14 - A tabela periódica

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  Nas palavras do próprio Mendeleiev: "Vi num sonho uma tabela em que todos os elementos seencaixavam como requerido. Ao despertar, escrevi-a imediatamente numa folha de papel." Emseu sonho, Mendeleiev compreendera que, quando os elementos eram listados na ordem deseus pesos atômicos, suas propriedades se repetiam numa série de intervalos periódicos. Poressa razão, chamou sua descoberta de Tabela Periódica dos Elementos.Na página oposta está o traçado da Tabela Periódica que Mendeleiev publicou duassemanas depois em seu artigo histórico "Um sistema sugerido dos elementos". Lendo a partirdo alto da coluna mais à esquerda, as colunas verticais listam os elementos na ordemascendente de seus pesos atômicos. As fileiras horizontais listam os elementos em grupos compropriedades gradativas semelhantes.Como se pode ver, a segunda coluna vertical se parece com a lei das oitavas de Newlands,mas isso está longe de acontecer entre os elementos de maior peso atômico. De maneirasemelhante, os padrões parciais de Döbereiner e de Chancourtois são também explicados. ATabela Periódica de Mendeleiev seguiu um padrão menos rígido, mas ele parecia abarcartodos os elementos conhecidos.Até Mendeleiev, no entanto, teve de admitir que, à primeira vista, parecia haver váriasanomalias nesse padrão. Para começar, se todos os elementos fossem agrupadoshorizontalmente segundo suas propriedades, isso significaria que alguns de seus pesosatômicos não se adequariam à ordem ascendente precisa: por exemplo, no pé da terceiracoluna vertical, o tório (Th = 118). Nesses casos, Mendeleiev questionou o peso atômico doelemento, sugerindo que havia sido calculado incorretamente. Ali, sustentou arrogantemente, aciência estava errada e ele estava certo! Sua sugestão para explicar outras anomalias em suaTabela Periódica foi ainda mais ousada. Quando nenhum elemento se encaixava no padrão, elesimplesmente deixava uma lacuna. Previu que essas lacunas seriam preenchidas um dia porelementos que ainda não haviam sido descobertos. Por exemplo, na nona fileira horizontal (ogrupo boro, que começa com B = 11), ele previu que havia um elemento, até entãodesconhecido, entre o alumínio (Al = 27,1) e o urânio (Ur = 116). Chamou-o de eka-alumínio,prevendo que, quando fosse descoberto, seu peso atômico seria 68. Chegou até a prever aspropriedades desse elemento, que estariam entre as do alumínio e as do urânio. De maneirasemelhante, na linha horizontal imediatamente abaixo, o grupo carbono que começa com C =12, ele previu mais um elemento entre o silício (S = 28) e o estanho (Sn = 118), que marcoucomo ? = 70. Chamou-o de eka-silício e descreveu igualmente suas propriedades prováveis. 

