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Martim vai a passo e passo por entre os altos juazeiros que cercam a cabana do pajé.
Era o tempo em que o doce aracati chega do mar, e derrama a deliciosa frescura pelo árido sertão. A planta respira; um
doce arrepio erriça a verde coma da floresta.
O cristão contempla o ocaso do Sol. A sombra, que desce dos montes e cobre o vale, penetra sua alma. Lembra-se do
lugar onde nasceu, dos entes queridos que ali deixou. Sabe ele se tornará a vê-los algum dia?
Em torno carpe a natureza o dia que expira. Soluça a onda trépida e lacrimosa; geme a brisa na folhagem; o mesmo
silêncio anela de aflito.
Iracema parou em face do jovem guerreiro:
— É a presença de Iracema que perturba a serenidade no rosto do estrangeiro?
Martim pousou brandos olhos na face da virgem:
— Não, filha de Araquém: tua presença alegra, como a luz da manhã. Foi a lembrança da pátria que trouxe a saudade ao
coração pressago.
— Uma noiva te espera?
O forasteiro desviou os olhos. Iracema dobrou a cabeça sobre a espádua, como a tenra palma da carnaúba, quando a
chuva peneira na várzea.
— Ela não é mais doce do que Iracema, a virgem dos lábios de mel, nem mais formosa! murmurou o estrangeiro.
— A flor da mata é formosa quando tem rama que a abrigue, e tronco onde se enlace. Iracema não vive n'alma de um
guerreiro: nunca sentiu a frescura de seu sorriso.
Emudeceram ambos, com os olhos no chão, escutando a palpitação dos seios que batiam opressos.
A virgem falou enfim:
— A alegria voltará logo à alma do guerreiro branco; porque Iracema quer que ele veja antes da noite a noiva que o
espera.
Martim sorriu do ingênuo desejo da filha do pajé.
— Vem! disse a virgem.
Atravessaram o bosque e desceram ao vale. Onde morria a falda da colina o arvoredo era basto: densa abóbada de
folhagem verde-negra cobria o ádito agreste, reservado aos mistérios do rito bárbaro.
Era de jurema o bosque sagrado. Em torno corriam os troncos rugosos da árvore de Tupã; dos galhos pendiam ocultos
pela rama escura os vasos do sacrifício; lastravam o chão as cinzas de extinto fogo, que servira à festa da última lua.
Antes de penetrar o recôndito sítio, a virgem que conduzia o guerreiro pela mão hesitou, inclinando o ouvido sutil aos
suspiros da brisa. Todos os ligeiros rumores da mata tinham uma voz para a selvagem filha do sertão. Nada havia porém de
suspeito no intenso respiro da floresta.
Iracema fez ao estrangeiro um gesto de espera e silêncio, e depois desapareceu no mais sombrio do bosque. O Sol ainda
pairava suspenso no viso da serrania; e já noite profunda enchia aquela solidão.
Quando a virgem tornou, trazia numa folha gotas de verde e estranho licor vazadas da igaçaba, que ela tirara do seio da
terra. Apresentou ao guerreiro a taça agreste.
— Bebe!
Martim sentiu perpassar nos olhos o sono da morte; porém logo a luz inundou-lhe os seios d'alma; a força exuberou em
seu coração. Reviveu os dias passados melhor do que os tinha vivido: fruiu a realidade de suas mais belas esperanças.
Ei-lo que volta à terra natal, abraça sua velha mãe, revê mais lindo e terno o anjo puro dos amores infantis.
Mas por que, mal de volta ao berço da pátria, o jovem guerreiro de novo abandona o teto paterno e demanda o sertão?
Já atravessa as florestas; já chega aos campos do Ipu. Busca na selva a filha do pajé. Segue o rastro ligeiro da virgem
arisca, soltando à brisa com o crebro suspiro o doce nome:
— Iracema! Iracema!...
Já a alcança e cinge-lhe o braço pelo talhe esbelto.
Cedendo à meiga pressão, a virgem reclinou-se ao peito do guerreiro, e ficou ali trêmula e palpitante como a tímida
perdiz, quando o terno companheiro lhe arrufa com o bico a macia penugem.
O lábio do guerreiro suspirou mais uma vez o doce nome, e soluçou, como se chamara outro lábio amante. Iracema
sentiu que sua alma se escapava para embeber-se no ósculo ardente.
E a fronte reclinara, e a flor do sorriso desabrochava já para deixar-se colher.
Súbito a virgem tremeu; soltando-se rápida do braço que a cingia, travou do arco.
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Iracema
Romance"A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas: - Iracema!... (...)Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos ma...