Luana não sabia como aconteceu. Diferente das histórias que gostava de ler e contar, das músicas que escutava ou dos filmes que via, Lua não seria capaz de dizer qual foi o momento que as coisas saíram do lugar. Seu mundo era sempre muito organizado para que alguma coisa entrasse e arrancasse seu chão. Mas acontece que Caio tinha esse poder sobre ela.
Caio era o seu ponto fraco.
Não era nenhum orgulho para uma feminista que o seu ponto fraco fosse justamente um homem. Ela sabia que se falasse isso em algum grupo de militância nunca a perdoariam. E era por isso que Lua, embora lutasse diariamente para a liberdade feminina, nunca se vinculava a nenhum grupo de militância.
Lua nunca esteve mesmo pronta para abrir mão de Caio.
Ela sabia que ele era problemático, que a vida dele era mais desestruturada que a dela, embora ele tivesse duas coisas que deveriam ter melhorado as coisas: dinheiro e um pai. Lua foi criada por uma mãe solteira que tentou fazer o possível para que ela não sentisse falta do seu pai – uma coisa que com certeza Brisa tinha feito de maneira muito eficiente porque Luana nunca nem sentiu vontade de saber o nome dele. Ela nunca teve dinheiro para viajar, aos fins de semana ela ajudava a mãe a fazer doces para vender e só estudou na melhor escola da cidade porque os pais de Pedro conseguiram uma bolsa para ela.
Caio era de outro mundo. Vinha do outro lado da ponte. Mas, ainda assim, era muito mais quebrado que ela.
Luana nunca esqueceria o dia que colocou os olhos negros nos castanhos dele pela primeira vez, antes mesmo deles começarem a jogar futebol e ele sair com o joelho machucado. Ela nunca esqueceria como a sensação de querer acolher aquele garoto, quando ela nem mesmo entendia o que era isso, na sua cabeça de criança, a cortou assim que eles foram apresentados. Como os olhos castanhos daquele menino irritante era desnorteador porque parecia esconder uma coisa que era muito distante do mundo de conto de fadas que ela criara em sua cabeça.
Demorou muito tempo para que Lua começasse a compreender o que, do mundo do Caio, o fazia ser daquele jeito. O fato de que ele estava sempre sozinho, sempre trancado em si mesmo, sempre apavorado com qualquer ligação que faziam para a escola e o chamavam.
Mas quando ela descobriu, tudo dentro dela mudou. Ela também ficou quebrada, como seu melhor amigo sempre lhe pareceu ser para ela.
— Como você está? – ela perguntou, enquanto eles caminhavam para a casa dela.
Caio soltou um suspiro longo antes de responder. O suspiro que denunciava a Lua que ele não queria falar daquele assunto, ao mesmo tempo que ele tinha muita vontade de discutir tudo aquilo com alguém. Era insuportável, às vezes, o fato de que Luana o conhecia tão bem – quase como se eles fossem uma pessoa só, dividindo corpos diferentes. Uma coisa que não fazia o menor sentido, é claro, mas que parecia muito natural no relacionamento dos dois.
— Acho que não parei para pensar ainda sobre como estou, Lu.
— Você não pode fugir disso para sempre.
— Bem, tem dado certo há vinte anos, não é?
Luana assentiu com a cabeça. O tom que ele usou denunciava que ele não estava afim de ter aquele papo. Os anos de amizade ensinaram para ela que era melhor mesmo não o forçar.
Caio podia ser misterioso para qualquer outra pessoa, mas nunca seria para Luana. Pelo menos era nisso que ela gostava de acreditar.
— Se eu pudesse, trocava de lugar com você. – ela declarou, quase num sussurro.
O rapaz girou os olhos para encará-la, parando no meio da calçada com o susto e o impacto daquela frase. Ele piscou os olhos castanhos algumas vezes, mas Luana nem se deu ao trabalho de olhar ou parar para esperar a reação – apenas continuou andando.
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Doses Lunáticas de Amor e Café [AMOSTRA]
Chick-LitOs Cafés são esses lugares cheios de escritores, trabalhadores, lunáticos e, claro, histórias. Muitas histórias! Luana sabia muito bem disso, porque era dona de um e porque estava sempre cheia de muitas histórias para contar. Seus olhos negros raram...