11 - Uma fórmula para a química

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  Priestley soube da morte do seu grande rival quando chegou aos Estados Unidos. No entanto,apesar dos convincentes dados experimentais de Lavoisier, continuou convencido até o fim deseus dias de que a teoria do flogístico estava certa. Como o físico alemão do século XX MaxPlanck observou ironicamente: "Uma nova teoria científica triunfa não convencendo suasoponentes e fazendo-as ver a luz, mas porque suas oponentes acabam morrendo."Enquanto isso, outros não tardaram a trabalhar sobre os fundamentos da nova química queLavoisier lançara. O desenvolvimento mais notável veio do inglês John Dalton. Afirmou-se,com alguma razão, que Dalton contribuiu para a ciência com uma única ideia, e que o resto deseu trabalho foi tão prosaico quanto o próprio homem. Mas a ideia com que contribuiu foi amais profunda e duradoura jamais incorporada à química. Não era original, mas a aplicaçãoque dela fez Dalton foi.John Dalton nasceu em 1766 na remota aldeia de Eaglesfield, na borda do Lake Districtinglês – cuja beleza inculta seria "descoberta" poucos anos depois por Wordsworth. Por todaparte se estendia uma beleza sublime, ainda não reconhecida. Um paralelo adequado: aquímica estava num estado semelhante, e Dalton seria seu Wordsworth. Mas Dalton seria umpoeta da ciência, do intelecto preciso e não do enlevo maneirista. Seu pai era um tecelão decrença quacre. O próprio Dalton deixou a escola quacre local aos 11 anos, mas voltou um anodepois para lá ensinar. Suas aulas eram enfadonhas e, como não é de surpreender, tinhaproblemas de disciplina com alunos mais velhos que ele próprio. Poucos eram sensíveis obastante para perceber seu entusiasmo que, uma vez despertado, tornava-se obsessivo.Começou com meteorologia. O macilento e desengonçado mestre-escola tornou-se obcecadoem registrar os mínimos detalhes do tempo a cada dia: esses eram os prosaicos narcisos desua inspiração. (Dalton manteria registros meteorológicos meticulosos por quase 60 anos,tendo feito suas últimas anotações no próprio dia em que morreu. Eles foram amorosamentepreservados para a posteridade até 1940, quando os detalhes de uma tarde chuvosa de quintafeiraem junho de 1796–eoutras incontáveis observações inestimáveis – foram explodidos emestilhaços por uma bomba nazista.)Dalton parece ter tido uma tendência a malbaratar seu entusiasmo científico e consideráveltalento em assuntos inadequados. Apesar de ser cego para cores, seu interesse em fenômenosmeteorológicos o levou a descrever a aurora boreal. Seu talento poético e sua visão deficientereduziram essa assombrosa maravilha a "um fluido elástico, partilhando as propriedades doferro, ou antes do aço magnético, e que esse fluido, sem dúvida graças à sua propriedademagnética, assume a forma de feixes cilíndricos."Dalton tinha mais de 30 anos quando voltou sua atenção seriamente para a química. Nessaépoca, estava levando uma vida reclusa em Manchester. Ali, dirigia uma pequena escolaprivada tutorial, especializada em assuntos científicos, onde a instrução era ministradasobretudo com equipamentos feitos em casa. Levando adiante sua obsessão meteorológica,começou nessa altura a estudar a composição do ar, o que por sua vez o levou a umameticulosa investigação do comportamento e da composição dos gases. Aceitando a ideia deBoyle de que os gases consistem de partículas minúsculas, logo descobriu uma propriedadefundamental dos gases, até hoje conhecida como Lei de Dalton. Esta declara que quando doisou mais gases são misturados, sua pressão combinada será a mesma que a soma das pressõesque cada gás teria se estivesse sozinho, ocupando o mesmo volume.Apenas uma década antes, em 1788, o químico francês Louis-Joseph Proust haviadescoberto uma outra importante propriedade dos gases, que constatou aplicar-se também acompostos de outras substâncias. Sua lei das proporções definidas declarava que todos oscompostos consistiam de elementos em proporções definidas e simples por peso. Em outraspalavras, um composto podia ter dois elementos na proporção 3:1, mas não em proporçõescomplexas como, digamos, 3,21:1 ou 2,8:1. Dalton viu que isso podia ser facilmenteexplicado se a noção de gases de Boyle fosse ampliada a toda a matéria, de modo que toda elapassasse a ser vista como consistindo, em última análise, de minúsculas partículasindivisíveis. Se