Não sei quanto tempo faz que eu estou com o pequeno Nathan, mas me sinto fraco. E também estou preocupado, meu corpo provavelmente está sendo levado ao necrotério, e só de imaginar a cena eu sinto náusea.
Mas tenho que me manter forte, acabar logo com esse filme é o que eu mais quero. Quanto mais rápido acabar, mais rápido ele me leva de volta. Será que a Hannah está preocupada? Será que ela sabe do acidente?
A próxima cena mostra quando meu cachorro morreu. Ele era bem velinho, pois já estava na família antes do meu nascimento. Acho que eu nunca tinha ficado tão triste. Minha prima chata mandava eu parar de chorar, e era só ir lá e comprar outro. Mas não era, você não pode simplesmente substituir. Ele não era um objeto.
Muitas cenas da minha infância passam. E quando eu completo onze anos o filme acaba.
— Acabou? — pergunto me agachando para olhá-lo nos olhos.
Ele balança a cabeça, negando.
— Tem mais duas, e qual você escolher vai mudar tudo... — ele me abraça e sinto minha roupa ficar molhada.
— Ei, pequenino, não chore. O que houve?
— É que eu queria te ajudar, mas eu não posso! — diz entre soluços.
— Não é sua culpa. — retribuo o abraço. Tecnicamente, é culpa dele sim, porque ele sou eu. Mas deixo isso de lado, não vale a pena ficar quebrando a cabeça, e confesso que já estou até me acostumando com ele.
Ficamos assim por um tempo, até que ele se acalma e pega a minha mão. Me conduzindo para um lugar com duas portas. Ambas são pintadas de azul claro, porém uma tem uns pedaços faltando. Não sei ao certo o que devo fazer, só sei que se eu entrar por qualquer uma dessas portas, não terá mais volta.
— O que são essas portas?
— São duas lembranças. Não posso te falar mais nada... Você tem que escolher uma.
— Mas, porque? Isso não faz sentido.
— É contradilotrio?
Sorrio para ele.
— É, é sim pequeno Nathan.
Ele sorri, achando que finalmente entendeu o significado da palavra. Encaro as portas à minha frente. A azul que está em perfeita condição é tentadora, mas há algo nela, uma sensação ruim que me faz pensar duas vezes.
A outra, porém, exala um sentimento de paz. Uma ternura que me enche de determinação para continuar lutando pela vida. Coloco minha mão na maçaneta e abro.
Sou transportado dezesseis anos no passado. Vejo o pequeno Nathan numa cama de hospital, as luzes fortes e brancas deixam tudo mais difícil de assimilar. Os médicos olham para ele, perplexos, porém felizes. Chego mais perto para ouvir o que eles falam.
"Muito bem, Nathan, você é o meu garoto!"
"Isso mesmo pequeno. Eu disse que você não precisava ter medo." Uma enfermeira diz segurando a sua mãozinha.
"O carro... Doeu..." Diz a vozinha fraca. E todos dão risadas leves.
Abraço o meu próprio corpo. Tenho medo do que pode acontecer.
"Nathan. Agora que você acordou, nós temos um presente para você." Um médico risonho diz e entrega um urso de pelúcia gigante e marrom para mim. Ou seria ele, enfim...
"Obli... Obliga- eu amei!" Ele abraça o urso e fecha os olhos. Os médicos saem e me deixam sozinho, comigo mesmo.
Me aproximo da cama. O urso é tão grande que chega a ser maior que ele. Passo a mão pelo rosto do pequeno e sorrio. Eu não me lembrava disso. Esse urso, eu o tenho até hoje, porém não sabia quem havia me dado.
— Você se lembra? — ele abre os olhos e sorri.
— Sim, pequenino. Agora eu me lembro.
Ambos sorrimos, trocando um silencioso adeus.
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Você Se Lembra?
Short StoryDizem que quando você está a beira da morte sua vida inteira passa por você como um filme. No meu caso foi só a infância. Melhor ranking: #64 em Conto 03/10/2016 ××× Conto escrito para o #DM03 do Desafio em Letras. Quantidade de palavras: 1,678