12 - A procura de uma estrutura oculta

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  Na trilha de Lavoisier, a abordagem sistemática e novas técnicas experimentais logo levaramà descoberta de grande número de novos elementos. Durante a vida de Berzelius, nada menosque 32 novos elementos foram isolados, elevando o total a 57. Só o cientista britânico SirHumphry Davy descobriu seis elementos. O mais importante deles foi isolado por eletrólise.Em outubro de 1807, Davy construiu a mais poderosa bateria jamais montada, usando 250placas. Isso lhe permitiu passar uma forte corrente elétrica através de uma solução aquosa depotassa, um composto que, segundo uma antiga suspeita sua, devia conter um elementodesconhecido. Como de início a corrente apenas fez a água se decompor, ele eliminou a água erepetiu o experimento com uma fusão ígnea de potassa (isto é, liquefeita). Desse modo Davyconseguiu separar minúsculos glóbulos de um metal alcalino, que chamou de potássio. Quandoum desses glóbulos era introduzido na água, inflamava-se e corria rapidamente pelasuperfície, emitindo um enérgico som sibilante. Em termos químicos, isso mostrava que aforma isolada desse metal era tão reativa que extraía oxigênio da água, liberando umasibilação de gás hidrogênio que se inflamava em razão do calor da reação. Mais tarde, namesma semana, Davy isolou um outro metal alcalino por eletrólise, dessa vez da sodacáustica. A esse, deu o nome de sódio. Na época, a descoberta desses metais alcalinosaltamente reativos causou quase tanta sensação quanto a descoberta do fósforo um século emeio antes–epor razões semelhantes. Conferências científicas estavam novamente em grandemoda entre a sociedade polida, e uma "demonstração" espetacular desses elementos recémdescobertossempre fazia furor, levando muitas vezes algumas das senhoras da audiência adesmaiar.A ociosidade forçada de mulheres da classe média inteligentes mas inadequadamenteinstruídas, e sua consequente avidez de conhecimento, significava que esses eventos forneciamaté certo ponto uma educação popular, e contavam sempre com boa frequência de senhoras.Qualquer participação mais profunda na ciência, contudo, continuava sendo consideradasocialmente inaceitável para mulheres. Mas o exemplo pioneiro de Madame Lavoisier seriaseguido por algumas almas intrépidas. Notavelmente: Ada Lovelace, a filha desprezada deByron, que escreveu o primeiro programa para o computador, ou "máquina analítica", originalde Babbage; Sophie Germain, que, apesar de ser fundamentalmente autodidata, atraiu aatenção do grande Gauss e é até hoje a mais consumada matemática que a França já produziu;e Caroline Herschel, a astrônoma germano-britânica que descobriu nada menos que oito novoscometas e revisou a obra clássica de John Flamsteed, Observações das estrelas fixas, para aRoyal Society (embora, é claro, não lhe tenha sido permitido tornar-se membro dessainstituição). Tudo isto serve apenas como um indicador de como as coisas poderiam ter sido,se a visão da ciência não tivesse avançado com um olho firmemente fechado.Sabe-se hoje que o alumínio é o metal de ocorrência mais frequente na crosta terrestre – masdurante séculos ele não foi detectado. Georg Stahl, o brilhante teórico da química alemão, quedesenvolveu e denominou a teoria do flogístico, foi provavelmente o primeiro a suspeitar quehavia um elemento até então desconhecido no alume (sulfato de potássio e alumínio). Umséculo e meio se passaria, contudo, antes que esse palpite fosse confirmado. Em 1827 oquímico alemão Friedrich Wöhler finalmente conseguiu, com suprema engenhosidadeexperimental, isolar o alumínio metálico. (Basicamente, o experimento de Wöhler envolveu oaquecimento de cloreto de alumínio desidratado com potássio metálico puro hiper-reativo,que removeu o cloreto do alumínio.) Em seguida, passou a examinar as propriedades dessemetal cristalino branco-prateado.O método de Wöhler para isolar o alumínio se provaria tão difícil, e as propriedades dessenovo metal tão resplandecentes, que por algumas décadas o alumínio tornou-se mais valiosoque o ouro. Trinta anos depois de sua descoberta, quando uma reluzente barra de alumínio foiexibida em Paris, Napoleão III ordenou que se fizesse um faqueiro daquele novo metal. Suaintenção era entreter as cabeças coroadas da Europa com facas e garfos que hoje em dia nãoseriam aceitáveis numa cantina de prisão.Além do isolamento do alumínio, outro grande feito de Wöhler foi sua síntese da ureia, queé produto da matéria viva, a partir de materiais não vivos. Essa criação de matéria orgânica apartir de matéria inorgânica refutou a teoria amplamente sustentada do vitalismo (e a "forçavital"), embora fossem se passar muitos anos recalcitrantes antes que se aceitasse que a vidanão existia.Vários elementos estavam sendo descoberto quase a cada década. Essa profusão de novoselementos, com uma série cada vez mais ampla de propriedades, logo começou a suscitarquestões. Quantos elementos havia precisamente? A maioria deles já fora descoberta? Ou serevelaria talvez haver um número incontável deles? Isso logo levou a especulações maisprofundas. De algum modo, em meio a todos aqueles elementos, devia haver algum tipo deordem fundamental. Dalton descobrira que os átomos de cada elemento tinham diferentespesos – não devia haver mais alguma coisa aí? Berzelius percebera que os elementospareciam ter diferentes afinidades elétricas. Assim também, parecia haver grupos dediferentes tipos de elementos com propriedades semelhantes – metais que resistiam à corrosão(como ouro, prata e platina), metais alcalinos combustíveis (como potássio e sódio), gasesincolores e inodoros (como hidrogênio e oxigênio) e assim por diante. Seria possível quehouvesse algum tipo de padrão fundamental por trás de tudo isso?A química conquistara seu status científico e seu permanente sucesso em grande parteatravés do experimento, e esse tipo de pensamento teórico era visto na melhor das hipótesescomo mera especulação. Por que haveria algum tipo de ordem entre os elementos? Afinal, nãohavia indício real de tal coisa. Mas o desejo de ordem é um traço humano básico, não menosentre os cientistas. E essas especulações acabaram por encontrar suporte, ainda que apenas deindícios fragmentários.O primeiro deles veio de Johan Döbereiner, professor de química na Universidade de Iena.Filho de um cocheiro, Döbereiner era em grande parte um autodidata. Conseguiu obter umcargo como farmacêutico e frequentava avidamente as conferências públicas locais sobreciência que se realizavam usualmente. Seu conhecimento químico precoce valeu-lhe a atençãode Karl August, duque de Weimar, que finalmente lhe assegurou uma nomeação para aUniversidade de Iena. Ali suas aulas eram regularmente assistidas por Goethe, que tinha uminteresse tão intenso em ciência que, em certa época, considerou suas atividades nesse campomais importantes que seus escritos.Vale a pena examinar esse interesse de Goethe, porque ele é indicativo de um nível eamplitude de interesse científico amador que não era incomum entre pessoas instruídas nesseperíodo, tanto por toda a Europa quanto nos Estados Unidos. As especulações científicas deGoethe são mais bem conhecidas por causa de seu gênio literário, e por essa razão suateimosia nesse departamento é frequentemente objeto de um respeito que não merece. Apesarde Newton ter demonstrado amplamente que a luz branca continha todas as cores, Goetheinsistiu em afirmar que ela era uma cor por si mesma. Sustentou que todas as cores eram defato uma mistura de luz e escuridão, impregnadas de um meio nebuloso que emprestava àpenumbra cinza resultante a sua radiância colorida. (Mais tarde o filósofo Schopenhauer, umpensador científico de certo mérito que deveria estar mais bem informado, iria tambémdefender essa fantasia.) Entre outras aventuras científicas de Goethe esteve uma prolongadabusca da "planta original", da qual todas as outras teriam se desenvolvido, bem como ainvenção da "morfologia", o estudo da "unidade" subjacente à diversidade de toda a vidaanimal e vegetal. Essas noções eram puramente especulativas, baseadas em pouco mais que asintuições de uma imaginação fértil. (Mesmo assim, sua semelhança com a crença de que haviaum padrão por trás dos elementos é notável.) Goethe estava errado, ficando assim exposto aoridículo retrospectivo. Não é difícil, contudo, ver nesse pensamento um passo hesitante rumo àideia de evolução, que Darwin iria formular menos de um quarto de século após a sua morte.Goethe não estava sozinho ao levar seu hobby a sério. Entre homens de pensamento (ealgumas mulheres pioneiras), a especulação científica teórica estava se difundindo cada vezmais, consideravelmente estimulada pelas conquistas da Revolução Industrial. Mas essamesma revolução trouxe também suas soturnas usinas satânicas e a perspectiva de um futurocheio de sordidez e conturbação social. Do mesmo modo, o amador de