Carta II - 3ª Parte

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Luke bateu na porta levemente; ela se abriu e uma mulher nos atendeu. As vestimentas e postura denunciavam-na como uma enfermeira.

- Podemos entrar, Sra. Collins?

- Claro que sim, meus senhores. Lady Helen também está aqui.

O quarto era muito diferente do que eu me lembrava; todos os móveis tinham toque feminino, e um odor medicinal tomava o ar. Algumas estantes e escrivaninhas se recostavam aos cantos, e nas paredes, quadros velhos e descascados competiam espaço com pinturas novas e ainda frescas. Em uma das laterais, havia um piano. O mesmo piano que, no futuro, estaria na biblioteca do hotel-residência.

Uma grande cama se estendia ao fundo; estava rodeada por quatro poltronas, que tinham sido dispostas de modo que se pudesse velar a pessoa deitada no leito.

Numa dessas poltronas sentava-se uma bela mulher, que logo supus ser a tal Lady Helen. Tinha os cabelos negros e curtos, e os olhos tão escuros quanto os de Luke. Ao me ver entrar, fez, naturalmente, uma expressão atônita.

- O que fazem aqui? – perguntou, numa voz feroz. – Quem é esse estranho, Luke?

- Um, ah... um visitante estrangeiro, Helen. Acho que ele pode ajudar Lara.

- Boa noite. Meu nome é Edmund – apresentei-me distraidamente, aproximando-me da cama e procurando ver a pessoa que a ocupava.

Senti meu coração despencar; Lara Lancaster jazia deitada no leito, com uma expressão tão mórbida que temi que não estivesse mais viva. Um fino cobertor cobria-a da ponta dos pés até o pescoço, deixando apenas o rosto à vista. Seus cabelos, cuidadosamente presos em um coque, revelavam uma face linda e serena, cujos lábios cerrados curvavam-se em um quase sorriso.

Ali estava, caro Will, a dona do espectro que tanto tempo passei perseguindo. 

Lady Lara, em carne e osso. Mas... estaria ela viva?

Curvei-me sobre ela e notei que ainda respirava, mesmo que lentamente.

- Temi que ela estivesse morta! – exclamei aliviado, puxando uma das poltronas e me sentando.

Helen Lancaster, claramente a irmã mais velha de Lara, ficou muito chocada com meu domínio do ambiente para dizer alguma coisa.

- Ela está nesse estado há duas semanas – a pequena Mary veio se sentar ao meu lado.

Contemplei enamoradamente a inconsciente Lara; e, a cada segundo que se passava, fui sendo acometido por uma estranha, mas incrível sensação.

Bem sabes, meu amigo, que durante toda minha vida tive saúde frágil. Mas naquele instante, enquanto me sentava ao lado de Lara, senti-me mais forte e saudável do que nunca. Era como se minha vida tivesse encontrado a energia que sempre lhe faltou.

- O que aconteceu com ela? – perguntei.

- Duas semanas atrás, Lara deitou-se para dormir e nunca mais abriu os olhos – explicou Luke, ainda de pé no meio do quarto.

- Como assim? – espantei-me. – Que mal ela tem?

Demorou algum tempo antes que alguém me respondesse. Quem falou, enfim, foi Helen Lancaster, que ainda me lançava olhares desconfiados.

- Minha irmã sempre foi doente – explicou, num tom cortante. – Desde o nascimento. Eu tinha cinco anos quando ela nasceu, e lembro-me ainda hoje da parteira dizendo que Lara não viveria muito tempo.

- Mas ela viveu – sussurrei.

- Sim, viveu! – Helen alteou a voz. - Mas nunca teve saúde boa! Era frágil, vivia desmaiando e se cansava com a mínima facilidade. Os médicos disseram que o ar de Londres não a fazia bem; por isso nos mudamos para a casa de campo. Fez pouca diferença, porém. Durante toda a infância e juventude, minha irmã teve que conviver com essa inexplicável fraqueza. E nenhum médico jamais soube dizer que mal ela tinha.

A Canção do TempoOnde histórias criam vida. Descubra agora