as partículas de um elemento pesassem três vezes mais que as de outro, e ocomposto fosse formado com uma partícula de um elemento unida a uma partícula do outro, aproporção de seus pesos seria por força precisamente 3:1. Jamais poderia ser 3,21:1 ou 2,8:1.Dalton reconheceu a similaridade dessas partículas indestrutíveis, últimas, com a ideia deDemócrito dos atomos "que não podem ser cortados", e decidiu chamá-las átomos. Mas suaideia não foi simplesmente um plágio da antiga ideia grega que fora tão miraculosamentepreservada e transmitida através das obras de Epicuro, depois Lucrécio, e finalmente atravésda única cópia medieval de seu De rerum natura que sobrevivera. Tampouco foi idêntica aqualquer das versões dela decorrentes dos séculos XVII e XVIII – como a de Boyle –,nenhuma das quais levara a noção grega substancialmente à frente. Todas essas ideias haviampermanecido completamente especulativas e teóricas. A noção de átomo de Dalton foicientífica e prática. Foi usada para explicar os resultados experimentais que haviam levadoProust a formular sua lei das proporções definidas. O conceito de Demócrito fora teórico. Elepostulara também o tamanho e a forma dos átomos. (Por exemplo, os átomos da água eramlisos e redondos, o que a tornava fluida e sem forma permanente.) Os átomos de Dalton, poroutro lado, diziam respeito puramente a peso. Embora não tivesse nenhum meio de determinaro tamanho real de átomos, ele descobriu que podia determinar os pesos relativos deles talcomo ocorriam em compostos. O que Dalton formulou foi uma teoria quantitativa, quecombinou o conceito original de Demócrito com a aplicação da medição quantitativa àquímica feita por Lavoisier.A teoria atômica de Dalton afirmava que todos os elementos consistiam de átomosminúsculos, indestrutíveis. Avançando em relação a Lavoisier, ele sustentou que todas assubstâncias compostas eram simples combinações desses átomos. Essa ideia sensacionaltransformou nossa compreensão da matéria. Durante os dois séculos que se seguiriam à suadescoberta, a ciência iria progredir além de toda imaginação. À luz de descobertasposteriores, a teoria de Dalton foi corrigida, mas suas premissas básicas continuamfundamentais para nossa compreensão atual da física e da química. De fato, o físico quânticodo século XX Richard Feynman afirmou que se a raça humana fosse aniquilada e pudessetransmitir uma única sentença de conhecimento científico, ela começaria com as palavras:"Todas as coisas são feitas de átomos..."Tendo estabelecido que os átomos dos diferentes elementos tinham pesos relativos uns aosoutros, o passo seguinte óbvio foi estabelecer um marcador. Como o hidrogênio era oelemento mais leve, Dalton fixou seu peso como um peso nocional relativo de 1. Issosignificava que o peso de todos os outros elementos podiam ser calculados relativamente aesse número. Como um exemplo, Dalton usou a água – que já fora estabelecida como umcomposto de oxigênio e hidrogênio, em proporções por peso de 8:1. Supondo que águaconsistia de um átomo de oxigênio e um átomo de hidrogênio, isso significava que um átomode oxigênio pesava oito vezes mais que o de hidrogênio. Assim Dalton atribuiu ao oxigênioum peso atômico de 8. (Neste caso estava de fato enganado: o peso atômico do oxigênio é 16.A água contém dois átomos de hidrogênio, mas Dalton não estava ciente disso.) Desse modo,montou uma tabela de pesos atômicos, listando cada elemento com seu peso em relação ao dohidrogênioA suprema importância da teoria atômica de Dalton foi rapidamente reconhecida em todo omundo científico. Exceto por uma série de conferências públicas ministradas em seucostumeiro estilo desenxabido, Dalton continuou a viver uma simples vida quacre emManchester, esquivando-se a honras públicas. Mas estas foram despejadas sobre ele, quer asquisesse ou não. Foi eleito para a Royal Society secretamente, contra seus desejos expressos.A filiação a instituições como essa era contrária à sua religião. As notificações que o correiotrazia de sua eleição para academias prestigiosas de toda a Europa ficavam sem resposta.Mundialmente famoso apesar de todas as suas tentativas de evitar esse infortúnio, Daltonfinalmente morreu em 1844 aos 67 anos. Seu desejo de um funeral quacre simples atraiu maisde 4.000 pranteadores e uma centena de carruagens. A Grã-Bretanha ingressara na eravitoriana: a respeitabilidade, a