Obscurus é um ser apático e sombrio, carrega em sua voz o peso da insanidade e da loucura, suas visitas são sempre acompanhadas de um frio intenso e escuridão. Não sei como e não sei o porque, mas ele não gosta de nenhum tipo de luz. Descobri isso da pior forma possível, sendo cortado por um estilhaço de vidro de ma lamparina que tinha em minha mesa. Escrevo suas palavras em um perdido e absoluto breu...
I
Damasco, a mais bela cidade do oriente, seu perfume, seu sabor; suas ruas povoadas por tamareiras embelezam as vias e fazem da vista de visitantes e habitantes um belo matiz de cores e sabores nunca vistos em nenhum outro lugar do mundo; Damasco era a joia do oriente, o orgulho do império, erguida para a glória de Allah o justo e misericordioso, não havia ali sofrimento, não havia ali dor e desalento, era uma bela cidade, seus palácios, mesquitas, jardins retratavam a beleza e o mistério do oriente, todos ali eram felizes, até mesmo os habitantes da baixa Damasco, nas pobres ruelas onde os menos afortunados se amontoavam, mesmo ali todos eram felizes e bendiziam Allah por poderem morar na Joia do Oriente, mas mesmo a mais fina e rara cidade do império é visitada pela morte, e hoje mais uma vez ela chega, trajando o manto escuro como a noite e trazendo junto de si o frio hálito de mistérios insondáveis, seu olhar trás uma sabedoria profunda reservada somente a Allah, ou talvez nem mesmo ele não tenha o conhecimento que a Dama de Negro trás em seu olhar profundo, com sua voz anciã, ela chama pelo seu convidado:
"Hassan, é chegado o momento, teve seu quinhão de vida neste mundo e agora é chegada a hora de iniciar jornada em outras paragens, sob as bençãos de Allah o justo e misericordioso, vem segura minha mão e segue-me...".
Hassan ib Haqin, um morador das ruas de Damasco, mas não da bela e perfumada Joia do Oriente, Hassan morava nas ruelas da baixa cidade, a pobre e desafortunada. Vagava pelas ruelas em busca de comida e dinheiro, sempre reclamando de sua sorte, amaldiçoando a tudo e a todos que, ao seu ver, eram mais afortunados que ele; Hassan era o mais infeliz dos homens do mundo e ele sempre culpava a todos de sua infortuna vida e quando a Dama de Negro chegou Hassan, deitado nas sarjetas das sujas ruelas da baixa Damasco, chorou pela última vez vez seu triste destino.
"Pobre de mim, o mais desafortunado dos homens viventes sob o céu de Allah o bondoso pai, não fiz fortuna, não tive belas damas a deitarem em meu leito, não leguei ao mundo filhos, e tu agora vens, ceifa minha vida e leva-me como um trapo imundo que deve ser escondido, tivesse eu mais dez anos, ahhh se a fortuna me sorrisse, mas é tarde e tu oh Dama trajando o Negro, vens ceifar-me a pobre existência, maldita sejas tu, maldito sejas Allah o "justo e misericordioso".
Ela ouve as queixas sem se alterar, afinal as queixas são as mesmas em qualquer parte que ela vá, em qualquer parte do universo, mas a Dama é caprichosa, e algumas vezes ela gosta de jogar, um jogo que quebra sua rotina de divisora entre a vida e a morte, e hoje ela jogaria com Hassan.
"És um pobre desgraçado, choras que jamais teve sorte e que tudo lhe foi negado, apiedei-me de ti, dar-te ei teus dez anos, terás tudo aquilo que desejas e findo estas dez anos virei te buscar Hassan ib Haqin, até lá viva uma boa vida, deixe seu legado ao mundo e tenha boa fortuna..."
Então ela se vai, um frio vento sopra em sua passagem, e Hassan atordoado vê a ceifadora adentrando a escuridão e desaparecendo rumo às pradarias que só os mortos e os corajosos visitam.