  Apesar dessas anomalias visíveis em sua Tabela Periódica, Mendeleiev estava convencidode estar certo

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  Apesar dessas anomalias visíveis em sua Tabela Periódica, Mendeleiev estava convencidode estar certo. Um indício adicional apenas o confirmou nessa ideia. O padrão revelado emsua Tabela Periódica era incrivelmente repetido por um padrão na sequência das valênciasexibidas por cada elemento, isto é, na medida da capacidade que tinham seus átomos de secombinar com outros átomos. Por exemplo, o lítio (Li=7na tabela) tinha uma valência de 1.Isto é, se o átomo era bola, ele tinha um "braço" permitindo-lhe ligar-se a outro átomo. Emseguida na sequência de pesos atômicos vinha o berílio (Be = 9,4), que tinha uma valência de2, o que lhe permitia se ligar a outros dois átomos. O elemento seguinte, boro (B = 11), tinhauma valência de 3; depois vinha o carbono (C = 12), com 4. Em seguida a sequência caía, demodo que a ordem geral era: 1, 2, 3, 4, 3, 2, 1. Esse padrão periódico de elevação e queda eramais ou menos repetido ao longo de toda a sequência de pesos atômicos. Mas quando oselementos eram arranjados em grupos horizontais de propriedades similares, como ele o fizeraem sua Tabela Periódica, os elementos do mesmo grupo tendiam a ter a mesma valência.Assim os elementos do grupo nitrogênio (11ªlinha horizontal a partir de cima, começando comN = 14) tinham uma valência de 3. Situado imediatamente abaixo, o grupo oxigênio (quecomeça com O = 16) tinha uma valência de 2; e o grupo inferior tinha uma valência de 1. Maisuma vez, havia várias discrepâncias em que as valências não pareciam se ajustarperfeitamente ao padrão, ou era preciso rearranjar os elementos fora da ordem, masMendeleiev tinha certeza de que também essas anomalias podiam ser explicadas. Continuouconvencido de que sua Lei Periódica, como a chamava, era a resposta. Como iria comentarmais tarde: "Embora tenha tido minhas dúvidas sobre alguns pontos obscuros, nem por umavez duvidei da universalidade dessa lei, porque ela não podia ser resultado do acaso."Outros não ficaram tão convencidos. Essa pretensa "lei" era típica da ciência russa: nadatinha do rigor de suas congêneres ocidentais. Muito simplesmente, a Tabela Periódica tinhaburacos demais. Como podia Mendeleiev contar com a possibilidade de certos pesosatômicos terem sido mal calculados? Quem já ouviu falar de uma teoria científica que sebaseava em erros científicos?Mas a Tabela Periódica de Mendeleiev logo iria ser corroborada da maneira que ele menosesperava. O cientista alemão Julius Meyer publicou um artigo afirmando que havia descobertoa Tabela Periódica. Isso era com certeza mais do que uma coincidência equivocada.As vidas de Mendeleiev e Meyer continham de fato várias coincidências. Poucos anosdepois de Mendeleiev, Meyer também estudara química em Heidelberg com Bunsen eKirchhoff, os renomados inventores da espectroscopia que haviam conseguido até descobrirnovos elementos na superfície do Sol. Em contraste com Mendeleiev, porém, Meyer nãoabandonara o laboratório de Bunsen num rompante. Em consequência, adquirira uma profundacompreensão da natureza dos elementos (em vez de passar seu tempo obstinadamente numlaboratório caseiro testando a solubilidade do álcool na água). Também Meyer assistira àfamosa conferência Karlsruhe em 1860 e, como Mendeleiev, fora inspirado pelo candentediscurso de Cannizzaro em favor dos pesos atômicos.Trabalhando em linhas similares às de Mendeleiev, Meyer tinha acabado por descobrir umpadrão quase idêntico entre os elementos precisamente ao mesmo tempo que ele. Nesse caso,por que se atribui a descoberta da Tabela Periódica a Mendeleiev? Para começar, porque elepublicou seu artigo sobre o assunto em 1º de março de 1869, apenas duas semanas após suadescoberta inicial – ao passo que Meyer só publicou seus achados no ano seguinte. Mas, semdúvida, as conclusões de Meyer eram mais hesitantes. Ele não conseguiu explicar plenamenteas anomalias de sua tabela – os elementos que estavam fora de ordem, aqueles que nãopareciam se encaixar em seu grupo aparente e as lacunas flagrantes. Quando