Stealing Cars

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Música: Stealing Cars
Cantor/Banda: James Bay

Já estávamos alí há mais de meia hora, sentados nas margens do viaduto, com nossas pernas balançando livremente enquanto observávamos a rodovia em baixo. Era uma noite fria do fim do outono, e por isso o vento uivando era nossa única companhia. Olhei para Darko ao meu lado, fumando um cigarro em silêncio, pensativo, obscuro como costumava parecer. Não era uma pessoa de muitas palavras, e acho que por isso não tinha outros amigos a não ser eu. A imagem do envelope branco rasgado em cima da minha cama me veio a mente, as várias folhas dobradas e a mochila aberta.

"... de informar que ficaremos muito contentes em recebê-lo em nossa instituição..."

Relembrei trechos da carta. Eu já devia ter contado a ele, mas sempre adiava. Só de imaginar como seria sua reação, meu estômago embrulhava e me fazia voltar atrás. Nem eu entendia como tinha conseguido, depois de tudo... Mas tinha. E Darko não sabia.

- Pega. - me estendeu seu cigarro. Aceitei por inércia e costume, e levei-o aos lábios, sugando e sentindo aquele horrível sabor amargo da fumaça quente preencher meu corpo.

Não gostava de fumar, mas se Darko me oferecia então eu aceitava. Se ele me chamava, eu ía, mesmo sem saber pra onde; se me entregava um garrafa de vodka, eu bebia mesmo que minha cabeça doesse depois; se me dava duas pílulas na porta do bar, eu as escondia no bolso e lhe entregava ao entrar; se alguém o irritava, eu entrava na briga mesmo que ele estivesse errado. Era assim. Era sempre assim desde que éramos moleques roubando as bolsas das velhas beatas a caminho da igreja. Eu e Darko estávamos sempre juntos, do amanhecer até a madrugada, às vezes durante dois ou três dias dormindo em festas idiotas ou na casa do outro. Ás vezes dormíamos na rua mesmo, não importava; Darko ia e eu também.

Devolvi seu cigarro e voltei meu olhar para o horizonte, tentando desviar minha atenção da maldita carta e decifrar se aquilo que se aproximava era mesmo um farol. A luz cresceu e dividiu-se em dois.

Eram farois.

Darko apagou o cigarro pela metade e guardou preso na orelha, para terminar depois, enquanto eu me levantava e lhe entregava dois tijolos. De pé, na borda da ponte de concreto, com tijolos roubados de algum vizinho, nós esperamos o carro se aproximar. Vinha em linha reta, bem no meio da pista, se aproveitando de ser o único acordado àquela hora dirigindo pela 48. Quando estava a vinte metros do viaduto, atiramos os tijolos e observamos, torcendo para que atingissem em cheio o capô, que era mais fácil de trocar. A maior parte das pedras caiu antes do carro, mas uma atingiu em cheio o veículo. O carro deslizou pelo asfalto, ziguezagueando por vários metros sem muito controle antes de conseguir parar no canteiro.

- Vai, vai, vai! - Darko sussurrou me empurrando, e eu fui.

Pulei do viaduto para a escada, e da escada para a rodovia, enquanto ouvia os leves barulhos do All Star preto de Darko descendo os degraus o mais rápido que conseguia - desde que torceu o tornozelo, duas semanas atrás, ele tem sempre que descer mais lentamente todos os degraus. Aproximei-me depressa, ocultado pela escuridão da noite, e procurei no bolso até encontrar meu canivete. Do lado do carro, um homem gordo e parcialmente careca coçava a cabeça tentando entender o que tinha acontecido.

- Ei! - gritei parado a poucos metros. O homem estreitou os olhos para me enxergar na penumbra; dei um passo e fui iluminado pela luz fraca dos faróis traseiros - Você tem três segundo pra dar o fora com vida!

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