Meados do século XV, Inglaterra.
Sophie se esgueirou um pouco pelo buraco sujo e mofado, e agradeceu mentalmente quando suas mãos tocaram o solo. Fez um pouco de esforço e em poucos segundos já estava nos fundos da igreja. Limpou um pouco da sujeira que ficara em suas vestes gastas enquanto em passos lentos caminhava para o interior do edifício.
Algumas velas ainda estavam acesas, por isso julgou que uma missa teria acontecida há poucas horas. Ela fez o caminho tão conhecido e, assim que chegou, com cautela abriu as enormes e grossas portas de madeira da biblioteca, tentando fazer o mínimo de barulho. Pegou a vela que deixava escondida embaixo do tapete e a acendeu, subindo as escadarias em passos rápidos.
— Vamos ver... — sussurrou enquanto colocava uma mecha de seu cabelo atrás da orelha. Passeava por todas aquelas prateleiras gigantes e recheadas de livros sem cansar e, se pudesse, moraria ali.
Pegou alguns livros às pressas assim que ouviu alguns passos se aproximando. Assoprou a vela até que se apagasse completamente e correu para um canto, onde se sentou e abraçou suas pernas finas e sujas. Seu coração batia mais rápido que o normal; a adrenalina misturada com medo corria por suas veias; se fosse pega pelo Clero, seria enforcada na manhã seguinte. Isso na melhor das hipóteses.
Os passos foram se aproximando cada vez mais, Sophie viu uma claridade no começo do corredor. Ainda um pouco atordoada, demorou a perceber que era a luz de uma vela, e a figura de um homem lhe provocou pânico.
Não parecia ser alguém da igreja; usava vestes ''normais'', não mantos ou coisas assim. Julgou ser alguém educado, já que sua postura era impecável e sua face parecia limpa. Sophie escondeu os livros dentro de suas roupas e sua respiração falhou quando ele começou a se aproximar mais.
— Quem está aí?!— A voz rouca dele lhe assustou.
— Merda. — A garota sussurrou enquanto se levantava, e logo começou a correr.
— Ei! — Gritava, mas ela sequer olhou para trás. Por suas vestes que mais pareciam trapos e sua magreza extrema, pensou que não devia passar de uma camponesa.
O que diabos uma camponesa estaria fazendo ali? Era algo surreal para ele. Até mesmo o príncipe precisou de autorização, tal que quase foi negada. Harry passou a mão em seus cabelos de um jeito nervoso; pensou seriamente em correr atrás dela, mas não o fez. Ouviu um vidro sendo quebrado, mas ignorou completamente, apenas continuou a procurar um bom livro antes que os guardas começassem a lhe chamar.
Do lado de fora, Sophie tentava se manter firme, ignorando os cortes em seu punho que jorrava sangue. A tempestade que começara a cair apenas atrapalhou tudo, os cortes ardiam e a visão da menina começava a embaçar. Ela corria pelos campos de trigo e rezava para que o homem da biblioteca tivesse piedade da sua alma, já que não queria morrer com 17 anos.
Não que a vida fosse maravilhosa por ali; num vilarejo pequeno e de camponeses pobres, era comum ver pessoas morrendo de fome, sede ou por doenças. A igreja tinha o poder, e às vezes mais influência que o próprio Rei. No fim, apenas os ricos tinham uma vida digna. A família de Sophie trabalhava no campo de segunda a domingo de manhã, pois a noite era hora de igreja: colocavam suas melhores roupas e escovavam os cabelos, calçavam sapatos de pano e dirigiam-se com outras famílias para a missa, onde rezavam por misericórdia.
Andar a noite pelo vilarejo não era algo muito seguro, uma vez que os guardas a encontrasse, sem dúvida iriam lhe acusar de bruxaria, por isso andava o mais rápido que conseguia. Retirou alguns fios de cabelo que grudavam em seu rosto antes de entrar em casa, pulando a janela da cabana com certa dificuldade.
Felizmente, ninguém estava acordado. Ela foi até seu quarto e acendeu uma vela, checou duas vezes se ninguém estava ali e finalmente retirou os livros de suas roupas. Colocou um em cima do feno –sua cama- e analisou o outro, que estava no seu colo.
— A borboleta azul... — Leu baixo. O título era interessante.
Ouviu alguns passos se aproximando e rapidamente pegou os livros, colocando tudo no fundo falso localizado embaixo de sua cama e se deitou, encostando sua cabeça na parede. A porta de madeira se abriu, mas em pouco segundos foi fechada. "Steven" pensou.
Sophie tinha apenas um irmão de 25 anos, Steven. Ele fazia a maior parte do trabalho no campo, por isso, apesar da ''magreza'' possuía alguns músculos definidos. Seu sonho era ser um guerreiro, e Sophie era a única que acreditava que um dia fosse conseguir. Eles tinham um vínculo forte na infância, mas à medida que foram crescendo, isso foi se perdendo. Steven nunca deixou de amar ou proteger sua irmã, apenas o fazia de uma maneira diferente.
Eram muito parecidos na questão da aparência: olhos azuis herdados da mãe, Luce, e cabelos negros como a noite, herdados do pai, Dereck. Apesar de trabalharem no sol, suas peles eram claras, mas um pouco manchadas e ressecadas. Os cabelos eram enrolados e cheios, diferentes da maior parte das pessoas do vilarejo.
Apesar disso, possuíam personalidades muito distintas: Sophie sempre fora muito sensível, amorosa e bondosa, mas tentava parecer forte. Já Steven era frio e tinha pé-no-chão, não media esforços para alcançar seus objetivos, muitos menos pensava nos outros –que não fossem de sua família– ou tinha piedade. Um belo perfil de soldado. Ele não era do tipo que demonstrava sentimentos, a única vez que Sophie havia testemunhado tal cena foi quando se perdeu na floresta, e assim que Steven lhe encontrou a abraçou por cinco minutos e lhe carregou nas costas de volta para casa.
Sophie largou tais pensamentos quando sua mão começou a latejar. Ela mordeu seu lábio inferior e reprimiu um grito de dor, se encolheu um pouco na cama e assoprou a vela, que se apagou. Na total escuridão, embalou-se numa canção de ninar e fechou os olhos.
Naquela noite, o homem da biblioteca invadiu seu sonho. Ele não lhe machucou como ela pensava: liam histórias mirabolantes juntos, mas seu rosto parecia um enigma.
Diferente dos outros dias, não acordou sequer uma vez durante a noite.
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The Last Letter [H.S/PT-BR]
FanfictionNuma época onde apenas os nobres tinham acesso a educação, Sophie certamente seria decapitada se descobrissem que roubava livros e sabia tanto ler quanto escrever. Vinha de uma família de pobres camponeses e fora vendida para o castelo para ser uma...