críticosapontaram as discrepâncias entre a "lei" de Meyer e os fatos, Meyer não teve defesa.Mendeleiev, por outro lado, tomou a ofensiva. Estava disposto a defender sua intuiçãoquímica em face de todos os "fatos".Compreensivelmente, o mundo científico não se deixou convencer. Como se podia fundaruma lei científica em descobertas que ainda não haviam sido feitas? Essa confiança emelementos químicos não descobertos era pura fantasia. A posição de Mendeleiev começou aparecer cada vez mais incerta à medida que o tempo passava e não surgia nenhum indíciocientífico para apoiar suas asserções absurdas. Não se descobriu nenhum elemento novo comas propriedades do "eka-alumínio" ou do "eka-silício". De fato, os anos que se seguiramimediatamente a 1869 iriam se provar surpreendentemente estéreis no tocante à descoberta denovos elementos.Foi então que, no final do verão de 1874, a Académie des Sciences de Paris recebeu umacarta dramática do químico francês Paul Lecoq, de Boisbaudran, em que ele anunciava:"Durante a noite passada, em 27 de agosto de 1875, entre três e quatro horas da manhã,descobri um novo elemento numa amostra de sulfeto de zinco da mina Pierrefitte, nosPireneus." Ele chamou esse elemento de gálio, segundo a palavra latina para França, Gallia.(Já se sugeriu, porém, que os motivos de Lecoq talvez não tivessem sido tão patrióticos edesinteressados quanto pareciam. Le Coq, que significa em francês "o galo", traduz-se emlatim como gallus.)O elemento recém-descoberto por Lecoq teve seu peso atômico calculado em 69, e suaspropriedades indicavam que pertencia ao grupo boro, entre o alumínio e o urânio. O novoelemento gálio correspondia quase exatamente às propriedades que Mendeleiev previra para oeka-alumínio. Mas quando Lecoq calculou a gravidade específica do gálio, constatou que elaera de 4,7 – quando Mendeleiev havia previsto que o eka-alumínio teria uma gravidadeespecífica de 5,9. Ali estava uma discrepância flagrante que não podia ser ignorada. Seriapossível que as outras "previsões" de Mendeleiev não tivessem passado de uma série depalpites felizes?Assim que soube que o achado de laboratório de Lecoq não correspondia à sua previsãoteórica, Mendeleiev reagiu de maneira característica. Enviou imediatamente uma carta aofrancês informando-o de que sua amostra de gálio não era suficientemente pura e sugerindoque repetisse o experimento com outra amostra. Conscienciosamente, Lecoq repetiu seuexperimento com uma amostra maior, que submeteu a uma purificação rigorosa. Dessa vez,constatou que a gravidade específica do gálio era 5,9, exatamente como Mendeleiev previra!Cinco anos depois veio a confirmação de que isso certamente não fora nenhum acaso feliz.Durante uma análise de rotina do mineral argirodita, recentemente descoberto numa mina pertode Freiburg, o químico alemão Clemens Winkler detectou a presença de um elemento até entãodesconhecido. Chamou-o de germânio (em homenagem à sua pátria). No curso de váriaspequenas revisões de sua Tabela Periódica, Mendeleiev havia calculado que o peso do ekasilícioseria não 70, mas algo mais próximo de 72 – suas previsões no tocante às outrascaracterísticas do elemento, porém, continuaram inalteradas. Seria um elemento metálicocinza-escuro com propriedades entre as do silício e as do estanho. Teria uma gravidadeespecífica de 5,5, seu óxido teria uma gravidade específica de 4,7 e seu composto com cloroteria uma gravidade específica de 1,9. Winkler verificou que o germânio era uma substânciacinza com brilho metálico, com peso atômico de 72,73. Tinha uma gravidade específica de5,47, seu óxido tinha uma gravidade específica de 4,7 e seu cloreto tinha uma gravidadeespecífica de 1,887. Agora ninguém podia duvidar da Lei Periódica de Mendeleiev.Com a Tabela Periódica, a química chegou à maioridade. Como os axiomas da geometria, dafísica newtoniana e da biologia darwiniana, a química tinha agora uma ideia central sobre aqual todo um novo corpo de ciência podia ser construído. Mendeleiev classificara os tijolosdo universo.Mendeleiev tinha certeza de que semelhante descoberta levaria a avanços consideráveis naciência. Especulou que, em séculos