PROLOGUS

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Outono, 864 D.C.
Ano de nosso senhor.

Constance, em algum lugar da américa do norte...

O Rei estava com os olhos fixos ao velho casarão da família Griffit's. A família havia partido para uma extensa temporada de caça nas extremidades das terras do sul, e agora estava de volta para o mundo ao qual pertencia.

E vejam só que mundo... escuro, violento, destrutivo e eterno.

Sua silhueta solitária estava plantada em pé no alto da torre, à sombra da esfera do domo da pequena Catedral Lundresvt, e de algo conhecido como a cruz da salvação. Suas roupas negras se perdiam na escuridão cada vez mais densa, tornando-o inviável à olhos humanos, tornando-o um observador silencioso e esplendorosamente letal.

Enquanto seus olhos passavam rapidamente por toda guarnição à frente, viu o próprio reflexo no metal de um dos gigantescos elmos em meio de tantas estátuas e por instinto, afastou da testa alguns fios desalinhados de cabelos negros azeviche. Apesar de ser a própria personificação da beleza e do pecado, raramente passava muito tempo se olhando. Nunca fora amante do engodo humano e tampouco alento a detalhes vãs.

Talvez um dia fora, quando a inocência regia suas ações e o mantinha como braço direito e servo de Deus. Outrora quando uma linda face de olhos negros fascinantes sugou sua ingenuidade e apresentou o temível conhecimento.

Não esqueçais que o verdadeiro perdão se reconhece pelos atos, muito mais que pelas palavras.

Ele franziu o cenho e pensou no pequeno rosto de olhos negros. No instante seguinte afastou o pensamento. Por causa de lembranças com muitas eras de idade, se viu preso pela aprovação humana.

Tornou a retirar os fios que desciam como cascata do seu rosto e manteve sua atenção às pequenas formigas lá em baixo, enquanto fingia saborear uma brisa morna e insistente que vagava no ar.

Pensar em memórias asfixiadas, deixava-o impaciente e curioso. Não entendia como um renegado do Criador, outrora servo de Deus, poderia citar às escrituras tão bem.

Das janelas das casas, até mesmo após o anoitecer, tinha-se uma vista inacreditável dos contornos de toda Constance. Ainda assim, a Criatura solitária repelia estranhamente esse detalhe, sem se deixar abalar pelos pequenos pontos de luz espalhados por toda parte, a maioria regido a querosene.

Ali do alto, todo o vilarejo estava completamente sob seu domínio. Lá de cima, todos pareciam insetos, formigas. E de fato, era isso que elas representavam, apenas algo a ser exterminado, ainda que fossem necessárias.

Quando a luz tomava conta do dia, esperava paciente nas criptas subterrâneas de seu castelo ou em suas masmorras, observando sentado em seu trono, suas formigas, na maioria das vezes virgens, vagando cegamente em busca de luz em meio às trevas.

Quando se cansava dos gritos e choros, costurava-lhes a boca e arrancava suas mãos, entregando os restos a mercê de toda guarnição real Constântica. Após isso, passava os instantes antes do pôr do sol esperando a escuridão no alto da torre, observando seu reino com devoção.

Um silencio assustador reinava nessas regiões àquela hora, quando a lua de prata atingia seu ápice no negrume do céu, exceto, quando vez ou outra, algumas rajadas de vento morno sacudiam as vidraças da catedral e os gongos de ferro ecoavam através daquele vasto cenário das trevas.

Constance era sua a quase quatrocentos anos.

Tudo aquilo era seu, cada pedra, cada grão de terra, cada alma. Aquilo era obra de suas mãos e de fruto do seu trabalho, ou... era nisto que ele tentava acreditar.

Sua sede por vingança e seu ódio pela humanidade, havia o transformado em um ser melancólico, perturbado e sem sentimentos. Um alguém incapaz de sentir pena, um ser plenamente vil.

Ser o portador da destruição era algo do qual se orgulhava mais que tudo, principalmente quando tinha em suas mãos a vida de um dos infinitos grãos do Criador.

O tempo era um luxo do qual desfrutava há eternidades e em abundância, permanecendo sempre constante. Sua força pesada era magnifica por sua paciência, intelecto e costumes aos quais adquirira com os séculos desfilando diante dos seus olhos.

Mais de cento e cinquenta anos haviam se passado desde que alguns de seus bens mais valiosos tinham sido tirados. Seu reino fora apenas o que sobrara de precioso e agora, exerceria seu poder sem misericórdia.

Dessa forma, postado em pé contra o céu cada vez mais escuro tal qual seus olhos, ele observava Constance em toda sua magnitude.

Sentia o ar quente à sua volta enquanto refletia sobre o destino da ingênua moça que movia-se entre a densa floresta, em direção à Catedral Lundresvt. Apenas seu capuz vermelho dava forma àquele pequeno borrão em movimento.

O Rei pretendia matá-la a tempos atrás, desde que o cheiro de sangue encheu suas narinas. Era uma excelente safra, mas o perfume que se dissolvia, o latente liquido rubro que vertia, era jovem, puro e inexplicavelmente familiar. Fez ressuscitar dentro dele lembranças esquecidas de algo que lhe foi tirado.

Essa jovem, cuja a alma não conhecia o verdadeiro terror, assim que entrou na floresta, traçou seu destino letal ao andar sob os olhos do predador mais insano e temido de todas as épocas. Condenou-se-á pela inocência de achar que seu Deus pudesse-a proteger do mal e mais ainda ao adentrar num lugar onde seus gritos provavelmente não atrairiam ninguém ao seu auxilio.

O Rei sabia que a floresta era densa e perigosa, não tinha dúvidas do cruel destino que a esperava. Uma demora proposital poderia dar-lhe de alimento a algo tão inumano quanto ele em toda sua magnitude, as Bestas.

Num instante, estava postado no topo de uma torre, pouco depois, estava escalando a superfície plana do telhado do estabulo ao lado, este adjacente à camponesa que se destacava hora ou outra entre a penumbra. Houvera um tempo em que poderia ter sido solene à misericórdia, em vez de se entregar a justiça esquerda. Mas desde 432 que ele não tinha misericórdia. Em sua forma Pura, tal conceito jamais penetrava sua consciência.

Segundos depois, percorreu os telhados em alta velocidade em direção ao coração da floresta, esquivando-se dos galhos distorcidos das arvores mais densas. Pulando de telhado em telhado, sua forma negra era sugada pela negritude da noite.

Enquanto corria, a pergunta que não parava de retumbar em sua mente era: Quem a salvaria de mim?

Durante o Obscurecer🌙Onde histórias criam vida. Descubra agora