Bloody Crown

90 7 2
                                    

És o amor ardiloso que eclode em meu coração, este que não me deixa escapar de ti. — Sophie entona, ainda acariciando os fios caramelos do príncipe. — És a ti que entrego meu coração devoto, como teu súdito. És a ti, minha bela mulher, que imploro a aceitar devotamente meu amor eterno. Permita-me te amar com todo meu sangue.

— Oh, continue, amor. — Sussurrou empolgado, os olhos fechados denunciando prazer no ato.

— Creio que você deveria ler o resto, Alteza. — Estende o livro.

— Gosto de ouvir sua voz. És como um anjo.

— Temo que não tens certeza do que diz. — Fecha o livro com calma.

— Quero um futuro ao teu lado, Sophie. — Entrelaça as mãos, a diferença de tamanho o faz sorrir curto. — És tua voz que quero escutar todos os dias pela manhã.

A Serva treme. Felicidade misturada a medo crescem na ponta do estômago e faz esforço para não transparecer. Ela o assiste acariciar sua palma com cuidado, o peso do corpo alheio contra o seu, o calor e guarda na memória. Alívio percorre sua espinha por saber que, pelo menos em algum momento, tiveram o mesmo pensamento.

— Alteza...

A íris verde procura a imensidão castanha da amada e amor escorre pelo sorriso pequeno que preenche os lábios do príncipe, arrastando-se minimamente para os rostos ficarem colados.

— Quero admirar-te caminhar até mim com flores frescas e vestido branco. — Beija a bochecha rosada. — Em meus devaneios profanos, és quem clamo ser completamente minha. És a mulher da minha vida, és meu cálido e entorpecente sol.

Sophie sorriu largamente, e dentre as marcas de sol nas bochechas e olhos comprimidos, Harry entendeu tudo que a mulher não teria coragem de proferir, umedece os lábios antes de continuar:

— Teus dotes ou teu nome jamais serão capazes de impedir tal amor. Abrirei mão de tudo, Sophie. Estar ao teu lado é a única coisa que quero. — Depositou um beijo estalado na palma da mulher. — Não tenha dúvidas disso.

— Oh, Alteza, temo que tua fala seja demasiadamente tomada de emoção. — Morde o lábio inferior, tentando dissipar a sensação devastadora no estômago. — Teus títulos vão muito além do que posso aguentar.

— Nada me importa além de ti, querida. — Os olhos semicerrados do príncipe comprimem à medida que se aproxima da serva. — Teu amor és o mais nobre. Aceita-me como teu amante, minha bela dama. Aceita-me como teu, completamente rendido a ti.

— Harry...

— Casarei-me com ti, meu amor. — O tocar de lábios deixou a serva em êxtase. — Não há mais nada que pretendo fazer em vida além de ser completamente teu. De corpo e alma. Até meu último respiro.

A íris verde condizia com as palavras. Sophie acariciou as madeixas castanhas do amado antes de impulsionar o rosto, depositando um cálido beijo.

"Amo-te tanto que dói, querido." pensou.

Na ala oeste do castelo, Gerhard apoiou as mãos sob a cabeceira da cama do Rei que já respirava com dificuldades. O médico Real murmurava a Deus que ouvisse sua preces e segurasse a Majestade na terra por mais tempo.

Abatido, a vida que levou passava como uma distante memória, memória que já não sabia se era fruto dos devaneios e mente profana ou do que de fato viveu: o certo e errado não pareciam ter um limite, a realidade se misturava a fantasia e os delírios constantes do homem o levavam ao profundo desatino.

Loucura essa que o abraçou como uma velha amante, como o sopro da vida.

Anne apertou as mãos num ato nervoso, reprimindo o choro entalado na garganta. A Rainha tomou segundos para se recompor, mas nada parecia certo. Nada do que dissesse traria o homem que amava de volta. Nunca mais seria o mesmo. E o assistir morrer lentamente a fazia se questionar se aquilo era o que Deus tinha planejado para sua vida.

Não houve misericórdia. As preces que tanto fez não estavam sendo ouvidas. A frustração embalava na profunda tristeza.

Anne assistiu o homem que amava mergulhar em dor, lentamente agonizar. Deus tinha de ouvir suas frustrações. Teu sangue azul tinha de ter algum valor a Ele.

O Rei partiu silenciosamente. Os lábios ressecados sequer foram capazes de murmurar o padecimento. Olhos verdes ainda estalados no momento em que o espírito saiu de si e batimentos cardíacos estáticos atestam o óbito. O homem mais poderoso do reino, cujo sangue tão vermelho quanto dos servos denunciava o mesmo fim.

Fim este que ninguém estava salvo.

Anne tremeu. Dedos gelados tateiam o estofado e ela se levanta com dificuldade, fazendo o triplo esforço para chegar até o homem que um dia jurou amor. Embarga o choro fúnebre à medida que os dedos cobertos por luvas correm até o rosto do amado, a pele ainda quente... oh, maldita vida.

Um pedaço de si morreu junto ao seu amor quando correu os dedos nos olhos, fechando-os. A feição tão doce, como se estivesse apenas num longo e pesado sono, e era desta forma que queria se lembrar dele.

Numa pesada lufada de ar, a Rainha prosseguiu com o protocolo:

— Gerhard, avise a todos.

— Sim, Majestade. — De cabeça baixa, a voz saiu como um murmúrio.

O homem saiu do cômodo vagarosamente sem sequer olhar para trás, e assim que chegou ao corredor, mal conseguiu reprimir o sorriso largo que estampou o rosto grisalho. Praticamente correu até o andar debaixo, euforia aumentando a adrenalina que corria por suas veias.

Aquele velho idiota estava morto, finalmente morto.

— Abençoa-me, borboleta. Venha até mim como teu dono. — Sussurrou, reprimindo uma gargalhada alta.

E o brilho no olhar, brilho este que o Rei perdera há tempos, agora, era perceptível no olhar do homem que um dia lhe jurou lealdade.

The Last Letter [H.S/PT-BR]Onde histórias criam vida. Descubra agora