Nelson Moraes Zílio
Um Roqueiro no Além
(O mundo só é uma droga, para quem se droga no mundo)"É certo que os vivos nascem dos mortos e os mortos tornam a nascer"
PlatãoA minha morte foi como um pesadelo; senti um profundo torpor e perdi os sentidos. Depois de algum
tempo, recobrei a consciência; parecia estar bem, até que percebi que algumas pessoas estavam
colocando-me dentro de um caixão. Tentei reagir mas não consegui mexer-me; gritei dizendo estar
vivo, mas ninguém me ouviu. Quando fecharam o caixão, dei murros na tampa tentando abri-la, mas
meu esforço era em vão; perdi os sentidos.
Não sei quanto tempo fiquei desacordado; quando dei por mim novamente, senti que me colocaram
em um veiculo e viajamos por algum tempo. Os solavancos do carro enjoaram-me; comecei a
passar mal; não tinha espaço para vomitar e nem para me mexer; sentia-me sufocado. Quando o
carro parou escutei gritarem o meu nome seguido de muito pranto. Pelo movimento, percebi que ali
deveria ser o local do velório. Tiraram o caixão do carro e, quando menos eu esperava, abriram a
tampa. Senti um grande alívio! Tente levantar-me , mas não consegui. Muita gente debruçou sobre
mim para chorar.
O que eu poderia fazer ?
Já havia tentado de tudo para sair dali. A única explicação que eu encontrava para aquele fato , é
que eu estava realmente morto e o meu espírito preso a meu corpo e já começava a cheirar mal.
Diante da minha impotência, tive que aceitar aquela situação. Observei cada pessoa que passavam
por mim. Olhavam-me piedosamente e lamentavam pela minha morte. Quase todos que passaram
por aquele desfile de lágrimas e de hipocrisia diziam a mesma coisa:
- Que pena. Tão jovem!
Outros cochichavam:
- Foram as drogas que os destruíram.
-Depois de algum tempo, fecharam o caixão e puseram-me novamente em um carro; Fiquei tonto,
comecei a passar mal; por alguns momentos, eu ia morrer de verdade. Mas acabei apenas
desmaiando. Quando voltei a mim, não sei quanto tempo depois, escutei algumas pessoas
conversando. Pelo que elas falavam, deduzi que estavam levando-me para o cemitério; quase me
desesperei. Senti um medo terrível, principalmente quando percebi que estavam SEPULTANDO-ME. Não cheguei a entrar em pânico, mas rezei todas as orações que eu havia aprendido e isso, de
certa forma, acalmou.
Lembrei-me da minha vida desde quando era criança. Revi todo meu passado, era como se eu
estivesse assistindo à projeção. A partir dai, naquela solidão profunda, comecei a julgar minhas
atitudes. Fui um combatente! Lutei contra um sistema que eu não aceitava e que me causava
revolta. Entretanto, acabei vítima de mim mesmo e não do sistema que eu condenava.
Sem perceber, havia optado pela fuga, a mesma fuga que me havia fascinado em outros momentos
da minha vida. O sofrimento por que eu estava passando era característico dos suicidas. Era assim
mesmo que eu me sentia, um suicida. Levado pela revolta, percorri o caminho das drogas até
encontrar a morte. Embora o mundo me aborrecesse, eu deveria ter continuado no bom combate.
Na verdade, fui um equivocado, apontei tudo que eu achava que estava errado, mas não soube
indicar o certo. Minhas intenções eram boas, mas minhas atitudes eram contraditórias. Em vez de
atacar e ferir o sistema, eu deveria ter contribuído para transformá-lo. Não corri atrás do ouro dos
tolos, mas, na cama de meu apartamento, fiquei com a boca aberta esperando a morte chegar. Ela
chegou antecipada! Veio convidada pela minha insensatez. Em vez de repousar em seus braços, ela
agora fazia arder minha consciência. No auge da minha angustia, eu questionava:
-Quanto tempo terei que ficar nesta situação ? Ficarei aqui até o dia do trem passar ? Será que vou
? ou será que fico ?
Eu consolava a mim mesmo:
-Não importa! Se vou, livro-me deste mundo equivocado. Se fico, tento outra vez.
Diante das dúvidas que povoaram minha mente, eu afirmava:
-Tenho certeza de que a vida é eterna! Este é apenas um momento como outro qualquer. Vai passar
, como tudo passou.
Essas auto-afirmações confortavam-me. Constantemente, eu buscava encontrar as vantagens que
aquela situação me proporcionava. Então, eu dizia:
-Pelo menos aqui não ouço os noticiários infames! Não posso beber nem me drogar.
Naquele momento, eu percebi que havia esquecido o vício! Sentia-me de certa forma reconfortado,
pelo menos aquela situação proporcionava-me um bem verdadeiro. O tempo foi passando...
Vez ou outra, alguém vinha depositar flores sobre meu túmulo; elas pareciam ajudar-me; Eu sentia o
perfume delas amenizando o cheiro dos ossos que restaram no meu corpo. Lembrei-me de que um
dia eu e um amigo tentamos nos comunicar com as plantas. Talvez, pela importância que demos a
elas naquele dia, agora vinham retribuir-me, socorrendo-me com delicioso perfume.
Eu escutava tudo o que se passava no cemitério. Ouvi muitos gritos de desespero. Muitas vezes
adormeci, mas os pesadelos faziam-me acordar assustado. Sonhei várias vezes que estava junto à
família. Desesperado, tentava falar que estava vivo, mas ninguém me ouvia.
Entre sonhos e pesadelos, continuei preso àquele ataúde que se transformara em minha casa. Eu
perguntava a mim mesmo:
-Seria esta a minha derradeira morada: Jamais sairia daqui.
Logo em seguida, respondia-me a mim mesmo cheio de convicção:
-Não. Tenho certeza de que não! Eu não acredito nas penas eternas. Logo estarei fora daqui.
Não sei se era intuição, mas eu tinha realmente a certeza de que, em determinado momento, eu
sairia dali. Tentei levantar-me algumas vezes, mas ainda estava preso àquela situação.
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Um roqueiro no Além
SpiritualeRoqueiro famoso, surpreendido pela morte prematura causada pelo uso abusivo de álcool e drogas, se vê diante de uma realidade que jamais imaginara. Propagador da liberdade incondicional, por estranha ironia, submetido à lei de causa e efeito, se viu...