Pedro
Estão atrasados para o ensaio. Nada de novo, portanto. Até o energúmeno do meu irmão está atrasado, quando lhe bastava levantar o rabo do sofá e descer até à cave. Fico doido quando eles se atrasam todos ao mesmo tempo, parece que fazem de propósito para me irritarem.
Ensaiamos aos sábados de tarde e às quartas-feiras ao fim do dia na cave de casa dos meus pais. Quando éramos miúdos este quarto era usado para brincarmos e tínhamos carta branca para fazermos nele o que quiséssemos. Ainda havia um jogo de dardos, uma mesa de matraquilhos e uma playstation 3 ligada à televisão; mas há muito que os brinquedos tinham sido guardados, juntamente com a pista de carros telecomandados e a rampa de skate improvisada. Há um ano e meio atrás fizemos do quarto a nossa sala de ensaios: montamos o material de som e colocamos todos os instrumentos de música e amplificadores neste quarto. A bateria do Gonçalo já fazia parte da mobília, embora fosse dele, assim como a minha guitarra elétrica, o baixo do meu irmão e os suportes de microfones. O Diogo era o único que trazia e levava a guitarra com ele porque tinha aulas durante a semana na escola de música e precisava de praticar.
- Então, onde é que estão os outros? - perguntei ao João com ar de poucos amigos.
- Estão a chegar - respondeu com um encolher de ombros, dando um golo na lata de coca-cola. - Ainda só passam dez minutos das três.
- Então senta-te e começa a treinar! - Ordenei, segurando as pautas numa mão e a guitarra na outra.
O João é o meu meio-irmão do lado do pai, e ele é o nosso vocalista. Quando decidi juntar a banda faltava-nos um baixista e por isso ficou incumbido de aprender baixo; mas como as lições estavam a meu cargo, era um péssimo baixista, ainda que esforçado. O que ele não conseguia tocar, o Diogo improvisava com a guitarra, o que até ali bastava. Para compensar tinha uma voz fantástica, aguda e que se adaptava a quase qualquer registo musical, e o look ideal para ser o homem da frente porque estava à vontade com o palco e com as atenções todas que recebia quando começava a cantar.
O Diogo foi o primeiro a aparecer e só às três e meia é que o Gonçalo mostrou cor de si na cave.
- Ó meu filho da puta, nunca ouviste falar em horários? - berrei-lhe, não que estivesse muito atrasado, mas porque sabia que ele só se atrasava porque ficava a jogar Counter Strike com os amigos e esquecia-se das horas. Coisa que acontecia sempre que havia ensaios.
Nem se dignou a responder, ficou apenas vermelho como um tomate e sentou-se atrás da bateria como se se estivesse a esconder. Em defesa dele, era um baterista decente para dezassete anos e nunca mostrava sinais de cansaço, mesmo quando o ensaio se estendia pela noite fora, além de que nunca reclamava do reportório, apanhava a música rapidamente e limitava-se a tocar até ficar perfeito.
Os quatro elementos da banda estavam juntos desde a formação e o nosso reportório era constituído por rock. Tocávamos cerca de dez a doze temas clássicos que nos divertiam e que eram facilmente identificáveis pelos nossos amigos nas festas de aniversário e das escolas. A nossa playlist incluía temas dos AC/DC, Guns n'Roses, Foo Fighters; mas também tocávamos temas dos Nirvana, Aerosmith e The Cult. Mas o concerto só era concerto se tocássemos "Hate everything about you" dos Ugly Kid Joe e acabássemos com "Sex on fire" dos Kings of Leon. Ei! Somos uma banda de adolescentes! Que é que estavam à espera?
O certo é que éramos convidados para tocar quase todos os meses em festas de amigos e nestas férias de Natal já tínhamos dois concertos agendados, para uma escola e um colégio. Gostava de acreditar que éramos convidados por sermos bons, mas desconfiava que o facto de tocarmos de borla também contribuía para o nosso sucesso.
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Se eu fosse um pinguim (COMPLETO)
Teen FictionPedro é um apaixonado pela música, que gosta mais de tocar com a sua banda do que estudar matemática. Catarina é a melhor aluna da turma, uma miúda com objetivos bem definidos, mas que ainda sofre de amor pelo ex-namorado e que foge da perseguição...