futuros, sua Tabela Periódica poderia talvez indicar asorigens do universo, o padrão sobre o qual a própria vida se fundava ou até o segredosupremo da matéria. Isso iria acontecer, mas não exatamente como ele esperava. Aindadurante a vida de Mendeleiev, descobriu-se que certos elementos da Tabela Periódica eramsujeitos a decair. Mendeleiev não pôde aceitar isso: para ele a Tabela Periódica era umabsoluto. No entanto, foi a própria posição que esses elementos que decaíam ocupavam emsua tabela que levou os cientistas a compreender precisamente o que acontecia. O átomo nãoera a última partícula fundamental. A física nuclear nascera. Ela iria descobrir, por sua vez,seu próprio conjunto de partículas subnucleares únicas. Seria possível que também estas seconformassem a um padrão semelhante à Tabela Periódica dos elementos? Em 1981 o físicoamericano Murray Gell-Mann, inspirado pelo exemplo de Mendeleiev, elaborou uma tabela declassificação das partículas subatômicas, que chamou de o caminho óctuplo. Esta agrupava aspartículas em famílias que exibiam propriedades similares, de uma maneira que reproduzia ométodo usado originalmente por Mendeleiev para agrupar os elementos. Mas a ciênciamoderna avança depressa, e o caminho óctuplo teve o mesmo destino da Tabela Periódica deMendeleiev. Descobriu-se que as partículas que ele classifica não são absolutas. Parecemconsistir de entidades ainda mais diminutas conhecidas como supercordas.Contudo, apesar desses amplos avanços, a Tabela Periódica descoberta originalmente porMendeleiev continua sendo a base da química moderna. Ela foi usada para prever aspropriedades possíveis de todo tipo de combinações moleculares de elementos atômicos. Issoé especialmente útil na síntese de novas drogas complexas. De maneira semelhante, oconhecimento preciso da capacidade que tem cada elemento atômico diferente de se combinarcom outros átomos levou aos avanços mais espetaculares na química. Nossa compreensão daconstituição da molécula extremamente complexa do DNA, "o padrão da vida", não teria sidopossível sem esse conhecimento.A premonição de Mendeleiev de que sua Tabela Periódica poderia auxiliar na descobertadas origens do universo também se provou justificada. Especulando sobre o que aconteceu nossegundos que se seguiram ao Big Bang, cosmólogos se vi-ram avançando a partir da fundaçãodas partículas nucleares (nos primeiros três segundos) até a formação dos primeiros átomos(um milhão de anos mais tarde). Como esses primeiros átomos simples se transformaram naestrutura complexa da Tabela Periódica é o segredo da evolução do universo. Sabemos comoisso começou; Mendeleiev nos mostrou como é agora. O que aconteceu no intervalo é oepisódio vital que somente agora estamos começando a decifrar.Durante os cem anos, aproximadamente, que se seguiram à descoberta original deMendeleiev, a Tabela Periódica dos elementos sofreu vários ajustes e rearranjos. No entanto,as versões modernas da Tabela Periódica (de que há várias) continuam incontestavelmentebaseadas sobre a estrutura essencial concebida por ele. Esta foi capaz de incorporar quase odobro do número de elementos que explicava originalmente, inclusive um grupo inteiramentenovo, e vários reagrupamentos subsequentes de elementos. Sabe-se hoje que as propriedades,valências e pesos dos elementos resultam do arranjo de partículas subatômicas no interior doátomo. A física nuclear, contudo, na maior parte das vezes confirmou os palpites originais deMendeleiev com relação a pesos atômicos, elementos que faltavam e suas propriedades. Elaoferece uma explicação global baseada nos mais sofisticados indícios experimentais, ali ondeMendeleiev podia apenas especular. O que Mendeleiev descobriu no dia 17 de fevereiro de1869 foi a culminação de uma epopeia de dois mil e quinhentos anos: uma parábola obstinadada aspiração humana.Em 1955 o elemento 101 foi descoberto e tomou seu lugar devidamente na TabelaPeriódica. Foi chamado de mendelévio, em reconhecimento ao feito supremo de Mendeleiev.Apropriadamente, é um elemento instável, sujeito a fissão nuclear espontânea  

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