Capítulo 6

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Martim vai a passo e passo por entre os altos juazeiros que cercam a cabana do pajé.

Era o tempo em que o doce aracati chega do mar, e derrama a deliciosa frescura pelo árido sertão. A planta respira; um

doce arrepio erriça a verde coma da floresta.

O cristão contempla o ocaso do Sol. A sombra, que desce dos montes e cobre o vale, penetra sua alma. Lembra-se do

lugar onde nasceu, dos entes queridos que ali deixou. Sabe ele se tornará a vê-los algum dia?

Em torno carpe a natureza o dia que expira. Soluça a onda trépida e lacrimosa; geme a brisa na folhagem; o mesmo

silêncio anela de aflito.

Iracema parou em face do jovem guerreiro:

— É a presença de Iracema que perturba a serenidade no rosto do estrangeiro?

Martim pousou brandos olhos na face da virgem:

— Não, filha de Araquém: tua presença alegra, como a luz da manhã. Foi a lembrança da pátria que trouxe a saudade ao

coração pressago.

— Uma noiva te espera?

O forasteiro desviou os olhos. Iracema dobrou a cabeça sobre a espádua, como a tenra palma da carnaúba, quando a

chuva peneira na várzea.

— Ela não é mais doce do que Iracema, a virgem dos lábios de mel, nem mais formosa! murmurou o estrangeiro.

— A flor da mata é formosa quando tem rama que a abrigue, e tronco onde se enlace. Iracema não vive n'alma de um

guerreiro: nunca sentiu a frescura de seu sorriso.

Emudeceram ambos, com os olhos no chão, escutando a palpitação dos seios que batiam opressos.

A virgem falou enfim:

— A alegria voltará logo à alma do guerreiro branco; porque Iracema quer que ele veja antes da noite a noiva que o

espera.

Martim sorriu do ingênuo desejo da filha do pajé.

— Vem! disse a virgem.

Atravessaram o bosque e desceram ao vale. Onde morria a falda da colina o arvoredo era basto: densa abóbada de

folhagem verde-negra cobria o ádito agreste, reservado aos mistérios do rito bárbaro.

Era de jurema o bosque sagrado. Em torno corriam os troncos rugosos da árvore de Tupã; dos galhos pendiam ocultos

pela rama escura os vasos do sacrifício; lastravam o chão as cinzas de extinto fogo, que servira à festa da última lua.

Antes de penetrar o recôndito sítio, a virgem que conduzia o guerreiro pela mão hesitou, inclinando o ouvido sutil aos

suspiros da brisa. Todos os ligeiros rumores da mata tinham uma voz para a selvagem filha do sertão. Nada havia porém de

suspeito no intenso respiro da floresta.

Iracema fez ao estrangeiro um gesto de espera e silêncio, e depois desapareceu no mais sombrio do bosque. O Sol ainda

pairava suspenso no viso da serrania; e já noite profunda enchia aquela solidão.

Quando a virgem tornou, trazia numa folha gotas de verde e estranho licor vazadas da igaçaba, que ela tirara do seio da

terra. Apresentou ao guerreiro a taça agreste.

— Bebe!

Martim sentiu perpassar nos olhos o sono da morte; porém logo a luz inundou-lhe os seios d'alma; a força exuberou em

seu coração. Reviveu os dias passados melhor do que os tinha vivido: fruiu a realidade de suas mais belas esperanças.

Ei-lo que volta à terra natal, abraça sua velha mãe, revê mais lindo e terno o anjo puro dos amores infantis.

Mas por que, mal de volta ao berço da pátria, o jovem guerreiro de novo abandona o teto paterno e demanda o sertão?

Já atravessa as florestas; já chega aos campos do Ipu. Busca na selva a filha do pajé. Segue o rastro ligeiro da virgem

arisca, soltando à brisa com o crebro suspiro o doce nome:

— Iracema! Iracema!...

Já a alcança e cinge-lhe o braço pelo talhe esbelto.

Cedendo à meiga pressão, a virgem reclinou-se ao peito do guerreiro, e ficou ali trêmula e palpitante como a tímida

perdiz, quando o terno companheiro lhe arrufa com o bico a macia penugem.

O lábio do guerreiro suspirou mais uma vez o doce nome, e soluçou, como se chamara outro lábio amante. Iracema

sentiu que sua alma se escapava para embeber-se no ósculo ardente.

E a fronte reclinara, e a flor do sorriso desabrochava já para deixar-se colher.

Súbito a virgem tremeu; soltando-se rápida do braço que a cingia, travou do arco.


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