reverência por celebridades e cerimônias pias (especialmentefunerais) eram elementos centrais do etos da classe média ascendente. Além disso, durante aRevolução Industrial, Manchester deixara de ser uma cidadezinha mercantil para se tornar asegunda maior cidade da Grã-Bretanha: o centro de sua indústria manufatureira, com umapopulação de mais de um terço de um milhão. (Londres, na época a maior cidade do mundo,tinha uma população de cerca de dois milhões. Contudo, Manchester era a principal cidade emmais um sentido: foi o primeiro lugar da Terra a crescer aceleradamente, transformando-senuma enorme área urbana caoticamente espalhada, em consequência do rápido crescimentoindustrial – um fenômeno que iria se disseminar por todo o globo durante o século seguinte.)O funeral de Dalton foi uma celebração de orgulho cívico, e também da ciência que haviatornado isso possível. Também a ciência se tornara respeitável, até meritória. Um dos desejosde Dalton, contudo, foi respeitado. Seus olhos foram preservados na esperança de que um diaseria descoberta a causa de sua cegueira para cores. Passados 150 anos da sua morte,amostras de DNA mostraram que ele não possuía os genes que produzem o pigmento sensívelao verde em olhos normais.* * *Um refinamento posterior foi exigido antes que a química se libertasse das limitações de suaprópria história. Isso deveria ser assegurado pelo maior de uma longa linhagem de químicossuecos: Jöns Berzelius. Enquanto Dalton se esquivava de honrarias, Berzelius parece tergostado de acumulá-las. Ao final de sua ilustre carreira, havia sido homenageado por nadamenos que 94 academias, universidades e sociedades doutas, e o rei da Suécia o fizera barão.A essa altura, seu manual de química havia sido traduzido em todas as línguas maisimportantes e era considerado o livro padrão, com seus pronunciamentos sobre os últimosavanços químicos sendo tomados como a sagrada escritura. (Mesmo quando estavam errados,como o mais das vezes estavam em sua velhice conservadora. Em sua opinião, nem cloro nemnitrogênio eram elementos, e ponto final.)Mas o trabalho anterior de Berzelius mais do que compensa sua inflexibilidade na velhice.Quando rapaz ele foi um aluno de medicina surpreendentemente medíocre, que só nãofracassou por causa da promessa que mostrava em física. Somente perto do final de seusestudos começou a florescer como químico. Mas essa amplitude de conhecimentos científicosse provaria decisiva. A primeira obra de importância de Berzelius foi feita em eletroquímica,em cujo desenvolvimento ele desempenhou relevante papel. Esse novo campo tornara-sepossível com a invenção, em 1800, da bateria elétrica pelo italiano Alessandro Volta, em cujahomenagem o volt foi denominado. Usando a nova "pilha voltaica" (como a bateria foiinicialmente chamada), Berzelius fez uma corrente elétrica percorrer soluções de diferentescompostos. Isto os fez separarem-se, sendo uma parte atraída pelo anodo (terminal positivo) eoutra pelo catodo (terminal negativo). Por exemplo, no caso do sulfato de cobre, o cobre seriaatraído pelo catodo. Como carga elétrica negativa atrai positiva, isso levou Berzelius acompreender que o componente de cobre do sulfato de cobre tinha uma carga positiva. Esseprocesso veio a ser conhecido como eletrólise (literalmente, "dissolução elétrica").Experimentos adicionais com outros compostos produziram resultados similares, estimulandoBerzelius a propor uma teoria ampla. Parecia que todos os compostos eram duais, consistindoem um componente positivo e um negativo, mantidos juntos por sua carga elétrica oposta.Desse modo Berzelius pôde traçar uma lista de elementos – com oxigênio, o mais negativo,num extremo, e metais alcalinos altamente positivos no outro. Ele descobrira uma maneirainteiramente nova de classificar os elementos, que não parecia ter qualquer relação precisacom seus pesos atômicos. Berzelius fora outrora um dos primeiros a aceitar a teoria atômicade Dalton, e isso o estimulara a empreender uma exploração exaustiva de pesos atômicos. Naaltura de 1810, Dalton conseguira estabelecer o peso atômico de 20 elementos. Berzeliusdescobriu que os números de Dalton tinham uma precisão variada. (A cegueira para cores, ainsistência obstinada em construir sua própria aparelhagem e uma inabilidade inata limitavama eficiência de Dalton como experimentador: seu forte era a capacidade de discernir