Pais e filhos

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Música: Pais e filhos
Banda: Legião Urbana

– E então? - perguntei assim que sentamos no concreto frio – Por que me chamou?

Ela se colocou ao meu lado, cruzando as pernas sem se importar muito com a curta saia que balançava com o vento do telhado. As meias 3/4 com borda de renda, a pequena calcinha rosa, seu perfume doce de flores e o velho casaco azul marinho que lhe dei no último aniversário; ela sabia bem o que isso fazia comigo. Já faziam alguns meses que ela sabia. Deu de ombros.

– Queria apenas conversar. Você sabe o quanto eu fico só.

Olhei-lhe um pouco desconfiado; não poderia ser tão simples assim. Mas de qualquer forma eu teria que pedir algo então seu chamado viera bem a calhar.

Quero te pedir um favor! - falamos ao mesmo tempo e começamos a rir.

– Você primeiro!

– Não, você primeiro!

– Tudo bem, eu primeiro - aceitei. Eu sempre aceitava tudo o que me pedisse e ela sabia disso – Posso dormir com você hoje?

Somente no momento em que ouvi sua risada nasalada escapando entre seus dentes que eu percebi o quão errado aquilo tinha soado. Lá estava eu, em cima do telhado do prédio no condomínio de luxo em que ela morava, depois de ter pulado o portão lateral do leste e utilizado o elevador de serviço, tocado a campainha três vezes seguidas e me escondido atrás do grande vaso de planta artificial. Era o nosso código para que seus pais não me descobrissem, embora naquela noite eles nem estivessem em casa de qualquer jeito, já que só voltariam de Miami na manhã seguinte.

Me lançou um olhar estreitado enquanto mechas do seu cabelo claro e liso caiam no seu rosto dando-lhe um ar travesso. Por Deus, aquilo só poderia ser um jogo comigo. Odiava quando ela fazia isso,  porque ela sabia exatamente como me afetar. Maldita.

– Só se for dormir comigo de verdade. - provocou.

– Cala a boca... - disse desviando o olhar envergonhado para longe daquele sorriso, enquanto o projeto de Capitu ria da minha cara.

Ela se jogou de costas enquanto se divertia as minhas custas e eu permaneci alí sentado, fitando o horizonte e rezando para que todo aquele calor se dissipasse.

– Você é uma idiota! - praguejei começando a me irritar.

– Pare, vai! - puxou a barra da minha camiseta – Sabe que estou brincando!

– Eu sei! - respondi rude – E é exatamente por isso que te odeio! Maldita hora que eu te disse aquilo, maldita hora que bebi, maldita... - mas meu pensamento foi interrompido ao sentir seus braços e pernas se fecharem ao redor do meu corpo, colando seus pequenos seios às minhas costas.

– Durmo - sussurrou – Sabe que durmo, sempre que quiser e da forma que quiser. Sabe que basta me querer e terá.

– Não preciso da sua pena - respondi ainda emburrado. Queria tê-la, queria beijá-la, queria prová-la mas queria direito. Queria que ela sentisse um mínimo do que eu sentia e que desejasse estar comigo tanto quanto eu queria estar com ela, não por pena, não casualmente, não como amigos. Eu era um idiota – O que você queria me pedir?

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