A Casa de Bonecas

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Eu costumo dizer que o céu e o inferno estão na Terra, e que eles são, nada mais nada menos, do que o lugar em que você mais ama ficar e o lugar em que você mais odeia. E a minha casa era o meu inferno na Terra. Uma casa assombrada por fantasmas, e cercada por pesadelos. Onde em cada canto continha uma ameaça, e que escondia, debaixo de seu assoalho de madeira, os monstros dos segredos. Um lugar em que os meus fantasmas podiam se libertar e se acomodarem pela casa toda.

Despedi-me de Bella e agradeci a carona. Fiquei acenando até o momento em que eles dobraram na esquina e saíram do meu campo de visão. Fitei o portão trancado por alguns segundos até ter coragem de abri-lo. Peguei minha cópia da chave e assim o fiz. Meu recanto infernal, mais conhecido como casa, era da seguinte maneira: Começava pelo portão de grades finas; logo depois vinha o chão de cerâmica com desenhos imitando pedras, daí, depois, em relevo, tinha a parte de frente da casa, com dois pilares, ambos na lateral, e uma porta de cor branca no centro, com um pequeno vitrô ao lado. Aproximei-me da porta. Dava pra ouvir os gritos das almas perdidas logo na entrada.

Enfim, abri a porta. Como de costume, minha mãe estava na cozinha, que fazia uma divisão com a sala por uma mureta; meu pai, sentado no sofá da sala lendo um livro; e, bastou apenas eu por os dois pés na entrada, que os meus fantasmas direcionaram com surpresa seus grandes olhos vazios para mim, prestes a me perseguir pela casa toda. Entrei, tentando ignorar o fato de presenciar mais pessoas ali do que realmente tinha. A cada passo meu, mais gritos fantasmagóricos. Passei pela sala, com o objetivo de chegar ao meu quarto, mas, ao adentrar a cozinha, minha mãe se virou, limpando as mãos no pano de prato, dizendo:

-Como foi o passeio? . Olhei pra ela com certo desdém. -Normal.-respondi.

-Conseguiu aumentar sua amizade com Bella?- ela perguntou. Nesse instante minha paciência estava por um fio.

-Não intrometa minhas amizades em suas "conquistas sociais", e não, continua a mesma coisa. -respondi.

Ela olhou normalmente para mim, largou o pano na mesa, veio até mim e.... deu-me um tabefe na minha cara. Não protestei nem chorei, simplesmente a encarei. Se tem uma coisa da qual eu me orgulho, é o meu talento de esconder emoções. Depois continuou: -Sabe, eu gostaria que você tivesse uma relação mais próxima com ela, você me entende? Ela é uma boa companhia, uma ótima pessoa: gentil; educada; graciosa.. você deveria aprender bons modos com ela. Agora vá, continue o seu caminho.

-Muito obrigada!- respondi com ironia. Atravessei o corredor e fui direto para o meu quarto.

Sabe qual é a minha sorte? Eu nunca estou sozinha. Sempre sinto que tem mais alguém comigo. A diferença é que eu aprendi a lidar com isso. Eu tive que tentar derrubá-los para mim não ser derrubada. Quando entrei no meu quarto, larguei minha pequena bolsa na minha cama e me olhei no espelho da minha grande penteadeira. Como eu estava feia. Estava com a aparência tão desgasta quanto algum prisioneiro. Meus olhos eram fundos, inexpressivos, vazios, como sempre foram, e o tom castanho quase que preto acentua isso, e a única diferença é que agora eu tinha lindas olheiras abaixo de cada um deles. Eu nunca fui muito morena de pele, sempre fui branca. O que muda agora é que deixei a tempos de ser branca para ser pálida, como um papel. O tom rosado de outrora agora foi substituído por uma pele de fantasma. Ah, isso mesmo! Fantasma! Essa é a palavra certa. De tanto conviver com eles, eu estava agora me assemelhando a eles. O único ponto que não mudou, graças a minha mania de ficar mordendo, foi minha boca rosada que, geralmente, eu pintava em um tom vermelho alaranjado , para parecerem morangos no verão. Assim eu não esquecia a graça dos dias quentes.

Meu tormento interior foi interrompido por uma voz me chamando. Olhei para trás e lá estava ela, minha amiga a qual eu apelidei de viajante, pois ela viajava de realidade para outra realidade, e as vezes me levava junto. Ou eu levava ela, porque, na verdade, eu também sou uma viajante, então eu posso definir aonde é que ela vai ficar, entre outras coisas. No início ela me atrapalhava bastante, mas agora que eu descobri minhas habilidades especiais, ela já não é mais um problema.

The Darkside: O lado que ninguém vêOnde histórias criam vida. Descubra agora