Acordei pela manhã, abri a janela e respirei fundo. O ar parecia alimentar meu corpo; será que
estava conseguindo subtrair energia do éter? Estava questionando essa possibilidade, quando
Felipe entrou. Sorrindo, cumprimentou-me:
-Bom dia!
- Bom dia! Em um lugar como este onde estou rodeado de amigos como você, todos os dias são
bons. Como está Mirna?
-Depois que chegou eu não tornei a vê-la. Sob os cuidados de Diógenes, deve estar muito bem.
- Com certeza! Felipe, diga-me uma coisa, quem é Mirna?
-Zílio, os espíritos comprometidos com os acontecimentos da velha Lemúria são muitos; a maioria
está dispersa, cada qual buscando os caminhos da própria evolução. Você, Mirna, Helena,
Diógenes, eu e outros ainda encarnados, quase sempre nos mantivemos juntos. Somos um grupo
de apoio mútuo.
-Por isso você foi socorrer-me no Vale dos drogados?
-Sim. Na verdade eu não atuo naquela área; minhas principais atribuições estão vinculadas aos
colaboradores encarnados.
-Há quanto tempo Mirna estava presa a Mohara?
-Há várias encarnações ela vem sucumbindo às tentações da luxúria. Tornou-se um espírito bom,
mas facilmente é dominada por mentes doentias; sua fraqueza a manteve escrava de Mohara por
muitos anos. Talvez agora , amadurecida pelo sofrimento imposto pela própria fraqueza, tenha
adquirido a força necessária para enfrentar novas experiências com maior segurança. Helena
deverá transferi-la para a Estância do Amor, onde se relacionará com espíritos que contribuirão para
o seu progresso.
-Quando a vi, senti um amor fraterno por ela, algo muito forte. Qual a minha ligação com ela?
-As marcas de uma encarnação, cuja convivência foi intensa entre dois espíritos, permanecem e,
com a reaproximação dos dois, mesmo em um futuro distante, essas marcas assomam do
subconsciente como um sentimento nato de amor ou de adversidade.
-Esse sentimento que eu experimentei ao vê-la, significa que já estivemos juntos algum dia?
- Sim, várias vezes estiveram juntos.
-Então o amor e o ódio à primeira vista não existem?
-Quase sempre são reencontros cujas afinidades, ou adversidades, foram construídas
anteriormente.
-Sabe, fiquei impressionado com o Vale dos Prazeres. Existem outras cidades iguais aquela?
-Existem muitas, iguais ou parecidas em quase todos os pontos da Terra. Essas cidades são
construídas nos vales que existem na subcrosta; são consideradas zonas inferiores do planeta.
Estão localizadas próximas às coletividades onde estão vinculados os espíritos que as edificaram.
Cada qual tem as características dos costumes e da cultura dessas coletividades.
-Eu comentei com o Denius que eu havia visto lá espíritos que eu conheci na Terra e que,
provavelmente, devem estar ainda encarnados. Quando desencarnarem, irão fatalmente para
aquele lugar?
-Se não efetivarem uma renovação dos seus sentimentos e abdicarem das paixões que os projetam
a esse plano inferior, com certeza, estarão lá, após desencarnarem.
-Quando estávamos lá, em determinado momento, senti-me envolvido naquele clima de luxúria;
quase cedi aos impulsos que experimentei naquele instante. Porque?
-Você , quando encarnado, foi influenciado durante algum tempo pelo agentes de Mohara. Augusto
era um deles, mas, com o apoio de Helena e mais tarde com o benefício da enfermidade, acabou se
libertando dos laços que o prendiam àquela organização infeliz.
-Agora eu entendo porque a mulher de Mohara chamou-me de renegado.
-Para eles, realmente você é um renegado.
Estávamos ainda conversando, quando chegou Helena.
-Então, o que achou da sua experiência no Vale dos Prazeres?
-Foi para mim algo inusitado! Por pouco não sucumbi!
-Eu tinha certeza de que iria conseguir; agora posso contar com você para realizar um outro trabalho
na crosta.