inclinação científicaque trabalhava sozinho em seu laboratório nos limites da teoria adquiria também seu ladosoturno, que jogava com os temores do desconhecido. Enquanto Goethe ainda estava em suaplenitude, Mary Shelley escrevia Frankenstein – uma figura arquetípica do cientista louco esua criação demoníaca cuja força persiste até hoje.Nesse meio tempo o mestre de química de Goethe, professor Döbereiner, estavatrabalhando em suas próprias ideias morfológicas. Em 1829 ele notou que o recém-descobertoelemento bromo tinha propriedades que pareciam situar-se a meio caminho entre as do cloro eas do iodo. Não só isso, seu peso atômico ficava exatamente a meio caminho entre os dessesdois elementos.Döbereiner começou a estudar a lista dos elementos conhecidos, registrados com suaspropriedades e pesos atômicos, e acabou descobrindo outros dois grupos de elementos com omesmo padrão. O estrôncio situava-se a meio caminho (em peso atômico, cor, propriedades ereatividade) entre o cálcio e o bário; e o selênio podia ser igualmente situado entre o enxofree o telúrio. Döbereiner chamou esses grupos de tríades, e começou uma ampla investigaçãodos elementos em busca de outros exemplos, mas não conseguiu encontrar mais. A "lei dastríades" de Döbereiner parecia aplicar-se a apenas nove dos 54 elementos conhecidos e foirejeitada por seus contemporâneos como mera coincidência.E assim ficaram as coisas na época. A química havia sofrido o bastante com teorias errôneas(quatro elementos, flogístico etc.). O progresso deveria se dar pelo experimento.Mais de 30 anos se passariam depois da lei das tríades de Döbereiner antes que fosse feitaoutra tentativa importante de descobrir um padrão entre os elementos. Lamentavelmente, essacontribuição viria de um cientista cujo brilhantismo só era equiparado por sua rebeldia.Alexandre-Emile Béguyer de Chancourtois nasceu em Paris em 1820. Seu primeiro amor foi ageologia, que o levou em expedições a terras tão distantes quanto o Turquestão, a Armênia e aGroenlândia. Ele retornou convencido de que era a geologia de um país que determinava oestilo de vida de seus habitantes. Em outras palavras, eram seus depósitos de carvão ouenxofre, e não, digamos, o clima, a estrutura social ou as características raciais que eram ainfluência preponderante no comportamento local. Embora parecesse pouco promissor, esseponto de partida iria se provar o início da geografia humana, e de Chancourtois é hojereconhecido com um dos fundadores da disciplina. Mais tarde ele foi nomeado inspetor geraldas minas na França, cargo em que sua abordagem pouco ortodoxa o levou a introduzir amplasmedidas de segurança e métodos modernos de engenharia à custa dos indignados proprietáriosdas minas. De Chancourtois só voltou seus consideráveis talentos para a química quando jáestava na casa dos 40 anos. Em 1862, produziu um artigo que descrevia seu engenhoso"parafuso telúrico", que demonstrava que parecia haver realmente algum tipo de padrão entreos elementos. Esse "parafuso telúrico" consistia em um cilindro sobre o qual era traçada umalinha espiral descendente. A intervalos regulares ao longo dessa linha, de Chancourtois plotoucada um dos elementos de acordo com seu peso atômico. Ficou intrigado ao constatar que aspropriedades desses elementos tendiam a se repetir quando estes eram lidos em colunavertical pelo cilindro abaixo. Parecia que, após cada 16 unidades de peso atômico, aspropriedade dos elementos correspondentes tendiam a exibir similaridades notáveis com asdos situados verticalmente acima deles no cilindro. De Chancourtois teve seu artigodevidamente publicado, mas infelizmente optou por retornar a termos geológicos quando sereferia a certos elementos, tendo chegado em certa altura a introduzir sua própria versão danumerologia (a alquimia da matemática, em que certos números têm seu próprio significadoesotérico). Para piorar ainda mais as coisas, os editores omitiram a ilustração do cilindrofeita por de Chancourtois, tornando assim o artigo praticamente incompreensível senão aomais persistente e informado dos leitores. (Como veremos, só uma pessoa recaiu nessacategoria. Mas esse leitor seria tão inspirado pelo trabalho de de Chancourtois quetransformaria a face da química.)Esse assunto atraía evidentemente certo tipo de pensador científico habituado ao ridículo.Em 1864 o jovem químico inglês John Newlands descobriu seu próprio padrão dos elementos,ignorando as pesquisas enigmáticas de de