Capítulo 1 - Sexta-feira

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Era uma sexta-feira de sol.

Sexta-feira sempre me pareceu um dia bom. É o último dia de trabalho da semana, é o dia da cerveja, é a véspera de sábado, logo, um dia em que se pode dormir tarde sem ter que se preocupar em acordar cedo no dia seguinte. É nas sextas-feiras que as pessoas se divertem, encontram os amigos para se distrair dos problemas de trabalho. O tão esperado último dia útil da semana. Dia de namorar, ficar em casa vendo filme sozinho, ou encher a cara, seja para esquecer ou para celebrar. Eu poderia ficar aqui eternamente discorrendo sobre as vantagens das sextas-feiras. Se elas me trouxessem boas lembranças. Até traziam, um tempo atrás, mas...

...o que eu não sabia, é que justo em uma sexta-feira minha vida começaria a desmoronar.

Sou Débora Gianluppi, a "engenheira" Débora Gianluppi. Ou só uma engenheirazinha recém-formada, como todos preferiam desdenhosamente se referir a mim na empresa. O diminutivo na expressão que nomeia minha profissão não se deve a pouca idade, mas sim, a pouca experiência profissional. Se engenheiros tem mania de comparar currículos, fazer o quê? Sou formada em engenharia há apenas um ano e tenho trinta de idade. Isso mesmo: TRINTA! Uma titia.

Demorei para conseguir realizar meu sonho profissional, mas consegui iniciar minha carreira com louvor. Melhor aluna da classe, melhor projeto de conclusão de curso e um emprego arranjado em uma das maiores construtoras do país, conseguido através de dezenas de indicações e privilegiadamente pulando a etapa "engenheiro júnior" para partir direto para "coordenadora de equipe de construção". Eu tinha tudo para ser um sucesso, pelo menos até o meu brilhante sistema construtivo sustentável, que eu convenci a diretoria a implantar na empresa, começar a desmoronar. Agora, consegue adivinhar em qual dia da semana isso aconteceu? Isso mesmo.

Numa sexta-feira, quando eu já juntava a minha tralha, pronta para deixar a empresa e partir para um chopinho com a galera, entra na minha sala o Seu Joaquim, o mestre de obras, suando frio, com os olhos arregalados e a roupa coberta de uma poeira cinza-esverdeada que me gelou o sangue só de olhar. Não preciso nem dizer que três tipos de arrepio percorreram o meu corpo, e aquela adorável sensação de que alguma grande merreca acabou de acontecer, e que isso mudará toda a sua vida. Intuição feminina, daquelas que nunca falha.

O chefe já havia ido embora, com a graça de Deus. Eu avisei, mas o Seu Joaquim gesticulava e chamava seu nome, sem conseguir articular direito as palavras, embasbacado pela sua gagueira de forma que não se compreendia quase nada. Na verdade, eu nem queria compreender, queria que algum tipo de mágica acontecesse e fizesse o Seu Joaquim sumir da minha frente com a sua gagueira. Mas mágica não existia e, eu sabia que já estava grandinha para acreditar nessas coisas. Mas a esperança é a última que morre.

Esperei até que a minha esperança de resolver o assunto em um passe de mágica morresse, o que não demorou mais do que alguns minutos, e tratei de lidar com a situação. Quem sabe aquela fosse uma chance de demonstrar maturidade profissional? Se eu resolvesse a questão, fosse ela qual fosse, poderia até ganhar uma promoção! Durante um segundo, a agonia sumiu e meu peito se inflou de expectativa. Mas tudo o que é bom dura pouco, e minha animação só perdurou até o Seu Joaquim se acalmar e desembuchar o que lhe afligia.

Pedi a ele que se sentasse, fiz de tudo para acalmá-lo, desde servir um copo d'água, depois um chá, depois um cafezinho. Enquanto isso o tempo passava, fazendo com que o nível de adrenalina no meu sangue baixasse pouco a pouco, até atingir quase a normalidade. Alguns minutos depois, tendo recuperado uma parcela da calma e a capacidade de falar sem gaguejar, Seu Joaquim me explicou o sucedido. Foi a pior descoberta da minha vida! Descobri que o condomínio de casas populares ecologicamente corretas, implantado pela empresa — através da minha brilhante, inovadora e sustentável invenção — estava indo abaixo, bloco por bloco.

Ahmed Mir - O Príncipe do EgitoOnde histórias criam vida. Descubra agora