17. WC E FITA ISOLADORA

103 13 12
                                    


Catarina


Quando recuperei os sentidos fui invadida pelo forte cheiro a amoníaco e lixívia. Pisquei os olhos um par de vezes para acordar e abanei ligeiramente a cabeça. Queria coçar os olhos, e passar a mão pela cabeça que latejava, mas não conseguia. Estava presa.

O cenário era surreal. Estava sentada no chão da casa de banho da escola, esmagada entre o lavatório e a porta, com as mãos e os pés atados e a boca colada com fita isoladora. Ele à minha frente, sentado sobre a sanita de pernas abertas, brincava com um x-ato e um rolo largo de fita isoladora cinzento metalizado.

Tentei protestar, tentei mexer-me ou pôr-me de pé, mas estava imobilizada e tinha a boca tapada. Reconheço a cor da fita isoladora no rolo que ele passava de um dedo indicador para o outro de forma meticulosa. Guardou o x-ato no bolso das calças. Estaria a ter um pesadelo? Seria aquela situação real ou produto da minha imaginação?

A última coisa que me lembrava tinha sido sair da escola ao último tempo. Toca a campainha a anunciar o final do dia, arrumo as minhas coisas e saio da escola. Faço intenções de ir para casa imediatamente porque tenho teste de química no dia seguinte e preciso de ir estudar. Quando chego ao passeio da escola, chamam por mim. A Filipa diz-me que a professora de Biologia, a professora do último tempo, precisa de falar comigo e eu faço o percurso de volta à sala de aulas.

- Clorofórmio - diz apontando com a cabeça para o chão onde jaz um pano branco. - Fácil acesso e preço de amigo. Acho mal. Substâncias com este grau de toxicidade não deviam de ser de fácil acesso, mas a verdade é que me arranjaram esta merda de um dia para o outro, sem me perguntarem o que é que ia fazer com isso. Acho que está mal.

Senti a náusea a subir pela garganta acima, sem saber se me sentia assim por causa dos odores químicos à minha volta - a mistura de clorofórmio com a lixivia amoniacal da limpeza da casa de banho - se por estar a olhar para a cara dele.

- Peço desculpa desde já pelos aposentos, mas as salas de aula estavam fechadas. Tive que improvisar e a casa de banho era o que estava mais à mão.

Apesar de manietada e impotente, naquele momento, a minha raiva sobrepunha-se à frustração de não conseguir atacá-lo fisicamente. Quão burro é preciso ser para arquitetar um plano de rapto dentro da própria escola? Como é que ele achava que conseguiria se safar daquela situação? Mais cedo ou mais tarde, alguém nos ia encontrar, eu iria libertar-me da fita que me prendia os pés e as mãos e não iria descansar enquanto não visse a cara dele feita em papa. Já para não falar, da queixa formal que ia apresentar na escola e da sua expulsão imediata, mal soubessem o que ele me tinha feito.

- A verdade é que precisávamos de falar e não me deixaste muitas opções que não esta, não é?

A sua voz estava assustadoramente calma e pausada, o que lhe conferia um tom de loucura que não sabia existir dentro dele. Mantinha o olhar no rolo da fita, fazendo o cilindro rodar com a ajuda dos dedos indicadores. Repetia o gesto sem pressa, sem olhar para mim, como se estivesse verdadeiramente interessado em analisar o movimento do rolo nos seus dedos, absorto com as suas ideias.

- Aliás, eu diria que a grande parte dos problemas do mundo assentam na falta de diálogo. Não concordas? - À medida que fez aquela pergunta à qual sabia que eu não conseguiria responder por estar com a boca tapada, descolou o olhar do rolo de fita e pousou sobre os meus olhos, fitando-me como se estivesse a olhar para uma presa. Nesse momento apercebi-me finalmente do meu completo estado de vulnerabilidade e a impotência face ao meu opressor. Um gajo tresloucado, com uma agenda própria e cara de poucos amigos.

Se eu fosse um pinguim (COMPLETO)Onde histórias criam vida. Descubra agora