Capítulo 2

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    Foi quando meu carro chocou-se com o corpo dela. Imediatamente após a pancada, a socorri: ela estava sangrando, inerte, mas ainda respirava. Coloquei-a no banco de trás do meu carro e a levei ao hospital mais próximo. Ana Paula não morreu naquele dia, foi salva por mim e por um grupo de enfermeiros.
Mas jamais irei esquecer o estado em que a encontrei no quarto da UTI após ter sido salva e após a liberação dos médicos para visitação. Não, eu não era seu parente, mas era a única pessoa que a conhecia, mesmo que ela não soubesse meu nome nem eu o dela.
Entrei no quarto. Avistei-a na cama, olhando para a janela, para o forte sol que fazia.
- O sol nasceu de novo? Isso quer dizer que estou viva ainda?
- Preferia não estar?
- Quem é você?
- Lucas. E você?
Ela se calou por alguns segundos e respondeu:
- Ninguém...
Percebi que ela não queria aproximação, mas ao mesmo tempo percebi o quão solitária ela era. Nos dias que se seguiram, nenhum parente ou amigo a visitou. Apenas eu, com um sentimento estranho e que jamais imaginei sentir, a visitava. E criamos amizade.
Ela me disse que não tinha casa, não tinha para aonde ir. Narrou todo o ocorrido, e senti tanta pena dela que resolvi levá-la para morar comigo e minha mãe, apenas por alguns dias.
- Você não sente curiosidade em conhecer sua mãe de verdade? – perguntei certa vez, entrando no quarto que eu havia cedido a ela.
- Não sei...acho melhor não... – e sua resposta foi tão vazia quanto seu olhar.
- O que pretende fazer daqui a diante?
Ela se calou.
Aproximei-me, e a convenci a rever seu passado. Ela precisava daquilo, e sabia tanto quanto eu.
- Na verdade, eu não queria mais existir...
- Entendo que tudo o que aconteceu foi um baque pra você, mas você não pode se entregar. Quem disse que o mundo não te quer? Foda-se se ele não te quer. Queira ele e mostre o que ele está perdendo...sei que dentro de você existe alguém que pode e quer mais. Deixa essa pessoa se libertar. Ela está gritando pra sair, você não está ouvindo?
Resolvi levá-la a uma balada em Moema com alguns amigos meus. Foi um pouco difícil convencê-la, mas no final ela aceitou.
No som do carro, tocava uma música. "Era Ana Paula, agora é Natasha, usa salto 15 e saia de borracha...", mas para mim era uma musica qualquer.
- Quem deve ser Natasha?
- O que?
- Da música...
- Ah, não sei...
- Acho que Natasha é tudo o que eu sempre quis ser. Talvez a pessoa dentro de mim que você falou seja uma espécie de Natasha! E você tem razão: ela está gritando!
Algo estava diferente nela a partir de então. A flagrei bêbada, beijando alguns dos meus amigos, como se beijar fosse uma simples diversão.
- Eu quero que se foda! – disse ela, num tom revoltado, quando a chamei de lado para chamar sua atenção. – Fui uma santa esse tempo todo, e todo mundo me fudeu! Agora, quero mais é fazer tudo o que tenho vontade, tudo o que eu sempre quis! – eu não a reconhecia.
Ela se separou de mim, e vi que se aproximava de um homem casado cuja esposa havia ido ao banheiro. Ela sorriu, agarrou e beijou-o.
- Prazer! – disse ela. – Meu nome é Natasha!
Mas de repente, ela estava novamente de volta. Olhava para longe, e só depois percebi que coincidentemente Barbara e Rafael estavam presentes na balada.    

NATASHAOnde histórias criam vida. Descubra agora