umpadrão teórico numa massa de dados.) Berzelius, por outro lado, era um experimentadorpersistente e meticuloso. Na altura de 1818, já havia determinado os pesos atômicos de 45 dos49 elementos reconhecidos. Ao mesmo tempo, havia também analisado mais de dois milcompostos na tentativa de confirmar sua teoria dualística. Lamentavelmente, descobrira quecertos compostos não pareciam ter essa natureza dual positiva/negativa. Esse era o caso, emparticular, dos compostos orgânicos – os que contêm carbono, frequentemente em estruturascomplexas, e formam a base dos organismos vivos.Essa anomalia, no entanto, não fez Berzelius abandonar sua teoria dualista, que aindaparecia fornecer a chave da reação química. Em vez disso, ele insistiu em que os compostosorgânicos, por serem vivos, estavam sujeitos a uma "força vital" que operava por sobre asleis da química. Essa doutrina, conhecida como vitalismo, iria continuar notavelmentepersistente. A similaridade entre a "força vital"eoflogístico é evidente. Sua incapacidade dese manifestar em qualquer experimento a deixava vulnerável à teoria oposta do materialismo,que afirma que tudo que existe é matéria ou dela depende. Hoje em dia a "força vital" pode tersido eliminada da ciência, juntamente com outras manifestações do mundo espiritual, mastambém o materialismo não deixa de encerrar suas dificuldades. Tudo pode consistir emmatéria, mas o que é exatamente essa "matéria"? E como poderemos um dia saber algo decerto a seu respeito? Como podem nossos órgãos dos sentidos, e sua extensão na forma deinstrumentos científicos, dar-nos um acesso direto à matéria? Vemos com nossos olhos, nãoatravés deles. O instrumento registra apenas o que foi construído para registrar, que não seassemelha necessariamente à realidade com que está lidando. Na verdade, o que ele registracertamente não pode ser idêntico à realidade. O que nos leva de volta ao problema antevistopor Lavoisier quando definiu elemento – o problema filosófico suscitado por Kant com seusfenômenos e númenos. Não temos certeza. Quando usa explicações ou teorias que vão alémdos dados experimentais, a ciência se expõe a dúvidas. Ciência é o que funciona, não umaexplicação filosófica do mundo.Mas significa isso que a ciência deve sempre depender de resultados experimentais,renunciando a teorias como a do flogístico ou mesmo a da "força vital", que podem, por umperíodo limitado, fornecer explicações frutíferas? Na época de Berzelius a química começou adepender de uma entidade particular, que se tornou um componente essencial de todos osexperimentos, e contudo nunca foi amparada por qualquer evidência experimental. E issodurou quase tanto tempo quanto o flogístico e a "força vital". A entidade em questão foi oátomo. Durante um século depois que Dalton propôs sua teoria atômica, ninguém foi capaz defornecer um indício concreto de que algo como um átomo realmente existia. Ainda nosprimeiros anos do século XX, a inexistência do átomo continuava a ser plausivelmentesustentada por pensadores químicos tão eminentes quanto o cientista-filósofo austríaco ErnstMach (em cuja homenagem o Mach 1, a velocidade do som, foi denominada). Não eramhomens retrógrados. Reconheciam que o conceito de átomo fora de imenso valor para aciência ao longo do século anterior – mas insistiam, com toda razão, em que ele continuavasendo um mero conceito. A ciência pode ser "o que funciona", mas os fundamentos em que seergue ainda continuam em parte um tanto frágeis. (A existência do átomo só foi realmenteprovada com o artigo de Einstein em 1905.) A alquimia fez muito pela química durante umtempo em que a ciência avançava a passo de tartaruga, embora sua bruxaria hoje sejaconsiderada risível. Com a ciência contemporânea disparando à frente como um raio, nossasalquimias atuais irrealizadas e pressupostos atômicos injustificados vão sem dúvida serexpostos ao ridículo muito mais cedo. Vamos todos parecer retrógrados aos olhos de nossosnetos.A análise meticulosa dos compostos químicos conduzida por Berzelius levou-o finalmente adescobrir três elementos (cério, selênio e tório). A estes sua fiel equipe de assistentesacrescentou mais meia dúzia. Mas nem todos os grandes avanços da ciência se deram atravésde descobertas, ou mesmo de conceituações originais (fundamentadas ou não). Lavoisierfixara a infraestrutura da química. Berzelius acrescentou os toques finais