– Como vocês conseguiram um DTDLA? – Perguntou o homem misterioso, se ajeitando na cadeira.
– DTDLA? – Perguntou Mike
Esse cara gostava de siglas.
– Dispositivo Transdimensional de Longo Alcance – Respondeu Kirk
– Mas a gente normalmente emite o "de" de Siglas – Interrompeu a tenente, puxando uma cadeira de rodinhas e se aconchegando.
O dispositivo, seja lá o que fosse exatamente, tinha nos teletransportado pra um escritório vazio que graças a deus não tinha nenhuma qualidade especial: Era só um aglomerado de cubículos munidos de computadores, grampeadores, papéis, canetas e cadeiras incrivelmente confortáveis.
– Obrigado pela aula de gramática. Mas não sou eu quem escolhe as nomenclaturas. – A expressão carrancuda e as sobrancelhas arqueadas de Kirk telegrafavam muito bem a ideia de que estava irritado – De qualquer forma, aonde pegaram o bastão?
– Deram pra gente, ué. – Respondeu Mike, incrivelmente ligeiro.
A expressão carrancuda de raiva agora dera lugar a uma expressão de surpresa.
– Quem deu pra vocês?
Eu sabia a resposta dessa.
– O Roger, oras. Infelizmente ele não ficou tempo suficiente pra ensinar a gente a usar esse treco – Eu disse, confiante.
Sorri algumas vezes e abanei o bastão em frente a minha cara. Dando alguns tapinhas nele.
– O Roger é? Ué... Mas por que ele faria uma coisa dessa? Ele é um dos melhores! Eu acho que vocês são um bando de charlatões.
– Charlatões... Hehe – Mike riu.
Já Carol não parecia muito satisfeita com a situação. Eu conseguia ver impaciência tomando conta de suas expressões. Seus pés balançavam e sua mão constantemente ia a sua cabeça, limpando um suor inexistente.
A pior parte é que ela ainda estava armada.
– Olha, você não acredita na gente? Liga pra ele! – Eu disse, apontando para cada telefone disponível no escritório.
– Agentes Dimensionais não usam Celular... – Kirk disse, soando incrivelmente arrogante.
A Tenente levantou-se em um movimento rápido, levou a arma ao ombro e a apontou para Kirk. Que já não estava mais ali.
Uma lufada de vento jogou a tenente levemente para frente e atrás dela reapareceu Kirk.
– Olha, eu não gosto de violência. Não vai acontecer nada, eu só estou genuinamente curioso. E não posso deixar o Bastão na mão de vocês... Regras da casa. – O tom arrogante fora substituído por um tom didático e paternal.
Agora sim eu consegui confiar no homem que estava a minha frente. Chacoalhei a cabeça positivamente e me preparei para falar. Tracei o roteiro na minha mente e exatamente os pontos que tocaria e como falaria deles: Falaria sobre o esquisitão na loja, o trabalho pra máfia, o deserto e os comedores de carne e--
– Era pra ser segredo, ia ficar tudo na surdina mas a verdade é que... – Mike deu uma pausa dramática -- O Roger tava cansado do trabalho e quis passar a chuteira. Nada mais que isso, Kirk. Ele entregou o DFRF ou sei lá pro Luke por confiar nele.
O mundo de Kirk parece ter desabado.
Kirk se ausentou da discussão e caminhou entre os cubículos do escritório em silêncio. Eu o acompanhei com meus olhos até ele desaparecer de vista quando virou a direita em um corredor e só o voltei a ver alguns minutos depois, quando ele retornara trazendo consigo um copo de água e uma expressão facial miserável.
Kirk se sentou na cadeira e deu um longo gole em seu copinho de água.
– O Roger simplesmente foi embora? – Perguntou.
– Sim, Kirk. Ele foi. – Respondeu Mike enquanto consolava Kirk com tapinhas amigáveis no ombro.
– Ele era m-meu melhor amigo e meu mentor... Eu... Era melhor que eu não tivesse sabido...
Uma lágrima escorreu do olho direito de Kirk e foi rapidamente enxugada pelo mesmo.
– Desculpa te trazer más notícias, cara. – Disse Mike.
– Sem problemas, nesse trabalho isso acontece uma hora ou outra. Obrigado, Cara. – Kirk apertara a mão de Mike ternamente, agradecendo pela preocupação (por mais falsa que fosse) – De qualquer forma, sem problemas. Fiquem com o bastão. Aqui... Vão precisar disso...
Kirk colocou a mão em um dos bolsos de seu sobretudo e de dentro dele tirou um pequeno leitor digital, fino como uma folha de papel e entregou-o na mão de Mike.
– É o manual do usuário do bastão. É só ler. Em alguns meses eu entro em contato com vocês... Preciso digerir tudo isso.
Kirk se levantou, levantou o bastão acima de sua cabeça e desapareceu em meio a estampidos e flashes de luz.
E foi mais ou menos aí que eu me dei conta de que tudo que Mike dissera até agora não passava de uma mentira.
– Que porra foi essa? – Indaguei em um misto de emoções.
– Eu também não entendi... – Comentou Carol – Isso que vocês disseram é real?
