Carta aos Astros

TERCEIRA CARTA,

OU O MISTÉRIO DO PADRÃO SUGERIDO PELA MINHA CUNHADA

Signos do zodíaco.

Que grande besteira cósmica, não é mesmo? Se eu nasci no dia em que a Lua estava posicionada um pouquinho à esquerda na porra do espaço, eu tenho tendências suicidas; agora, se a Lua flutuou um pouquinho mais para a direita, bom para mim, as marés vão funcionar direito e eu serei um ótimo pai para os meus filhos.

A astrologia está para a ciência como o fast food está para a comida de verdade: todo mundo sabe que é porcaria, mas consome mesmo assim. Horóscopo do dia, mapa astral, ascendente, previsões... quando foi que voltamos a Idade Média e baseamos as nossas atitudes em crenças populares?

— Você só diz isso porque é um aquariano cético e metido a sabichão — Isadora comentou ontem à noite, ajeitando o foco da câmera profissional instalada no "quarto de gravações" do seu apartamento com Andrei; eu gosto muito de criticar a astrologia e tirar a minha cunhada do sério.

Eu estava tentando não pensar muito no encontro com Pietra de mais cedo. Na risada expansiva dela toda vez que eu contava alguma piada. No jeito como ela cruzou as pernas em cima da cama e me contou sobre o seu dia. Como ela bagunçou o meu cabelo, sorriu, e disse que eu deveria me dedicar melhor a faculdade. Na maneira como ela se frustrava por não conseguir tirar do papel o seu projeto social.

— ...e sabe quem mais acredita em astrologia? A Pietra.

Eu levantei os olhos, dando-me conta de que estava viajando enquanto a minha cunhada falava.

Isadora sabe da minha paixão. Ela, dentre todas as pessoas do mundo, parece me entender. E, melhor ainda, prometeu não contar nada a Andrei.

Andrei é um bom irmão. Passei anos tendo-o como um herói, admirando todo e qualquer passo que ele deu em direção aos seus objetivos, desejando ter metade do seu talento e positividade. Mas ele costuma ser muito melodramático e sensível, e com certeza iria tentar dar um jeito na minha vida contando a verdade à Pietra, tudo "em prol do amor" — ou qualquer outra merda que ele lê constantemente nos seus romances históricos de cabeceira.

Isadora é mais bruta. Sincera. Não tem drama, não tem floreios, não tem choro, não tem poemas perfumados em pergaminhos. Além disso, ela acredita que, às vezes, os sentimentos precisam ser escondidos e repensados até que a nossa cabeça esteja em ordem.

E ela também é engraçada pra caralho, então é sempre bom conversar.

— Como caralhos você sabe disso? — eu perguntei, abrindo a janela balcão e acendendo um cigarro.

Ela fez uma careta, mas não disse nada; eu sei que ela está há anos tentando fazer Andrei parar de fumar, sem sucesso.

— Conversamos sobre isso no seu último aniversário — Isadora ligou a câmera, mexeu a cabeça de um lado para o outro, passou a mão na frente da lente, e voltou a desligá-la. — Ela é Escorpião com ascendente em Virgem, você é...

— Cético. Eu sou cético.

Isadora suspirou e sentou-se no sofá vermelho que fazia parte do cenário. Olhou pela janela distraída, um hábito que adquiriu depois que Andrei começou a passar doze horas diárias no trabalho — às vezes, eu quero chacoalhar o meu irmão até ele perceber a mulher maravilhosa que está negligenciando por pura vaidade.

— Ele já deve estar chegando — comentei, sentado na sacada, olhando para baixo e acompanhando com os olhos o movimento dos carros; não havia nem sinal do sedã prateado de Andrei.