19
Poti voltou de perseguir o inimigo. Seus olhos se encheram de alegria, vendo salvo o guerreiro branco.
O cão fiel o seguia de perto, lambendo ainda nos pêlos do focinho a marugem do sangue tabajara, de que se fartara; o
senhor o acariciava satisfeito de sua coragem e dedicação. Fora ele quem salvara Martim, ali trazendo com tanta diligência
os guerreiros de Jacaúna.
— Os maus espíritos da floresta podem separar outra vez o guerreiro branco de seu irmão pitiguara. O cão te seguirá
daqui em diante, para que mesmo de longe Poti acuda a teu chamado.
— Mas o cão é teu companheiro e amigo fiel.
— Mais amigo e companheiro será de Poti, servindo a seu irmão que a ele. Tu o chamarás Japi; e ele será o pé ligeiro
com que de longe corramos um para o outro.
Jacaúna deu o sinal da partida.
Os guerreiros pitiguaras caminharam para as margens alegres do rio onde bebem as garças: ali se erguia a grande taba
dos senhores das várzeas.
O Sol deitou-se e de novo se levantou no céu. Os guerreiros chegaram aonde a serra quebrava para o sertão; já tinham
passado aquela parte da montanha que, por ser despida de arvoredo e tosquiada como a capivara, a gente de Tupã chamava
Ibiapina.
Poti levou o cristão aonde crescia um frondoso jatobá, que afrontava as árvores do mais alto píncaro da serrania, e
quando batido pela rajada, parecia varrer o céu com a imensa copa.
— Neste lugar nasceu teu irmão, disse o pitiguara.
Martim estreitou o peito ao tronco enorme:
— Jatobá, que viste nascer meu irmão Poti, o estrangeiro te abraça.
— O raio te decepe, árvore do guerreiro Poti, quando seu irmão o abandonar.
Depois o chefe assim falou:
— Ainda Jacaúna não era um guerreiro, Jatobá, o maior chefe, conduzia os pitiguaras à vitória. Logo que as grandes
águas correram, ele caminhou para a serra. Aqui chegando, mandou levantar a taba, para estar perto do inimigo e vencê-lo
mais vezes. A mesma Lua que o viu chegar, alumiou a rede onde Saí, sua esposa, lhe deu mais um guerreiro de seu sangue.
O luar passava por entre as folhas do jatobá; e o sorriso pelos lábios do varão possante, que tomara seu nome e robustez.
Iracema aproximou-se.
A rola, que marisca na areia, se afasta-se o companheiro, adeja inquieta de ramo em ramo e arrulha para que lhe
responda o ausente amigo. Assim a filha das florestas errara pela encosta, modulando o singelo canto mavioso.
Martim a recebeu com a alma no semblante; e levando a esposa do lado do coração e o amigo do lado da força, voltou
ao rancho dos pitiguaras.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Iracema
Romance"A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas: - Iracema!... (...)Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos ma...