Prólogo

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15 de dezembro

Edimburgo, 2016

Um suspiro baixo e frustrado escapa de seus lábios. Por que não conseguia escrever aquele parágrafo-chave? Tinha só uns cinco versos. Isso a estava irritando.

Hermie fechou o laptop com força demais e o empurrou para longe após mais alguns minutos esgotando a própria paciência. Passara a tarde inteira tentando escrever mais um capítulo e não sabia por que não conseguia.

Ela se levantou do tapete do quarto e caminhou até a cozinha, carregando o cilindro de oxigênio portátil consigo. Abriu a geladeira, a fim de beber algo, mas constatou - e ficou decepcionada - que ali só havia uma garrafa de água velha, um prato de comida tailandesa do dia anterior, um pacote de bolacha sem recheio e gelo. Bastante gelo.

Talvez não devesse, mas pegou um e retornou ao quarto. Dessa vez, optou por se deitar na cama.

Hermie observou o teto cinza descascado. Ela fechou os olhos.

Talvez fosse o melhor a se fazer.

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Melbourne, 2007

- Eu estou bem - Hermione resmungou.

Brooke disse algo baixinho - algo que, com certeza, não devia ter dito, pelo menos não na frente de Hermione. Mas ela não escutara.

Calmamente, retrucou com voz alta e clara:

- Você urinou sangue e tem reclamado de muitas dores nas costas. Her, sério, não sou idiota.

Hermie estreitou os olhos.

- Eu não disse isso.

- Você sugeriu - Brooke deu de ombros.

As duas não conversaram mais nada até chegarem ao hospital local. Hermie deu entrada e foi atendida minutos depois. Hermie parecia ser a acompanhante de Brooke, não a paciente, pois Brooke que estava relatando ao clínico geral todos os sintomas, locais e coisas que Hermione se esforçou, mas não conseguira entender.

Ela realizou alguns exames. Hermie tinha chance de ser encaminhada para a oncologia s...

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Feixes de luz invadiram o quarto por entre as cortinas. Hermie odiava o clima ensolarado da Austrália, e mesmo que a Escócia fosse totalmente o oposto de seu país de origem, ela amava o frio congelante e, bem, a solidão. Os olhares de pena acerca dela estavam matando-a mais rápido, e já que largara o tratamento com uma sobrevida de nove meses, nada mais importava.

Haviam se passado sete meses.

Com certa dificuldade, Hermione saiu da cama. Ela bufou ao constar que se enrolara no cateter, e com raiva acumulada, tirou-o e foi ao banheiro, a fim de ignorá-lo pelo resto do dia.

Hermie cumpriu sua rotina chata: urinar, lavar as mãos, almoçar - um pacote de bolacha sem recheio e um copo de chocolate -, tentar escrever novamente - por algum milagre, ela conseguiu concluir o 23º capítulo e já se encontrava na metade do 24º -, jantar - o prato de comida tailandesa do dia anterior -, escrever mais um pouco, escovar os dentes, urinar pela última vez, lavar as mãos e ir dormir. Não, ela não tomou banho. Não tomava banho fazia uma semana e meia. Hermie não era anti-higiênica, mas estava muito frio para tirar a roupa e se colocar sob água corrente, mesmo quente. Uma hora ou outra ela fazia sua higiene íntima, principalmente quando saía para algum pub. Às vezes voltava acompanhada. Pelo menos o câncer não tirou os homens escoceses de seu radar - considerando o fato de que ela falava sobre o CCR para a maioria deles no pré ou pós sexo.

Os dias que se passavam eram monótonos. Não havia muito o que se fazer. Quando isso acontecia, Hermione gostava de pensar na seguinte questão: qual é o nosso objetivo sendo que não há lógica em nascer, crescer e morrer? Sua resposta mais apropriada para a própria pergunta era que nascemos e crescemos para adquirirmos doenças incuráveis e, assim, morrermos. O esboço de um sorriso até surgia no canto de seus lábios quando se questionava a respeito, mas logo sumia.

O fim de semana que chegou lhe rendeu um holandês de trinta e dois anos, o qual ela conheceu em um pub no centro da cidade. Entretanto, quanto mais os dias se passavam, quanto mais homens ela levava para seu quarto, pior era. Claro que Hermione aproveitara ao máximo a estadia dele de 48 horas em sua casa, só que cada segundo, cada minuto, cada hora significava estar um passo mais próxima de sua cova, onde ficaria para sempre.

Hermie pensava naquilo todos os dias.

Por isso, não proibira a família de visita-la em feriados, como o Natal e Ano-Novo. Porém cogitava seriamente a ideia de fugir e sumir.

Em uma certa noite, enquanto ouvia um pouco de música antes de dormir - Hermie achava que morreria dormindo -, para sempre ou até o amanhecer, reprisou um filme de sua vida em sua cabeça. Sentia a falta de Brooke. De Ashley. Quando fora embora sem hesitar, Ashley passou a telefonar para a mãe toda noite. Parou por causa da mãe de Hermie e Brooke, que a impedira de continuar com as ligações.

Hermione caiu no sono pouco depois - sem ter tirado os fones de ouvido.

Acordou com dor na lombar. Era a típica dor do CCR, a qual ela já se acostumara.

Hermione permaneceu de olhos fechados, lembrando-se de suas memórias da noite anterior, revivendo-as outra vez durante alguns minutos. Sentia a falta de sua filha. Claro que não queria tê-la deixado em Brisbane. Mas Hermie estava morrendo. Pior do que isso era ter Ashley como espectadora.

Hermione abriu os olhos. Deveria se levantar logo e reiniciar sua rotina diária. Pensar em Ashley, Brooke, em sua mãe e em Harry - o pai de Ashley - não era nem um pouco estimulante.

- Olá.

Hum, bem, também não era exatamente estimulante acordar com Isaac Newton ao seu lado.

UM RÉQUIEM PARA HERMIONE KINGOnde histórias criam vida. Descubra agora