– Óbvio que não! – Respondeu Mike em meio a risadas – Vocês tem ideia do poder que a gente tem nesse bastão? Porra! A gente pode dar vários passeios! Fazer uma nota com isso! Dinheiro, meu irmão!
Devo admitir que Mike sempre tivera um espírito empreendedor fortíssimo. O problema é: Quando um quase-sociopata tenta usar de artimanhas quase-ilegais pra fazer dinheiro rápido e fácil, os resultados variam entre 'péssimos' e 'incrivelmente letais'. Seja lá qual pudesse ser o resultado desse futuro investimento, as margens de lucro não pareciam muito rentáveis (sem dizer saudáveis).
Mas... Viagem interdimensional podia ser uma boa pras férias. Mas como diabos se prepara para uma viagem interdimensional turística? Que tipo de dinheiro eles usam? Será que eles são iguais? E se a gente parasse em uma dimensão onde os cavalos-marinhos dominaram a terra e os humanos são obrigados a viverem no subsolo?
Bom... A gente improvisa.
– Onde a gente tá, afinal? – Perguntou a Tenente, levantando da sua cadeira e indo olhar pela Janela.
– Acho que a gente voltou pra "casa", Carol – Respondi, indo para a janela também.
Dei uma boa observada pela janela. O prédio onde estávamos era baixo, três andares no máximo. E do lado de fora estava uma organização de casas bem familiar. A frente estava um restaurante italiano e ao lado do restaurante... O mercadinho!
– A gente tá em casa, Mike! – Gritei, alegre.
– Sim, sim. Esse é o escritório contábil do Sal. Já trabalhei aqui algumas vezes.
Eu levantei as mãos pra cima da cabeça e comecei a gargalhar incontrolavelmente enquanto saltitava por toda extensão do escritório. Como era bom estar em casa. Corri até Mike e o abracei, apertando-o até sentir uma de suas costelas estralar.
– Caralho, que alívio! – Eu disse, me acalmando. – Eu só quero ir pra casa e tomar um banho.
– E eu preciso falar pro Sal a merda que aconteceu.
Eu apertei a mão de Mike de forma firme e dei um tapinha em seu ombro, sorrindo durante todo o processo. Escapamos de uma baita barra.
Já a tenente, que ainda olhava pela janela, não parecia dividir da mesma alegria de voltar para casa do que nós. Afinal, quem estava longe de casa agora era ela.
– Carol... – Disse, me aproximando dela, tocando em seu braço. – Cê tá legal?
– Ahn? – Ela respondeu, chacoalhando a cabeça enquanto se afastava do transe que parecia estar – To sim, é que... Bom. Não estou onde devia estar.
– Quer voltar pra lá? – Disse, oferecendo o bastão.
– Esse é o problema, Luke. Não quero voltar. Estava farta daquele lugar, ainda que eu tenha minhas responsabilidades... Eu devia me sentir mal por isso, não é?
– Por querer fugir dos seus problemas? Ao contrário... Você não é covarde. Eu sou um cara de vinte e poucos anos que trabalha em uma lojinha de conveniência porque não quero me estressar. – Acariciei o seu antebraço rapidamente e abri um sorriso -- Sabe de uma coisa, porque tu não vem comigo pra casa? Toma um banho e a gente decide o que faz.
– É... Um banho seria legal.
Fiz sinal de positivo com a cabeça e fiz um sinal de 'siga-me' com o dedo polegar e saímos da sala. Ela largou a arma em uma das mesas e saiu do prédio enquanto eu decidi andar um pouco mais devagar para fazer um sinal de tchau para Mike que estava falando no telefone.
O sinal foi correspondido. Mike com o dedo indicador e polegar da mão esquerda fazia um círculo e com o indicador da mão direita o penetrava lentamente.
Ri devolvendo o gesto obsceno com outro gesto obsceno.
Saímos do prédio sem muita dificuldade. A porta da frente ainda estava aberta e era guardada por um senhor que não estava muito preocupado em fazer perguntas. Era um prédio de um mafioso, afinal. Quando se trabalha pra máfia, fazendo ou não trabalho sujo, você aprende a não fazer perguntas.
A noite estava fria e o vento seco não ajudava em nada. Eu não tinha um tostão no bolso e meu carro só era usado em ocasiões especiais o que significava que teríamos que andar até chegar em casa.
– Tudo bem se a gente andar, Carol?
– Sem problemas... – Ela disse, ainda abatida com a situação.
Eu entendia a situação da Tenente. Não existe uma dúvida maior do que a dúvida de si próprio. Questionar e duvidar das próprias ações é sempre doloroso e faz com que você se coloque como seu próprio inimigo. Qual curso de ação se usa quando você é refém de si próprio? Sabendo que se você for duro demais consigo mesmo você vai se machucar mais ainda.
Por isso que as pessoas preferem batalhar contra outras. Quando o inimigo é outro... É bem mais fácil dar o golpe de misericórdia.
– É por aqui, vamos lá. – Comecei a caminhar.
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Interdimensionais
Science FictionDois homens recebem a maior oportunidade de negócio da suas vidas. Uma tecnologia alienígena que será usado para seus próprios ganhos. Luke e Mike vão descobrir que não é tão fácil assim ganhar a vida sendo Ilegalmente Interdimensionais.