Emirhen - 30/07/2040
O ar denso e rarefeito da central me encurrala, não lembrava o quão sufocante esse lugar pode ser. Após duas semanas afastado não posso dizer que senti falta daqui.
A primeira coisa que noto ao entrar no prédio é a falta evidente de pessoas circulando. Subo as escadas até o terceiro andar, onde está meu quarto e observo que tudo está exatamente onde deixei, me jogo na cama arrumada e olho para o teto contemplando o vazio. Finalmente, após meu pequeno intervalo de três minutos, volto para a realidade, checo o horário e começo a me preparar para mais uma reunião diplomática. Uma arara cheia de ternos novos, espera por mim em frente à porta, escolho um preto simples com corte Italiano que caí perfeitamente.
Antes de sair, pego minha pasta para revisar palavra por palavra que devo dizer nessa reunião. Para minha sorte, os papéis estão em branco, então qualquer que seja o assunto abordado hoje à noite, meu pai não se deu o trabalho de reservar tempo para ninguém discursar além de si próprio.
Atravesso o corredor e paro antes da escadaria dando um longo suspiro, assim que cruzar aquele lobby, o ritual começa...
3,2,1
Coloco meu sorriso casual de praxe, desço de forma confiante, acenando na direção dos flashes e jogando cumprimentos vazios na direção das câmeras. Encontro meu conselheiro esperando por mim no meio da escadaria e finalmente consigo me livrar dos repórteres.
- Emirhen, por onde raios você andou?
- Acabei de voltar de viagem, relaxa Zach, meu pai já se acostumou com os atrasos
Zachary Levi Overgaard me encara com frustração, solta um suspiro e segue para uma direção oposta a que estou habituado.
- Zach..
Ele olha para mim com o semblante preocupado, confirmando minhas suspeitas.
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Noites de julgamento público causam tensão até mesmo nos diplomatas mais experientes.
Meu pai, o Rei de Emperius e colonizador dos países menores, não tem fama de condescendente ou misericordioso.
Desde meus dez anos, quando passei a frequentar eventos desse tipo, um nervosismo severo me acompanha.Julgamentos públicos são realizados apenas quando o infrator comete crimes que afetem a segurança e o bem estar social, ou seja, estamos lidando com assassinos, traidores e desertores do exército.
O julgamento é transmitido para o país e as colônias e logo após a sentença dada pelo velho sentado no trono, vem a punição.
Sinto o suor escorrendo por minhas costas, minhas mãos tremendo e os pêlos da nuca se eriçando, mas meu rosto permanece impassível e isso é tudo o que importa.
Ando em direção ao pátio central e abro os dois grandes portões...
Toda a plateia disposta na estrutura semicircular do edifício fixa os olhos em mim, mas apenas o olhar do rei faz com que eu sinta minha caixa torácica apertar. O encaro por milésimos de segundos e ele lança a cabeça para o lado, indicando que devo me juntar ao terceiro trono, ao lado de minha mãe, a rainha Adelaide.
Assim que me sento, meu pai se levanta capturando a atenção de todos os presentes. Os repórteres sentados nas primeiras fileiras se enlouquecem para conseguir um bom ângulo do rosto ranzinza e enrugado da majestade, afinal não é todo dia que um evento de tal porte acontece.Assim que as câmeras começam a filmar meu pai anuncia :
- Cidadãos de Emperius e refugiados, gostaria de informar que por questões estatais confidenciais, o julgamento público, não irá ao ar como de costume.
Peço aos repórteres que se retirem voluntariamente para que o uso de força física não seja necessário.
Obrigado pela sua atenção e boa noite.Todos no prédio parecem estar bem confusos em relação ao anúncio, olho de esgueira para os conselheiros do meu pai e percebo que estão tão perdidos quanto eu.
O roteiro dos julgamentos sempre é o mesmo : O rei cumprimenta os cidadãos, pede para os guardas escoltarem o criminoso, meu pai lista todas suas infrações e o veredicto é uma execução.
Parece que a noite de hoje será um pouco mais interessante...
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Após trinta minutos esperando em silêncio, todo meu nervosismo começa a dar lugar a impaciência. Ninguém ousa pronunciar uma palavra, mas posso perceber que estão tão inquietos quanto eu.
As únicas duas pessoas conversando são meu pai e sua mão direita, James Oveergard II, pai de Zach. O rei dá uma ordem a James e ele anda até um rapaz da guarda, cochichando alguma informação.
Subitamente, os portões abrem e um grupo de seis soldados escolta o criminoso até o centro do pátio. Ele veste um capuz que desce até o chão, cobrindo o corpo e a maioria do rosto. O soldado à direita arranca a grande capa do criminoso, revelando uma pequena figura.
A garota por baixo da veste parece um animal, tem cortes espalhados pelos dois braços, vestes rasgadas e um cabelo negro cobrindo o rosto.
- Candace, refugiada de número 4356 , a partir de agora você está sendo julgada pelo conselho, qualquer coisa que disser poderá ser usada contra você.
A garota levanta o rosto e um par de olhos cinzentos encara a figura do rei sem hesitação.
E então, ela sorri.
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Filhos do caos
Science FictionFogísia o país de origem de Candace, é atacado e se vê obrigado a tornar-se uma colônia de Emperius. Ela nasce em meio à guerra, e vê o mundo que conhece desabar diante de seus olhos. Ainda criança é sequestrada e levada a Emperius para viver como u...