-Quando deverei realizá-lo?
-Vou levar Mirna para a Estância de Amor; você irá nos acompanhar. Lá o apresentarei a um
companheiro que vai ajudá-lo a realizar este trabalho.
-Quando partiremos?
-Agora mesmo. Mirna nos espera.
Despedi-me de Felipe e saímos. Caminhamos até o ambulatório onde Mirna nos aguardava. Ela
estava linda; seus cabelos brilhavam refletindo os raios do sol que invadiam a sala através da janela.
Diógenes fez-lhe algumas advertências, logo depois, Helena segurou em nossas mãos e
envolvendo-nos com sua luz e partimos...
Em poucos instantes, estávamos na Estância de Amor. O lugar possuía uma beleza peculiar; todas
as edificações eram rodeadas de maravilhosos jardins. Quase todos os espíritos que passavam por
nós tinham a aparência jovem. Mirna estava encantada com o que via. Emocionada perguntou a
Helena:
-Estamos no Paraíso?
-Aqui é um lugar aprazível, o bem vibra no éter. Para nós, espíritos em redenção, é realmente um
paraíso, embora o significado da palavra paraíso seja relativo ao grau de compreensão de cada um,
para muitos , ainda o paraíso está no Vale dos Prazeres.
Enquanto conversávamos, chegamos frente a um prédio o qual , segundo Helena nos informou, era
o prédio da coordenadoria da Estância. Entramos...
Fomos recebidos por um espíritos chamado Venâncio que, sorrindo, cumprimentou-nos,
demonstrando conhecer Helena.
-Minha querida Helena! Que ventos benéficos a trouxeram até nós?
-Esta é a Mirna; trago-a para ficar sob os cuidados desta Estância onde, com certeza, encontrará os
recursos de que precisa neste momento importante de sua vida. Este é Zílio; em breve deverá
efetuar um trabalho e precisa do apoio de alguém com experiência para poder desempenhá-lo.
-Qual o trabalho que terá que realizar?
-Zílio terá que se preparar para escrever para os encarnados; deverá relatar as suas experiências
aqui no mundo espiritual.
-Temos, em nossa Estância, o Eduardo que poderá ajudá-lo bastante. Pode deixá-los aqui que nós
o acomodaremos e providenciaremos tudo o que eles precisam.
Quando Helena falou que eu iria escrever, não consegui esconder minha emoção. Sorrindo, ela
aproximou-se de mim e falou:
-Zílio sei o quanto está feliz, mas devo adverti-lo da importância dessa missão. Escrever aos
encarnados sobre as experiências que viveu após desencarnar tem por principal objetivo advertir os
jovens e os pais encarnados. Não deverá citar nomes de parentes ou de amigos; limite-se apenas a
descrever com detalhes as conseqüências causadas pelo uso de drogas e pelo suicídio involuntário.
Helena agradeceu a Venâncio e despediu-se. Eu, aflito, perguntei:
-Depois de realizado o meu trabalho retornarei para junto de você e de Felipe?
-Sem dúvida, ainda temos muito o que fazer juntos.
Senti-me aliviado. A idéia de separar-me deles causara-me uma certa tristeza. Não demorou muito,
entrou, na sala em que estávamos, um espírito de aparência jovem. Venâncio levantou-se e
apresentou-nos:
-Este é Eduardo; faz parte de uma das equipes que atuam entre nós.
Cumprimentou-nos e Venâncio continuou:
-Mirna está aqui para receber os benefícios da nossa Estância. Deverá encaminhá-la para os
cuidados de Afrânio. Zílio precisa realizar um trabalho de comunicação com os encarnados; você
deverá orientá-lo.
Eduardo agradeceu a Venâncio pela incumbência; passou seus braços sobre nossos ombros e
saímos. Na rua, começamos a conversar...
-Você me lembra um cantor famoso da época em que eu ainda era encarnado.
-Sou o próprio. O Rei da insensatez! Na Colônia onde estou domiciliado, todos me conhecem como
Zílio; é o nome que eu tinha antes de reencarnar.
