Capítulo 33

2K 42 6
                                    

33

O cajueiro floresceu quatro vezes depois que Martim partiu das praias do Ceará, levando no frágil barco o filho e o cão

fiel. A jandaia não quis deixar a terra onde repousava sua amiga e senhora.

O primeiro cearense, ainda no berço, emigrava da terra da pátria. Havia aí a predestinação de uma raça?

Poti com seus guerreiros esperava na margem do rio. O cristão lhe prometera voltar. Todas as manhãs subia ao morro

das areias e volvia os olhos ao mar a ver se branqueava ao longe a vela amiga.

Afinal volta Martim de novo às terras, que foram de sua felicidade, e são agora de amarga saudade. Quando seu pé

sentiu o calor das brancas areias, derramou-se por todo seu ser um fogo ardente, que lhe requeimou o coração: era o fogo das

recordações acesas.

A chama só aplacou quando ele tocou a terra onde dormia sua esposa; porque nesse instante seu coração transudou,

como o tronco do jataí nos ardentes calores, e refrescou sua pena de lágrimas abundantes.

Muitos guerreiros de sua raça acompanharam o chefe branco, para fundar com ele a mairi dos cristãos. Veio também um

sacerdote de sua religião, de negras vestes, para plantar a cruz na terra selvagem.

Poti foi o primeiro que ajoelhou aos pés do sagrado lenho; não sofria ele que nada mais o separasse de seu irmão

branco; por isso quis tivessem ambos um só deus, como tinham um só coração.

Ele recebeu com o batismo o nome do santo, cujo era o dia; e o do rei, a quem ia servir, e sobre os dois o seu, na língua

dos novos irmãos. Sua fama cresceu, e ainda hoje é o orgulho da terra, onde ele viu a luz primeiro.

A mairi que Martim erguera à margem do rio, nas praias do Ceará, medrou. A palavra do Deus verdadeiro germinou na

terra selvagem; e o bronze sagrado ressoou nos vales onde rugia o maracá.

Jacaúna veio habitar nos campos da Porangaba para estar perto de seu amigo branco; Camarão assentou a taba de seus

guerreiros nas margens da Mocejana.

Tempo depois, quando veio Albuquerque, o grande chefe dos guerreiros brancos, Martim e Camarão partiram para as

margens do Mearim a castigar o feroz tupinambá e expulsar o branco tapuia.

Era sempre com emoção que o esposo de Iracema revia as plagas onde fora tão feliz, e as verdes folhas a cuja sombra

dormia a formosa tabajara.

Muitas vezes ia sentar-se naquelas doces areias, para cismar e acalentar no peito a agra saudade.

As jandaias cantavam ainda no olho do coqueiro; mas não repetiam já o mavioso nome de Iracema.

Tudo passa sobre a terra.

IracemaOnde histórias criam vida. Descubra agora