Um amigo para 070794

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Surpreendentemente a cura funcionara em 070794, e mesmo depois de passar tardes inteiras usando seus poderes para satisfazer o líder das pesquisas, não voltou a sofrer nenhum outro apagão, nem mesmo momentâneo – o que o deixava mais feliz do que demonstrava.

Conseguia controlar seus poderes quase que completamente, depois de tantos treinos conseguia até mesmo controlar a intensidade com que tudo acontecia, o que para si era um grande avanço já que no começo ou nada acontecia ou tudo ia pelos ares. Não havia meio termo, já que usava como estimulo a raiva que sentia do sistema que o cercava.

Seu aniversário de oito anos estava cada vez mais próximo, mas sequer estava empolgado por estar ficando mais velho, sabia que ninguém se lembraria ou se lembrasse sequer lhe dariam um "parabéns", o máximo que fariam provavelmente seria lhe desejar um bom dia. E aquilo já seria um presente grande demais.

Quando seu dia finalmente chegou, nada fora do normal aconteceu. Seu dia seguiu a mesma rotina entediante e cansativa de sempre, sem nada de novo – como o esperado, nenhum dos médicos que sempre faziam diversos exames em si lhe cumprimentou –, se não fosse pelas lembranças boas que tinha dos outros anos, aquele teria sido só mais um dia para si.

Utilizou tais lembranças durante o treino, boas lembranças também eram de grande ajuda na hora de controlar a intensidade com qual manuseava seus poderes. Lembranças como o bolo de baunilha especial da família de sua mãe, e até mesmo de quando cortava o bolo com a ajuda de 201195 antes de ambos destruíssem o mesmo com o intuito de sujar um ao outro.

Tinha boas lembranças de pessoas que não estavam mais consigo, e péssimas lembranças daquelas que o rodeavam. E aquele pensamento o deixava com um gosto amargo na boca, assim como também despertava o ódio mais legitimo que uma criança poderia ter. Com esse desvio de pensamento, viu o fogão a sua frente explodir em chamas, perdendo o controle de seus poderes.

As chamas vermelhas o acertaram em cheio, junto com o impacto da explosão, fazendo-o voar alguns metros para trás e cair fortemente contra o chão de madeira da sala de testes. Seu rosto ardia, provavelmente queimado pelas chamas, e tanto suas costas quanto sua nuca doíam devido ao impacto contra o piso.

Sentiu bem leve, devido ao cheiro forte do dióxido de carbono que saia do que até instantes antes era um fogão, um cheiro que lhe remetia a sangue. Levou uma das mãos a nuca, não se surpreendendo ao ver uma grande quantidade de sangue fresco ali. Apenas fechou os olhos e voltou a deitar a cabeça no piso, se amaldiçoando por tamanho descuido, pois sempre que acontecia um acidente era obrigado a passar a noite em observação em um dos leitos da área médica.

Não se movimentou enquanto os agentes do governo faziam o procedimento padrão ali, para que tudo fosse feito o mais rápido possível. Mesmo com os olhos fechados sabia exatamente o que estavam fazendo, primeiramente apagariam as chamas do fogão e após verificar que não havia mais nada danificado na sala de testes que se direcionariam a si.

070794 já estava mais do que acostumado a ser tratado como algo substituível, mesmo sabendo que não era exatamente dessa forma que o governo o via, então sequer se importava mais com o fato de primeiro estarem dando atenção a objetos inanimados do que a si. Ainda lhe machucava, mas deixava que esses pensamentos apenas pesassem quando não tivesse ninguém para vê-lo chorar.

Demorou vários minutos até que os agentes se voltassem para si, colocando-o em uma das macas brancas que ficavam penduradas do lado de fora da sala, ao lado da porta de metal. Sem nenhum cuidado, ou qualquer pergunta direcionada a si, 070794 se deixou ser levado por aqueles agentes até o local onde passaria o resto de seu aniversário.

Só voltou a abrir os olhos, quando escutou uma tossida forçada.

- Apenas queimaduras? – Perguntou o médico olhando para seu rosto, provavelmente analisando o quão grave havia sido o encontro de seu rosto com as chamas

- Machuquei a parte de trás do pescoço, estava sangrando até alguns minutos atrás. – Respondeu indicando a mão suja de sangue para o médico

Com um simples movimento de mão, o médico indicou para 070794 se sentar na maca. Aparentemente começaria por sua nuca, e por isso não tardou a se sentar e virar de costas para o homem, para que o mesmo tivesse mais facilidade para cuidar de seu ferimento.

- Hoje é seu aniversário. – Murmurou o médico enquanto limpava a pele esfolada de sua nuca – Que belo jeito de comemorar.

- Melhor do que ficar na sala de testes. – Respondeu no mesmo tom, um tanto surpreso com o fato que o médico puxara assunto consigo

- Meu filho prefere a sala de testes a ficar comigo aqui na enfermaria, mas acho que é porque ele não gosta de sentir dor. – Comentou o médico com um sorriso no rosto – Não que eu ache que você goste disso, mas se fosse o meu filho no seu lugar, ele provavelmente teria desmaiado, aquela peste sequer consegue ver um pingo de sangue sem ficar tonto.

- Seu filho? – Perguntou curioso, não sabia que tinha outras crianças ali passando pelas mesmas coisas que passava

- Sim, ele prefere ficar nesse complexo comigo a ficar com a mãe na nossa casa. – Segredou sem tirar o sorriso do rosto, mas ao perceber a criança ficar tensa logo tratou de adicionar – Ele não é uma criança prodígio, então não passa pelas mesmas coisas que você, 070794.

- Ah, sim. – Sussurrou aliviado – Não sabia que tinha outras crianças aqui.

- E não tem. – Disse finalizando o curativo – 250196 é uma exceção, só está aqui por minha causa. – Continuou, indo até um armário e puxando de lá um frasco pequeno com um liquido amarelado, logo em seguida tirando uma pequena quantia do liquido com uma seringa – Isso daqui vai deixar seu rosto novo em folha, talvez te deixe meio sonolento, mas nada além.

- Doutor. – Chamou o menino, tirando a atenção do médico de seu braço – Depois eu posso conhecer seu filho?

- Não vejo problema nenhum, 070794. – Respondeu com um grande sorriso – 250196 precisa ter amigos da idade dele de qualquer maneira, assim como você. – Concluiu, despejando o liquido amarelado em sua corrente sanguínea

Fora questão de segundos para que 070794 dormisse, e pela primeira vez desde a morte de 201195 e seus pais, o menino dormiu com um sorriso no rosto. 

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⏰ Última atualização: Dec 22, 2016 ⏰

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070794 / lashtonOnde histórias criam vida. Descubra agora