070794, o herói

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Quando o período de adaptação à cura passou, 070794 descobriu que existia algo muito pior do que o efeito colateral de seus poderes. Não fazia a mínima ideia do que haviam aplicado em sua corrente sanguínea, mas sabia que seu corpo não aceitara aquilo com facilidade – sendo que em vários momentos daquele dia inacabável achara que fosse realmente morrer. E para piorar, achava que a cura não funcionaria.

Não sentia nada de diferente em seu corpo, estava apenas cansado de passar praticamente vinte e quatro horas sentindo as mais diversas dores e vomitando suco gástrico. Em nenhum momento desejou ser outra pessoa, ou até mesmo não ter os seus poderes, a única coisa que passou em sua mente durante tamanho incomodo era o quanto odiava aqueles agentes do governo, detestava ter que usar seus poderes para agrada-los e ainda mais ter que sofrer para que encontrassem a cura de algo que só acontecia quando eles mesmos o impulsionavam ao limite.

Não precisava de uma cura, assim como não precisava usar seus poderes para satisfazê-los. Eles que eram os vilões da sua história, não ele, ele era apenas uma das diversas vítimas de tudo aquilo. Uma vítima que não fazia a menor ideia de onde estava metido, que nem em todos aqueles filmes de super-heróis que via pela televisão portátil de seus pais.

Mas, estava decidido em se tornar o herói.

Salvaria todos das garras dos agentes do governo, faria tudo que fosse possível e imaginável para acabar com aquilo, não queria que mais ninguém passasse pelo que havia passado, ninguém era merecedor de tamanha desgraça. Nem mesmo os pais de 201195, que para si eram as piores pessoas que já conhecera, mereciam aquilo.

Temia que outras crianças, assim como ele, passassem por aquilo. 070794 se achava forte o suficiente para passar por todas aquelas emoções, que não eram nem um pouco fracas, mas sequer conseguia imaginar 201195 passando por tudo aquilo, seu amigo com toda a certeza não suportaria nem um terço do havia enfrentado.

Sentia saudades de 201195, talvez até mais do que da televisão portátil.

Sentia saudades de ser tratado como uma criança, ou até mesmo como um ser humano, e não como apenas um robô. Poderia não ter um nome, mas isso não diminuía o fato de ter sentimentos reais. Não era apenas um objeto de testes, gostava e desgostava de várias coisas, assim como sentia dor e medo de todas aquelas injeções que tomava sem nem saber o que estava de fato tomando.

Entretanto, ninguém se preocupava consigo. Nunca lhe davam satisfação, e mesmo temendo que usasse seus poderes, ninguém de fato o respeitava. Era visto como alguém superior e ao mesmo tempo, de alguma forma, como alguém insignificante. Conseguia ver o medo nos olhos de todos aqueles médicos, e mesmo assim o tratavam como se não fosse digno de tomar aquele curto período de tempo de suas vidas.

Chorava todas as noites, não apenas naquela terrível noite em que seu corpo inteiro ardeu como nunca antes, sempre chorava. Todos naquele complexo o faziam se sentir como se fosse insignificante, um monstro domado, e aquilo era de mais para sua mente. Ainda era uma criança, e aqueles olhares acabavam consigo.

Mas, novamente, ninguém se importava.

070794 / lashtonOnde histórias criam vida. Descubra agora