OU O MISTÉRIO DE COMO O MEU PAI RESOLVEU INVESTIR NA CARREIRA POLÍTICA
Hoje eu descobri que o meu pai vai sair como vereador da cidade de São Paulo.
"Vai sair como vereador" é a expressão que usamos. Sair de onde? Eu não sei. Sair do casulo? Sair da zona de conforto? Sair do mundo dos mortais e se tornar um, oh, um político? Sair da moralidade e se tornar corrupto? Sair do sério com toda a patifaria que será obrigado a lidar? Sair da zona da classe média alta e se tornar rico?
Sempre apoiei o meu pai nas suas decisões políticas, porque admiro imensamente a sua inteligência e dedicação às causas que acredita, mas não sei ao certo se me sinto confortável com a candidatura; sou da opinião que política se faz pelos bastidores, e as figuras a frente de um cargo público perdem autonomia e, ironicamente, poder. Sinto vergonha do nosso Congresso Nacional e do nosso Senado, todos aqueles palhaços e palhaças de terno, achando que possuem alguma escolha, bem presos pelas cordas de interesses maiores que os manipulam. Eles acreditam piamente que possuem alguma influência, mas a única vantagem que levam em relação ao resto dos mortais é dinheiro pra caralho por beneficiar quem dá mais.
São "os que dão mais" que têm o comando, aqueles que não aparecem na mídia, mas que curtem a vida do banco de couro dos seus jatinhos. Os grandes empresários, as grandes potências mundiais (alô, Tio Sam!), os banqueiros, a mídia, a Igreja... o pacotão de homens brancos de meia idade que enriquecem através do suor do proletariado e passam a riqueza e o know how para a sua prole branca e plástica, perpetuando um ciclo sem fim.
Talvez eu esteja sendo pessimista e "conspiracionista" demais, e um tanto quanto hipócrita por fazer parte desse mundo e estar bastante confortável em uma posição privilegiada, mas acredito que o meu pai faria mais e melhor se continuasse articulando pelas beiradas.
Mas quem sou eu para aconselhar qualquer coisa?
Eu não consigo nem dizer para garota que eu gosto que eu ficaria imensamente feliz se, talvez, ela enfiasse a língua na minha boca.
XXX
Reli a carta que escrevi para América.
Acho que fez justiça ao nosso "lance". Não dava pra ser nada muito melodramático, afinal, nós éramos pré-adolescentes conhecendo as primeiras amarguras dos relacionamentos humanos; mas se algum dia as minhas palavras chegassem até ela, eu ficaria orgulhoso da pouca desenvoltura emocional que consegui desenvolver.
Isadora diz que Andrei é um aquariano disfarçado de pisciano, e que ela não sabe o que é pior, mas eu consigo ver muitas semelhanças entre o meu irmão e América, principalmente porque os dois não parecem ser desse mundo.
Não sei que fim levou o meu primeiro beijo, já que não a encontro no Facebook e não mantenho mais contato com os amigos do colégio, mas, no geral, acredito que ela possa ter se tornado a versão feminina do meu irmão mais velho. Se eu fosse um cara mais aberto a compreender o sentimento humano, talvez eu e América ainda pudéssemos ser bons amigos, mas os meus relacionamentos foram sempre muito mais antropológicos do que profundas conexões emocionais.
Andrei costumava chorar muito depois que descobriu ser adotado, e mais ainda quando começou a estreitar os laços com a mãe biológica. Tatiana chorou o rio Nilo quando o seu casamento entrou em crise, e mais ainda quando descobriu que ser mãe não tinha nada a ver com o filmes de comédia romântica que devorava. Os meus pais choraram como criancinhas tomando injeção quando descobriram que Andrei estava em contato com a mãe biológica, e mais ainda quando a minha avó materna faleceu. E eu fiquei no caminho, observando tudo de uma distância emocional imensa, um abismo formando-se entre minha família e eu.
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Carta aos Astros
RomanceDEGUSTAÇÃO! PARA COMPRAR O LIVRO, ACESSE ESSE LINK: https://amzn.to/3gnrMVi Aos 21 anos, todos estamos perdidos, mas Diego Neves acredita ser o mais perdido de todos. Preso a um curso de graduação pelo qual não se interessa, sem sucesso na carreira...