II
Os anos sorriram para Hassan, a fortuna o visitou e deu-lhe bons frutos, ergueu um império comercial que de Damasco percorria toda rota da seda até o extremo oriente, onde o povo adorava a outros deuses, ele comerciava também com o pálido povo adorador de um filho de carpinteiro e esse comércio proporcionou-lhe fortuna e luxos reservados apenas ao califa, seu harém fazia inveja a muitos sultões e seu palácio era quase tão grandioso quanto o do imperador, Hassan ib Haqin, não mais maldizia a sorte, ele conquistara tudo o que ele tinha direito, filhos, belas esposas, grandes palácios e todo poder que o ouro poderia comprar, mas um funesto pensamento o assaltava a mente, seu prazo estava findo, dia mais dia menos a Dama viria busca-lo, era este o trato e ela havia cumprido sua parte, mas Hassan não desejava morrer, havia ainda muito a se fazer, muito a ser conquistado, muito ouro a ganhar, muitas mulheres a amar e em sua mente começou a arquitetar um plano para enganar a Dama de Negro e pôs seu plano em prática
"Bashir meu filho, o mais dócil e sábio dentre os rebentos que tive, virá esta noite a procurar-me uma dama, ela dirá que tenho negócios inacabados com ela, uma divida antiga que ainda não estou pronto para saldar, diga a esta dama que negócios urgentes reclamaram minha presença no extremo oriente e que não sabes quando irei retornar, mas dê a ela tudo que ela lhe pedir, parto hoje a noite rumo à Riad, mas Bashir meu filho não diga a dama meu destino, apenas que parti em uma longa viagem rumo ao extremo oriente e quando retornar eu a procuro."
E partiu, o plano era simples, ele iria para Riad e deixaria seu filho no seu lugar, ofereceria seu filho à Dama como um sacrifício, talvez ela se contentasse com o jovem, deixando-o em paz por mais alguns anos, sem remorso algum Hassan deu prosseguimento com seu plano, filhos ele teria mais, sua vida não; e assim partiu rumo à Riad.
Caiu a noite e com ela chegou a Dama trajando o negro, ela chega trazendo ventos gélidos que arrepiam a pele daqueles que o sentem, ela viera buscar Hassan, e adentrou no palácio dele, procurando-o, mas encontrou apenas seu jovem e belo filho, o bondoso e doce Bashir.
"Meu jovem, venho de distantes terras e há muito caminho, busco pelo seu pai, tenho com ele negócios inacabados, antigos negócios firmados antes de sua vinda ao mundo de Allah, mas hoje finda-se o prazo e vim cobrar-lhe a dívida, poderia meu dócil Bashir, fazer a gentileza de chamar vosso pai?"
Por mais que não saibamos quem é, quando a Dama de Negro se aproxima, um sentido natural nos desperta e identificamos sua presença e qual a sua intenção, Bashir ao ouvir a voz profunda e olhar naqueles olhos carregados de visões de todos os seres que já viveram neste mundo, soube quem era a Dama e com todo respeito que lhe era devido e com certo temor lhe disse:
"Saiba ó grandiosa Dama, negócios urgentes solicitaram a presença de meu pai em paragens distantes no extremo oriente, não sei para quais lugares ele se dirigiu e nem qual será o dia de seu retorno, mas ele deixou-me a cargo de satisfazer todos os vossos desejos e orientou-me a dar-lhe o que a senhora desejar...".
Um olhar de misericórdia e de desencanto despontou na ceifadora e ela com sua voz profunda e sábia dirigiu-se ao jovem e dócil Bashir:
"És jovem e tens uma bela alma meu jovem, serás um homem tocado pela fortuna e dela saberá tirar proveitoso deleite, terás uma bela jornada e quando for tua vez de empreender a última jornada, um bom lugar estará reservado a ti, tem bom coração, és puro e não foi tocado pela maldade e iniquidade deste mundo, serás dela preservado e terás uma longa e fortuita vida, mas devo agora me desculpar meu jovem, já sou muito velha e as vezes a memória me falha, acabo de me lembrar que marquei compromisso com vosso pai não aqui em Damasco e sim no seu destino em Riad, vou rumar para lá e encontra-lo ei, adeus meu jovem e que os ventos da fortuna e as bênçãos de Allah o justo e misericordioso lhe cubram de alegrias".
E partiu, deixando o jovem Bashir olhando-a cruzar o horizonte, indo de encontro ao seu pai, que ele soube neste momento que não mais tornaria a vê-lo com vida.
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Cartas da Hora Morta - Psicografias de uma alma atormentada
TerrorEste é o diário de um escritor, cujo nome não tem tanta relevância, mas que foi ferramenta de dois espíritos sofredores e penosos, levando-o a loucura e a beira da insanidade. Noite após noite, em plena hora morta, um deles aparecia e deixava seu te...