2. Our Night

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| Melanie |

Fechada no quarto, preenchi a folha de desenho com tons escuros. Naquela tarde, ainda que o sol brilhasse lá fora manti-me longe desse mesmo e desejei que as nuvens escuras preenchessem os céus.
Com os fones nos ouvidos, um lápis e uma caneta de ponta fina, dediquei-me ao desenho que teria de apresentar na semana seguinte.

Uma foto dos meus pais estava sobre a mesinha de cabeceira do quarto que partilho com a minha prima. Uma dor forte surgiu no meu peito. Num movimento rápido, repentino e desativado, arranco a foto da madeira e rasgo-a. Deixei que um grito se soltasse das minhas cordas vocais. Olhando à minha volta, naquela tarde que passou de calma para sombria, pude sentir-me diminuída. A cômoda com porta retratos, os sorrisos vazios, as almas desfeitas, os corações perdidos. Senti como se nada disso fizesse sentido, como se já não vivesse essa realidade, pois a verdade é que não vivo.

Os meus braços esticaram-se, as minhas mãos ganharam vida. Queria parar-me, queria sorrir, queria levantar os olhos do chão sem olhar por cima do ombro para todos que me rodeiam. Atirei as molduras contra a parede. Estilhaços, pequenos pedaços de passados verdadeiros e presentes falsos. Partindo e rasgando cada recordação, ainda sei que terei no fundo do meu computador cada parte dessas. Escorreguei pela parede, as minhas mãos pisaram os vidros. Quebrando partes da madeira que resta das molduras e cortando-me com pequenos pedaços de vidro. Deixei-me ficar ancorada pelos meus joelhos e ajoelhada pelos destroços que provocara e que demonstaram o que sou por dentro.

A janela estava fechada, mas podia ouvir o vento. Podia ouvir as buzinas dos carros e a alegria de viver que todos pareciam sentir.
A minha prima entrou no quarto, parou os seus passos, pisou o meu olhar. Ao contrário do que achei que iria fazer, andou até mim e encorralou-me nos seus braços. Tentando deslagar-me desses mesmo, senti a sua persistência e a força com que me apertava. Sussurrou-me para ter calma. Respirei fundo engolindo todas as lágrimas que queriam voltar a descer pelo meu rosto.

Ela estica-me uma das molduras que não cheguei a partir.

"Podes parti-la Mel" Ela fala

"Para de me chamar Mel" Eu gritei, as minhas mãos agarraram o bloco dos desenhos despejando-o desleijadanente no chão coberto de cacos
"Tu não podes chamar-me Mel" Atirei a moldura que ela tinha nas suas mãos contra a parede "Só eles podiam. Só os meus pais podiam entendes? Só eles me entendiam. Tu não, ninguém entende. Quero que eles desapareçam daqui. Eles já não estão aqui" Eu rasgo duas fotos colocadas acima da cama da minha prima. Ela tenta agarrar nos meus pulsos, mas empurro-a, fugindo do seu toque duma forma rápida

"Eles eram teus pais" Ela elevara a sua voz "Melanie está tudo bem" Eu chorara, queria ue parassem de dizer que estava tudo bem, pois apenas eram e são mentiras, mentiras que nunca serão verdades. Não mais.

Eu agarrei o meu casaco e nas chaves da Mota da minha prima.

"Melanie, o que vais fazer?" Ela grita-me

Desci as escadas, agarrei o capacete e abri a porta de casa. Visti o meu casaco, calcei as minhas botas e bati com porta de casa, abandonando o local. Ouvi o trinque abrir-se e sentei-me sobre a mota.

"Tu não podes conduzir nesse estado" Ivna grita

Arranquei. Queria poder sentir-me melhor comigo mesma, tal como todos os psicólogos dizem que acontecerá. Porém, nenhuma das suas palavras surte efeito no meu estado psicológico agravado. Descuidadamente, virei na primeira rua que me parecia correta. Parando nos semáforos, pousei a minha cabeça sobre o guiador da mota. Eu realmente queria que a noite caísse todos os dias mais cedo. Eu queria que as casas não tivessem janelas, que a escola não fosse uma demonstração  de felicidade todos os dias. Queria que não enjoar com a felcidade dos outros, mas a verdade é que enjoa. As razões pelas quais sorriem eu não sei, mas gostaria de descobrir. No entanto, avaliando pelas expressões de todos os jovens normais da minha facha etária, sinto-me pobre, sinto-me perdida, completamente desligada da mudança da cor dos semáforos. Arranco, vendo pessoas mais velhas receberem a noite e jovens já embriagados, engolidos pelos efeitos da bebida.

Angels » Harry StylesOnde histórias criam vida. Descubra agora