Música: Lovely
Músico/Banda: Twenty One Pilots
Chegou atrasada como sempre. Era a segunda vez àquela semana; mais uma e os professores não a deixariam entrar. Quão egoísta seria dizer que eu gostava quando ela se atrasava, só para que eu pudesse vê-lá ter que atravessar toda a sala, com sua mochila enorme quase caindo do ombro, enquanto as dezenas de chaveiros balançando faziam barulhos de sino?
Sentou-se a minha frente, embora por isso eu esperasse, já que tinha propositalmente me colocado uma carteira atrás da que ela sempre escolhia. Seu cabelo estava diferente hoje, as pontas além dos tons de lilás agora também se dividiam em tons de verde acinzentado; ela tinha feito outra experiência capilar com essas tintas coloridas que tanto pareciam agradar as meninas na cidade. Só que ela fora a primeira a usar.
Não prestou atenção nenhuma na aula de história, e devo confessar que nem eu. Ela estava desenhando e eu, cego e surdo para qualquer coisa que não fosse tentar observar seu desenho por cima do ombro. Desenhava uma mulher sentada, nua, cobrindo partes do corpo com os braços e pernas mas... Era um pouco mais do que isso: as pontas de seus dedos eram galhos e seus cabelos terminavam em uma cascata e riacho cercado por diminutos animais. Acho que era uma fada ou coisa do tipo. E sorria.
De repente se levantou. Ergueu uma mão e disse ao professor que precisava sair, que tinha que ir ao banheiro. O mestre, mais preocupado em continuar com o enorme texto que escrevia na lousa, permitiu e não notou que ela levou a mochila e todo o material junto. Na verdade ninguém na sala pareceu prestar atenção na garota mirrada que se escondia dentro do casaco durante o ano todo e que agora saia sorrateiramente da aula. Ninguém a não ser eu. Juntei meus pertences e fiz como ela: pedi para me ausentar, o que me foi permitido mas, diferentemente de Skaya, todos os 27 pares de olhos estudantis se grudaram a mim quando eu passei pela porta com a mochila no ombro.
"Aonde vai?" - perguntou Brandon, meu melhor amigo. Apenas dirigi meu olhar para a porta em que segundos antes ela tinha atravessado e ele entendeu. Suspirou cansado. "Não sei o que você vê nela" - sussurrou.
Não sabia o que eu via nela... Como ele podia não saber o que eu via nela? Como todas essas pessoas ao nosso redor podiam ignorar a sua existência? Como eles não viam tudo o que eu via nela? Porque, cara... Tinha muita coisa nela! Aqueles olhos castanhos profundos, as pequenas sardas no rosto, a inconstância com cores no próprio cabelo, a unhas curtas pintadas de preto, as frases do Radiohead rabiscadas nos velhos All Stars, as respostas sarcásticas para os professores, os desenhos místicos e alegres... Como eles não viam tudo isso? Como eles conseguiam ignorar tudo isso?
Sai pelos corredores da escola e vi de longe sua mochila virando uma esquina; segui-lhe. Ela caminhava decidida pelo pátio, pela quadra e então pelo estacionamento. Eu ia logo atrás, mantendo um distância segura para não perdê-la de vista mas ainda poder saber o que pretendia, sem deixar de lançar olhares para os lados me certificando de que nenhum inspetor nos pegaria. Parou em frente a um dos muros mais baixos, jogou a mochila para o outro lado e, enfiando os pés em pequenos buracos no concreto, escalou-o. Um segundo depois já estava fora da escola e da minha vista. Eu poderia dizer que fiquei muito tempo ponderando sobre o que fazer, discutindo internamente sobre tomar a decisão correta ou não, mas seria mentira; não precisei nem de um segundo da minha vida para saber que ia atrás dela, que a seguiria. E foi por isso que corri até o muro e fiz o mesmo que Skaya, me tornando um aluno fugitivo também. Sua cara ao me ver pular ao seu lado foi impagável.

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Contos Por Música
ContoLivro de contos/oneshots baseados em músicas. Cada novo conto, uma nova música.