O Castigo - 2ª Parte

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Pelos anos seguintes, Edgar Mason teve que se adaptar definitivamente à vida moderna e viver como "Will". E isso acabou sendo mais fácil do que ele imaginou. Como sempre fora inteligente, soube multiplicar o ouro e as joias que trouxera do passado e, em menos de um ano, conseguiu comprar a própria pensão em que se hospedava.

Além disso, sua amizade com o vizinho tornou-se algo quase fraternal. Se Edmund, por conta de sua saúde fraca, sempre vivera isolado em casa e nunca pudera ter amigos, o mesmo se aplicava a Edgar – cuja má fama na sociedade londrina repelira qualquer chance dele ser um jovem sociável. Mas não era apenas isso que os dois tinham em comum; Edmund era um amante de coisas que remontavam a séculos passados. Edgar, naturalmente, gostava das mesmas coisas, por lembrarem-no da época em que nascera e crescera. Por consequência desses e outros fatores, foi inevitável que, depois de algum tempo, ambos passassem a se ver como irmãos.

Embora estivesse se habituando à vida moderna, Edgar continuava tentando entender porque não conseguia mais voltar à sua época original. Precisava recuperar essa habilidade/castigo. Era a única forma que tinha para corrigir o mal cometido. Tendo consciência de que em ambas as épocas o relógio estava correndo, o rapaz passou a procurar respostas em livros, internet e na televisão; gastava noites lendo estudos pseudocientíficos sobre as teorias do tempo, folheando exemplares de obras esotéricas sobre a alma, e assistindo documentários apresentados por líderes espirituais... Sempre na esperança de que, em algum canto, houvesse algo que o iluminasse sobre o que deveria fazer.

A chegada de uma nova inquilina à pensão, todavia, distraiu-o completamente de seus estudos. E ele finalmente entendeu porque ficara preso nessa época.

Rosamunde, uma espanhola de dezenove anos, viera à Inglaterra movida pelo desejo de alcançar prosperidade, deixando para trás família, amigos e namorado. Quando a viu, o rapaz acreditou estar vendo outra viajante do tempo ou, pior, algum fantasma; pois a moça, excetuando a idade, era uma cópia exata de Anna Varos, seu primeiro amor.

Só isso já fez com que ele a amasse. E o amor foi crescendo na medida em que se conheceram melhor; Rosamunde se mostrou tão encantada por ele quanto ele por ela, e, em pouco tempo, já gastavam mais horas juntos do que sozinhos. Ela não só se parecia fisicamente com Anna, como apresentava os mesmos trejeitos e gostos – como caminhar às margens do Rio Tâmisa e, depois, passear pela cidade, coisa que fizeram no dia em que foram juntos à Londres.

Várias vezes, Edgar achava estar falando com a mesma garota por quem se apaixonara aos quinze anos; por isso, não suportando a torturante dúvida, perguntou certo dia à Rosamunde se o nome Anna Varos lhe era familiar. Mas a moça não teve a mínima ideia do que ele estava falando; no máximo, lembrou-se de já ter tido uma tia-avó com aquele sobrenome. Acreditando que ela falava a verdade, o rapaz concluiu consigo mesmo que só podia estar diante de uma reencarnação.

Edmund também demonstrou grande apreço por Rosamunde; ela conquistou facilmente seu coração quando, numa madrugada em que deixavam a ópera, pôs-se a cantar a Ária da Boneca em plena rua deserta. Não foi nem de longe uma interpretação perfeita, mas o fervor e o carisma da espanhola tornaram aquele momento comicamente inesquecível.

Quando completou três anos naquela época, Edgar descobriu que estava feliz. As únicas coisas que o ligavam ao passado eram sua missão e a saudade dos pais; mas, tirando isso, estava tendo agora toda a felicidade que não pudera ter no século XIX. Parecia até ter descoberto porque ficara preso no futuro: porque era no futuro que estava Rosamunde.

Era evidente pelo olhar da moça, aliás, que ela estava tão apaixonada por ele quanto ele por ela; mas, sempre que se encontravam sozinhos e seus rostos se aproximavam, Rosamunde enrubescia-se e desatava a falar do namorado que deixara na Espanha.

A Canção do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora