Colors

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Música: Colors
Cantor/banda: Halsey

Talvez devesse ser estranho acordar e não encontrar ninguém na cama ao meu lado; mas não era. Há muitos meses já não era mais. Ainda assim, olhei pelo quarto com alguma esperança de encontrá-lo sentado na poltrona ou no parapeito da janela, me olhando dormir, como costumava fazer. Dizia que eu ficava tão linda quando adormecida, serena, angelical. Pura.

Sentei-me e esfreguei os olhos antes de decidir levantar; coloquei uma velha camiseta sua de uma banda de heaven metal europeu que ninguém mais conhecia. Ficava enorme em mim e eu gostava disso, de me sentir envolta pelo seu cheiro de cigarro impreguinado no tecido desgastado, de sentir a barra roçar de leve meu quadril, de imaginar que na noite anterior era o seu corpo que esteve ali dentro.

É, eu gostava de me cercar de você.

Sai descalça pelo seu pequeno, velho e bagunçado apartamento, procurando pela sua cabeleira grisalha aos 27 anos e, quem sabe, um pouco de café morno também. Não tinha ninguém na sala ou na varanda, muito menos no banheiro minúsculo e cheio de manchas de infiltração. Desviei de algumas roupas sujas largadas pelo chão e de alguns copos descartáveis, garrafas, cinzeiros e a coleira do Rex.

Quando cheguei na cozinha, encontrei-o sentado à mesa, com um cinto amarrado no bíceps. Encostei a testa no batente e desviei o olhar para o chão, sabendo que se continuasse encarando iria chorar logo pela manhã.

– São oito e meia... – falei com a voz trêmula.

Ele ignorou-me e continuou o que estava fazendo: esterilizando a agulha da seringa na chama do fogão. Uma colher com o cabo entortado, um saquinho plástico com o pó branco e uma luva de borracha meio rasgada faziam-lhe companhia.

– São oito e meia... – insisti e ouvi um suspiro cansado como resposta.

– Eu sei, Ash.

– Então por que não está na cama comigo? – odiava quando minha voz não conseguia se manter firme e calma, já premeditando o choro que eu segurava na garganta.

– Porque não. Volte a dormir, por favor. – seu tom calmo e doce mostrava que ele sabia o que estava fazendo, mas que continuaria mesmo que isso me magoasse.

– Por favor... – murmurei.

– Ashley... Não. Você sabe... Por que não volta pra cama e em dez minutos eu vou lá te encontrar? Prometo. Por favor...

Era tarde demais: as lágrimas já estavam molhando minhas bochechas lentamente e eu sentia meu rosto esquentar. Nunca conseguia dissimular o que sentia, ainda que tentasse convencer minha mente de que não deveria mais chorar, de que não deveria continuar ali.

Bati a testa no batente enquanto repetia em minha cabeça "sua burra! Sua burra!". Era isso que eu era: uma estúpida. Uma tola que insistia em acreditar que tudo isso ia passar, que era apenas uma fase e que, um dia ele ia acordar e perceber que não precisava mais dela porque já me tinha ali, pra ele, a qualquer hora, a qualquer custo, disposta a fazer o que me pedisse e ir aonde me mandasse. Eu tentava me enganar de que ele não precisava dela, que, assim como eu, ele largaria, que foi só uma onda, só para experimentar algumas vezes, só porque esteve muito triste.

– Ash, não... Por favor, pare com isso. – me pedia em tom melancólico, com pena da minha situação. Que ironia: ele tinha pena de mim.

Eu parei. Acho que cortei-me, porque tinha a sensação de que o sangue escorria pela testa e de repente o batente estava manchado de vermelho.

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