Mirna parou, olhou bem para mim e falou demonstrando surpresa:
-Então é você? Eu sabia que o conhecia! Quando o vi no Vale dos Prazeres, tentei lembrar-me mas
na consegui.
-Na Terra, sentia-me feliz ao ser reconhecido; aqui experimento certo constrangimento e vergonha.
Eduardo nos conduziu até um prédio não muito longe da Coordenadoria. Entramos. As
dependências internas lembravam-me as de um hotel; uma sala grande, com poltronas, onde mais
de uma dezena de espíritos sentados, conversavam descontraidamente. Um deles levantou-se e
aproximou-se de nós.
Eduardo adiantou-se e apresentou-nos.
-Afrânio, este é o Zílio e esta é Mirna.
Afrânio sorriu para nós e Eduardo continuou:
-Venâncio recomendou que deixasse Mirna sob seus cuidados. E eu terei que me ausentar das
tarefas por algum tempo; devo acompanhar Zílio em um trabalho junto aos encarnados.
Despedimo-nos de Mirna, de Afrânio e saímos. Na rua, perguntei ao Eduardo:
-Por que Mirna foi transferida para cá?
-Afrânio desenvolve um trabalho de ajuda aos espíritos fracos e dependentes, facilmente
influenciáveis. São aqueles que, em determinado momento da própria existência, acabam anulando
a própria vontade, acomodando-se a uma dependência doentia. Provavelmente, Mirna se enquadra
em tal situação.
-Realmente, quando a encontramos estava subjugada por mentes doentias.
-A vontade é a alavanca do progresso em qualquer plano da nossa existência. Sem ela, nos
tornamos joguetes das circunstâncias.
-Quando desceremos à crosta?
-Hoje à noite faremos os primeiros ensaios. O trabalho de comunicação com os encarnados requer
muita paciência e dedicação. Vamos realizar, primeiro, um trabalho de aproximação. Quando o
médium, para quem você deverá passar as informações, registrar a nossa presença é que se
iniciará um processo de comunicação que poderá se arrastar por muito tempo.
Naquela mesma noite, eu e o Eduardo descemos para a crosta. Quando chegamos ao grupo de
encarnados onde eu deveria fazer contato com o médium, fiquei surpreso. Eu conhecia aquelas
pessoas; foi ali que Felipe socorreu-me com o auxílio dos encarnados. Ele estava presente; quando
nos viu aproximou-se.
-Que bom! Vejo que já está iniciando o seu trabalho.
-Eu estava apreensivo e nervoso. Então, perguntei ao Felipe:
-Vai sim! O médium registrou a sua presença aqui, por ocasião do seu tratamento. Com certeza isso
facilitará o seu trabalho; além do mais Eduardo estará ao seu lado e saberá orientá-lo.
Fiquei mais tranqüilo. Esperamos terminar a reunião e acompanhamos o médium até sua casa. Ali
Eduardo orientou-me:
-Zílio, a partir de agora você deverá acompanhar o nosso irmão no seu dia-a-dia. Quando ele
registrar a sua presença, procure transmitir-lhe através do pensamento, o desejo de escrever. Com
certeza ele vai captar sua vontade; então será a hora de você começar a transmitir seus
depoimentos.
A partir daquela noite, iniciei o meu trabalho. Não foi uma tarefa fácil, mas consegui chegar ao final,
graças à valorosa ajuda do Eduardo. Espero que, ao relatar minhas experiências após a morte
física, ela venham ajudar a muitos que , como eu, optaram pelos caminhos equivocados das drogas
e do suicídio.
Agora, sinto-me feliz! Estou vivendo novamente! Nas ilusões da vida...encontrei a morte! Na
realidade da morte... Descobri a vida!
Zílio.Fim.
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Um roqueiro no Além
SpiritualRoqueiro famoso, surpreendido pela morte prematura causada pelo uso abusivo de álcool e drogas, se vê diante de uma realidade que jamais imaginara. Propagador da liberdade incondicional, por estranha ironia, submetido à lei de causa e efeito, se viu...