Chancourtois. John Newlands nasceu em Londresem 1837, filho de um ministro presbiteriano. Sua mãe era de ascendência italiana, fato de queera particularmente orgulhoso. Aos 23 anos, Newlands interrompeu seus estudos científicos eembarcou para Palermo, onde Garibaldi hasteara a bandeira italiana para proclamar alibertação e a unificação da Itália. Ali ingressou como voluntário do exército de Garibaldi, océlebre Camisas Vermelhas. A Itália iria ser unida e governada por italianos pela primeira vezdesde o Império Romano. A Europa estava se consolidando agora em grandes blocosnacionais de poder: a unificação da Itália foi contemporânea da unificação da Alemanha, queestivera fragmentada desde a Reforma. A Europa ocidental moderna estava começando atomar forma na esteira da Revolução Industrial, com usinas de processamento de aço,indústrias mineiras e fábricas químicas sendo implantadas da Suécia à Grécia.Em seu retorno da Itália, Newlands começou a estudar os elementos. Produziu achados quetinham certa semelhança com os alcançados por de Chancourtois, embora representassem umavanço significativo em relação às ideias do francês. Newlands descobriu que ao arrolar oselementos na ordem ascendente de seus pesos atômicos, em linhas verticais de sete, aspropriedades dos elementos ao longo das linhas horizontais correspondentes eramnotavelmente similares. Nas palavras dele: "Em outras palavras, o oitavo elemento a começarde um determinado é uma espécie de repetição do primeiro, como a oitava nota numa oitavade música." Chamou isso de sua "lei das oitavas". Na lista tabulada, o metal alcalino sódio (o6º elemento mais pesado) figurava horizontalmente ao lado do muito similar potássio (o 13ºmais pesado). Da mesma maneira, o magnésio (10º) estava alinhado ao lado do similar cálcio(17º). Quando expandiu esse quadro para incluir todos os elementos conhecidos, Newlandsdescobriu que os halógenos, cloro (15º), bromo (29º) e iodo (42º), que exibiam propriedadesgradualmente similares, recaíam todos na mesma coluna horizontal. Enquanto isso o trio demagnésio (10º), selênio (12º) e enxofre (14º), que também tinham propriedades gradualmentesimilares, recaía na mesma linha vertical. Em outras palavras, sua lei das oitavas pareciaincorporar também as semelhanças dispersas notadas na lei das tríades de Döbereiner.Infelizmente, a lei das oitavas tabulada de Newlands também tinha seus defeitos. Aspropriedades de alguns elementos, especialmente os de maior peso atômico, simplesmente nãose encaixavam. Apesar disso, foi um claro avanço em relação a qualquer ideia anterior. Defato, muitos a consideram hoje o primeiro indício sólido de que havia de fato algum padrãoabrangente entre os elementos. Em 1865 Newlands relatou seus achados à Chemical Societyem Londres, mas suas ideias provaram-se à frente de seu tempo. Os ilustres presentessimplesmente zombaram de sua lei das oitavas. Em meio à hilaridade geral, um deles chegou alhe perguntar sarcasticamente se havia tentado organizar os elementos em ordem alfabética.Um quarto de século teria de se passar antes que o feito de Newlands fosse finalmentereconhecido, quando a Royal Society lhe concedeu a Medalha Davy em 1887.Döbereiner identificara semelhanças entre grupos isolados de elementos. De Chancourtoisdiscernira certo padrão recorrente de propriedades. Newlands ampliara esse padrão e atéincorporara os grupos de Döbereiner. Mas, ainda assim, sua lei das oitavas não funcionava demaneira geral. Isso se devia em parte a cálculos errôneos de vários pesos atômicos da época eem parte ao fato de Newlands não ter levado em conta elementos não descobertos até então.Mas ocorria também porque a rigidez do sistema de oitavas de Newlands simplesmente nãoconvinha.Estava ficando cada vez mais óbvio que os elementos correspondiam a algum tipo depadrão, mas a resposta era evidentemente mais complexa. A química parecia estar a um passode vislumbrar o esquema dos próprios elementos sobre os quais se baseava. Euclides lançaraos fundamentos da geometria, a gravidade de Newton explicara o mundo em termos de física eDarwin descrevera a evolução de todas as espécies – poderia a química descobrir agora osegredo que explicava a diversidade da matéria? Aqui, possivelmente, estava a cavilha queuniria todo o conhecimento científico. O homem que tentou resolver esse problema em seguidaera o dono do mais consumado talento químico desde Lavoisier. 

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