Um pé depois do outro, Caio pensou consigo mesmo enquanto ganhava velocidade nas ruas estreitas, e o suor fazia sua camisa azul grudar no seu corpo. Era isso que ele precisava: alguns quilômetros de corrida para causar exaustão física a ponto dele cair na cama sem sentir mais nada.
Fazia um dia típico de fim de agosto de uma cidade mineira localizada entre as montanhas. O que significava que o vento frio cortava sua pele enquanto ele corria por entre as ruas nem sempre asfaltadas, na maioria das vezes apenas com aqueles calçamentos odiosos da cidade pequena.
Ele virou a esquina e ganhou a ponte que dava o nome da cidade, ironicamente a ponte que ligava os dois mundos de Ponte Belo – o lado rico e limpo em que ele vivia ao lado comum, quiçá pobre, que todo mundo tentava ignorar. Caio assentiu para algumas pessoas que passavam por ele, enquanto ele atravessava a ponte, e o reconheciam.
Ele era um Bittencourt.
Os Bittencourts não eram tão ricos quanto os Vale, mas eram tão famosos quanto naquela cidade. Caio não ficava contente com isso, porque, afinal, a fama não vinha pelos motivos certos. Na verdade, os Bittencourts só eram famosos por um motivo, um motivo que o rapaz odiava e que mesmo assim precisava encarar de tempos em tempos.
Ele aumentou a velocidade da corrida quando passou pelo casal de velhinhos que o olhara com muita atenção. É claro que isso iria acontecer. Era meio difícil que as pessoas não tivessem notado a ambulância cortando a cidade e parando na sua casa naquela manhã. Agora já estava de tarde e quem não tinha visto já havia descoberto, de um jeito ou de outro, no boca-a-boca de toda cidade pequena.
Caio contornou a ponte por baixo, correndo a beira do rio – agora limpo, já que era ano de eleição municipal – para fugir dos olhares. Ele sentiu as pernas doerem pela sua falta de aquecimento antes de decidir correr, mas, mesmo assim, continuou.
Ele não tinha mesmo decidido correr. Ele apenas precisava.
O rapaz olhou pro céu enquanto o sol começava a se pôr, bem na direção do seu olhar. Ele virou outra vez, agora para leste, e correu mais rápido apesar das dores na perna. O vento cortou seu rosto e a sensação era de que facas afiadas dançavam sobre suas bochechas.
Estava cansado, sua cabeça estava doendo e ele sabia que precisava parar de correr e voltar para casa. Seus amigos, a essa altura, já estariam preocupados com sua fuga sem explicação. Quer dizer, Luana estaria. Pedro com certeza já teria entendido tudo enquanto seus neurônios espertos demais faziam ligações eletroquímicas dentro da sua cabeça vermelha.
Só de pensar em Lua, Caio queria correr mais.
Para seu pesar, no entanto, ele sentiu o músculo da sua coxa dar um nó numa passada mais rápida, assim que ele chegou na altura da universidade, bem no meio do parque que todos os moradores iam quando queriam passear. Caio soltou um urro puxando a perna direita para cima, segurando-a pelo joelho, enquanto pulava apenas com o pé esquerdo no chão.
— Câimbras?
Ele girou os pulos para encarar a dona da voz, arqueando a sobrancelha. A moça tinha um leve sorriso divertido no rosto. Caio parou de pular, sentindo-se muito idiota pela sua reação.
— Acho melhor você se sentar e esticar essa perna – ela continuou, amarrando seu cabelo castanho num rabo de cavalo bagunçado.
Caio sentiu o rosto ficar vermelho e não era só por causa do vento cada vez mais frio. Não era todo dia que uma estranha o fazia se sentir idiota. Embora, é claro, essa sensação ocorresse quase sempre quando estava conversando com Lua.
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Doses Lunáticas de Amor e Café [AMOSTRA]
ChickLitOs Cafés são esses lugares cheios de escritores, trabalhadores, lunáticos e, claro, histórias. Muitas histórias! Luana sabia muito bem disso, porque era dona de um e porque estava sempre cheia de muitas histórias para contar. Seus olhos negros raram...