Após nossa formatura, Arthur seguiu viagem para o Canadá para fazer uma especialização em sua área. Eu viajei para os Estados Unidos e concluí o mestrado e o Doutorado lá. Retornei ao Brasil, porque era aqui que queria exercer a minha profissão. Eu queria ajudar aos meus conterrâneos, especialmente aos cidadãos da minha pequena cidade...

Aqui estou eu aos 32 anos solteiro e sozinho. Na minha idade meus amigos já estão com filhos... Mas, certamente ter filhos será um projeto muito distante para mim, já que nem namorada eu tenho no momento. Aliás, faz anos que não namoro ninguém! E não é por eu seja feio não, até tenho lá algum charme, mas eu realmente não tenho tempo e, além disso, meu coração está fechado... Acho que eu nunca amei ninguém de verdade. Tive apenas algumas namoradas, mas nada sem fundamento.

Meu foco maior está na minha carreira, nas vidas que eu posso salvar e que dependem de mim e de toda a minha equipe. Joice e eu continuamos amigos. Ela também se formou e hoje é uma das mais conceituadas cardiologista que temos.

O Sr. Romero Palhares, pai de Joice, é dono do Hospital Palhares Dias, a maior referência de atendimento a traumas e emergências, onde trabalho. Assim que retornei ao Brasil, meu padrinho fez questão de que eu fosse seu braço direito, na direção da empresa. E eu aceitei de imediato! Já se passaram oito anos desde então...

Bom, mas porque é que estou pensando tudo isso a essa hora da manhã? Tem dias que acordo assim, meio nostálgico... Melhor eu levantar logo antes que perca a hora.

Bom dia, Ana! – Digo para minha secretária do lar assim que desço as escadas.

Bom dia, filho! Sua roupa já está toda passada. Qual usará hoje? – Ela estende os braços com duas opções de jalecos.

Pode ser esse da esquerda. Tem café? – Pergunto enquanto sento à mesa.

Café? Você sempre prefere sucos pela manhã... Faço em instantes pra você.

É que ainda estou com sono e tenho uma cirurgia importante pra fazer em um paciente. – Justifiquei.

Continuei lendo o jornal. As notícias eram sempre as mesmas: assaltos, mortes, tragédias. Li a parte dos esportes. Até que meu time estava bem, na reta da semifinal, uma pena eu não poder acompanhar. Bocejava a todo o momento... Eu não gosto quando fico assim! Parece que o dia não rende e as horas não passam.

Aqui, filho. Nem muito forte, nem muito fraco. Do jeito que você gosta! – E assim Ana coloca a xícara a minha frente dá um beijo em minha testa.

O que seria de mim sem a senhora? Só tenho a agradecer pelo carinho e cuidados para comigo.

Você sabe que é o filho que eu não tive. E como sua mãe está longe, eu faço as coisas por ela.

***

Por bem ou por mal #EM PAUSAOnde histórias criam vida. Descubra agora