VIAGEM AO PASSADO: MORANDO NA VILA SÃO GERALDO
A primeira vez que ouvi o nome "Vila São Geraldo" foi quando meu pai avisou que deixaríamos a casa da Avenida Getúlio Vargas e nos mudaríamos para este novo local. Não fiquei entusiasmado; havia quase sete anos que nossa família morava na principal avenida da cidade e, para quem tinha curiosidade a respeito dos acontecimentos corriqueiros ou importantes, não havia melhor lugar de morada: pela avenida passavam diariamente, para deleite da criançada, além de muitas pessoas amigas e conhecidas, as tropas de burros com seus carreadores maltrapilhos, passavam os caminhões de minério da siderúrgica, que eu achava enormes, com seus sons bruscos e amedrontadores, passava a furrupa no carnaval, passava a banda de música quase todos os domingos pela manhã, banda que era, talvez, uma das melhores do interior de Minas Gerais (e, de nossa casa, podiam-se ouvir os ensaios noturnos da mesma, em vários dias da semana, e nós dormíamos embalados pelos acordes emanados durante os ensaios.) Além da festa profana do carnaval, que tomava conta da avenida, havia a linda e comovente procissão da Semana Santa, na qual Verônica sempre subia em um tamborete, no meio da rua, bem na frente de nossa casa, e exibia a toalha com as marcas do rosto de Cristo... e nós, da janela, assistindo. Ademais, havia a amizade que nossa família havia feito com todos aqueles vizinhos, muito educados, e a mulher de um advogado (dona Elza/doutor Ítalo) sempre pedia à minha mãe que me mandasse brincar com seu filho "pois ele é muito tímido e quieto", e eu ficava implicado com o fato de o menino possuir tantos brinquedos bonitos (uma caixa cheia!), alguns elétricos (uma novidade, à época!), enquanto eu não tinha nenhum. De modo que estava decidido: nós iríamos para a Vila São Geraldo! Então, do buraco de um muro, na avenida, eu via meu pai capinando o lote – que ficava num platô na metade do morro - e derrubando arbustos e os queimando, posteriormente. Só após o lote estar limpo me foi permitido ir lá – havia carrapatos e formigas em excesso e era preciso exterminá-los!
Assim, após a casa ficar pronta (meu pai mesmo fez o tijolos de adobe e teve ajuda de amigos para construí-la em regime de mutirão), nós chegamos, e eu fiquei, diuturnamente, de olhos e ouvidos abertos para aquele novo mundo que se descortinava à minha frente. Como eu gostei da Vila São Geraldo; jamais senti saudades ou mesmo lembrei-me de que havia morado durante tantos anos na avenida mais longa, mais agitada e mais bonita da cidade! Rapidamente fiz amizade com muitos garotos e meninas de minha idade; jogava bola de gude, armava arapucas para pegar passarinhos, jogava futebol no campinho na beira do rio e no campo do Flamengo, nadava no rio, buscava lenha e caçava coelhos na mata atrás do Cruzeiro. Lá de cima, na época das chuvas de verão, podiam-se ver as águas turbulentas e caudalosas invadindo as casas dos moradores da parte baixa, enquanto desciam, da cabeceira do rio, trazendo troncos, árvores inteiras, pedras e, eventualmente, animais mortos. Eu podia ver o rio em uma grande extensão, com suas águas aparentemente limpas (agora, poucas e vermelhas como pés-de-pombas!), e suas margens ora gramadas, ora ladeadas por grandes touceiras de bambus bicolores, e sempre repletas de plantas de mariazinha, com suas folhas verde-escuras largas e suas bonitas flores brancas de múltiplas formas. O terreno era ligeiramente inclinado, possuindo um enorme pé de amoras no centro, com um caule bifurcado e cheio de nós e lagartas, e um prolongamento grosso e longo, no qual meu pai pendurou, para nossa diversão, uma gangorra. Minha mãe encheu o lugar de árvores frutíferas – manga, jabuticaba, pêssego, laranja, mexerica e, principalmente, pés de banana. Foi traçado um caminho central em toda a extensão do lote, que ia do portão até à porta da sala e alcançava a porta da cozinha e, na parte superior da metade frontal do terreno, foram feitas boas plantações de milho, feijão e batata doce, sobre a muinha que era trazida do monturo de refugos da siderúrgica. Em época de floração do milho, a Vila São Geraldo se assemelhava a um enorme jardim florido, com a trilha sonora intermitente e bela característica das abelhas. De nossa casa, podia-se ver grande parte da siderúrgica, os altos-fornos, os vagonetes de transporte de refugos e, quando havia a corrida noturna do aço e do gusa, as labaredas iluminando as silhuetas negras dos equipamentos. Ao começar meus estudos de inglês, língua que me cativou, eu mais meu irmão costumávamos sentar-nos na beira do morro na extremidade do lote, e ficávamos estabelecendo diálogos com frases aprendidas de lições de livros: "What is this?" "It is a book." "What is that?" "It is a picture!" , e nós morríamos de rir. E, para coroar a minha agradável surpresa com o bairro, havia o luar que subia bem sobre o lote e a bela visão do crespúsculo, com o sol caindo logo sobre a estrada que leva ao Baú. A Vila São Geraldo ficou gravada em minha memória, pena que não haja fotos do bairro na ocasião, visto que ele cresceu muito; quase todos os lotes, antes vagos, agora estão ocupados, e as ruas, que eram de terra, agora estão calçadas e algumas foram transformadas de trilhas em ruas largas e calçadas, após aterramento. Saudades de Barão de Cocais e, principalmente, saudades da Vila São Geraldo!
te e ��UZ-TY
VOCÊ ESTÁ LENDO
MINHA INFÂNCIA FELIZ
Non-FictionEstes textos, que talvez, serão posteriormente apresentados em livro, descrevem fatos e personagens de minha infância/pré-adolescência/adolescência na cidade mineira de Barão de Cocais, onde vivi muitas alegrias e não me deixei marcar pelas tristeza...