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Daniel estava em seu escritório, no hospital. Sentado, ele segurava várias folhas em frente ao rosto. Estava lendo os prontuários dos pacientes internados. Alguns deles, terminais. Vários deles esperando por órgãos. Pegou um dos prontuários e colocou os outros sobre a mesa. Ao lado deles, havia uma pasta que continha os registros dos órgãos que haviam chegado de outros hospitais.

O setor de clínica cirúrgica do hospital Santa Joana já estava devidamente homologado, ou seja, cirurgias de remoção de órgãos já poderiam ser realizadas. Mas, até o momento, não houvera doadores.

Ele analisou todos os itens do prontuário de um tal de Jairo Linhares, um senhor de sessenta e sete anos com insuficiência renal severa. Foi internado no hospital há menos de um mês e estava em diálise.

DANI!

Daniel olhou ao redor. Aqueles tambores pareciam marchar em sua direção.

Fechou os olhos.

(!!! DAAAAAAAAANIIIIIIII !!!)

— Doutor Daniel?

Abriu os olhos.

— Olá! Desculpe-me, estava pensando em algumas coisas — respondeu.

Marina, a atendente, sorriu.

— Meu turno acabou. Vai ficar até mais tarde de novo hoje?

— Sim, Marina. Pode deixar que eu saio pelos fundos. Deixe a chave com a outra menina... A... Como é o nome dela?

— Silvana.

— Isso! Eu pego com a Silvana depois.

— OK. Até amanhã.

— Até.

Marina saiu e fechou a porta do escritório.

Daniel olhou no relógio. 00h03. Loana já havia mandado um torpedo avisando que iria dormir. Nada com o que se preocupar.

Não havia mais tambores.

— Está bem. Está tudo bem... — disse sozinho.

O senhor Jairo tinha um RGCT – Registro Geral da Central de Transplantes – já fazia mais de um ano, ou seja, há mais de um ano atrás ele fora cadastrado na fila de espera – ou Cadastro Técnico Único – e ainda não havia recebido um rim doado.

Daniel ficou irritado. Pensou em todos os órgãos desperdiçados por serem de doadores que morreram no local errado. E pensou que, se todas as pessoas recém-mortas pudessem ter seus órgãos retirados sem permissão de ninguém, pessoas como Jairo já teriam sido ajudadas. Aquele era o pensamento de Daniel. Algo que ele não se envergonhava de expor no artigo que estava montando sobre inovações para transplantes. Começou a desenvolver o artigo depois que ficou interessado nas novas tecnologias em fase de estudo ao redor do mundo, as quais começou a averiguar sobre assim que iniciou seu MBA.

(Dani, abre a porta pra mim, por favor)

Saia daqui, miserável.

Daniel olhou para a porta. Pelo pequeno retângulo de vidro, viu Ariel o observando. Levou um susto e quase caiu da cadeira. Esfregou os olhos.

Ariel não estava lá.

Ou estava?

Está aí ou não?

(Qual é, doutorzinho? Você sabe o que fazer. Você quer. Deseja isso. Isso está na sua cabeça há um tempo, eu sei disso. Não pode fugir de mim. Não pode mentir pra mim. NÃO PODE!)

UtópicoWhere stories live. Discover now