a esse projeto. Aquímica estava agora bem estabelecida como uma ciência internacional – no entanto,diferentemente da matemática, por exemplo, não tinha uma linguagem internacional. QuandoLavoisier decretou que os compostos deveriam ser nomeados segundo seu constituinteselementares, esse projeto foi prejudicado pelo fato de que os elementos muitas vezes tinhamnomes diferentes bem estabelecidos em países diferentes. Por exemplo, em alemão ohidrogênio era (e ainda é) chamado Wasserstof (uma versão alemã do grego de Lavoisierpara "gerador de água"). Lavoisier apontara o caminho forjando nomes para novos elementos,como o oxigênio e o hidrogênio, a partir de descrições gregas antigas de suas propriedadesdistintivas. Berzelius usou sua autoridade para promulgar essa noção por todo o mundocientífico, insistindo em que nos artigos científicos os elementos deveriam ser chamados porseus nomes antigos gregos ou latinos. Assim ouro (gold em inglês, or em francês, guld emsueco) tornou-se o latim aurum; e prata (silver em inglês, argent em francês, Silber emalemão) tornou-se o latim argentum.Mas esse foi apenas o primeiro passo. Desde os tempos mais antigos alquimistas haviamrepresentado as reações químicas por meio de fórmulas, usando símbolos secretos, hieróglifose pictogramas para descrever os ingredientes iniciais e os produtos finais. Lavoisiercompreendera a utilidade dessas fórmulas, desde que os símbolos usados fossem conhecidospor todos. Infelizmente, os símbolos que ele adotou eram quase tão impenetráveis quanto oshieróglifos dos alquimistas. Dalton compreendeu a necessidade de um simbolismo muito maissimples. Uma vez que visualizava o átomo como minúsculas entidades circulares, optoucompreensivelmente por representar os elementos de forma circular. O hidrogênio erarepresentado por um círculo com um ponto no meio; o enxofre tinha uma cruz no círculo; omercúrio tinha pontos em torno da circunferência interna, o que lhe dava o aspecto de umaroda dentada; o cobre tinha um c no círculo, como o símbolo de direito autoral. Os compostoseram mostrados como grupos de círculos inscritos unidos, em feixes apropriadamente ligados.Isso produzia complexos de círculos raiados, manchados, pontilhados e sombreados –parecidos com alguma coisa entre um boneco da Michelin e uma formação de bolas de sinuca.Esses padrões tinham o mérito de certa precisão pictórica – mas teriam desnorteado qualquercriptógrafo tarimbado, que dirá químicos tentando ler uma equação química.Foi Berzelius quem viu a resposta simples. Ele concluiu que em todas as equações químicaso elemento deveria ser representado pela letra inicial de seu nome clássico latino ou grego.Por exemplo, hidrogênio deveria ser H, oxigênio O, e assim por diante. Quando doiselementos tinham a mesma inicial, uma segunda letra distinguidora do nome clássico deveriaser acrescentada. Assim, aurum (ouro) tornou-se Au, e argentum (prata) tornou-se Ag. Agoraos compostos podiam ser escritos, e não representados, numa forma simbólica simples. Porexemplo, monóxido de carbono podia ser escrito CO. E quando se constatava que mais de umátomo de um elemento estava presente num composto, decidiu-se que isso deveria serindicado por um número subscrito. Assim dióxido de carbono deveria ser escrito CO2; eamônia (que contém um átomo de nitrogênio e três de hidrogênio) tornou-se NH3.A química finalmente tinha sua linguagem universal, como a matemática. E esta era, à suamaneira, matemática. Em contraste com a nomenclatura descritiva de Lavoisier, que só podiaprever que substâncias químicas iriam resultar de uma reação, essa nova formulaçãomatemática podia prever também as quantidades relativas que seriam produzidas. Porexemplo, a nomenclatura descritiva de Lavoisier mostrava que:zinco + ácido hidroclórico = cloreto de zinco + hidrogênioMas a fórmula de Berzelius mostrava as proporções relativas precisas requeridas para (eproduzidas por) essa reação:

 Zn + 2HCl = ZnCl2 + H2 

As fórmulas químicas, exatamente como as fórmulas matemáticas, tinham de se compensar.Para a química, isso foi o equivalente da mudança dos numerais romanos para os arábicosna matemática (quando a opacidade de XL× V = CC deu lugar à clareza de 40 × 5 = 200).A matemática penetrara agora no próprio cerne da química, permitindo-lhe verprecisamente o que estava fazendo.  

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