Abro meus olhos, e sigo com os meus dedos em direção ao relógio, que fica sobre a minha mesinha de cabeceira. Já são 07:00 da manhã. Aparentemente o dia está um pouco nublado, imagino o quanto deve estar quente somente aqui dentro. Resmungo ao tocar com os meus pés no chão frio de madeira. Coço os meus olhos com os indicadores dobrados antes de me levantar. Estou pensando em dar uma passada na livraria mais tarde. Ela fica a 30 minutos de casa. Lá é o meu lugar preferido. Me sinto em casa, meu mundo está inteirinho naquele lugar. Eu tenho muita amizade com Kold, o dono. As vezes o ajudo quando tem lançamento de um livro ou quando Kold precisa sair, me deixando no comando por algumas horas. Em troca, eu tenho uma sala só para mim, onde eu crio minhas artes e as escondo do restante do mundo. Seja em papel ou tinta sobre tela, lá é o meu silêncio, é onde meus sentimentos viram poesias em forma de pintura. E em especial, tem uma paisagem única... A vista daquela enorme janela, da de frente a um bosque onde na primavera as árvores florescem e tem um canal onde passa água cristalina sobre as pedras. No outono a névoa densa, cobre o chão de folhas secas. O céu fica encoberto a maior parte do tempo. E no verão, o sol deixa aquele lugar com mais vida, abrigando luz por toda parte. Nunca ninguém além de mim e Kold, soube da existência daquela sala. E assim permanecerá.
Ainda sonolenta caminho até o meu banheiro para lavar o rosto e escovar os meus dentes. Anne já deve estar por aqui. Estranho ela não ter vindo aqui me acordar. Isso já é um costume. Me pego olhando fixamente para o espelho a minha frente enquanto movimento a escova delicadamente nos meus dentes. Assim que termino, enchugo o meu rosto e vou até o closet pegar uma roupa.Depois de perambular pela casa a procura de alguém. Encontro um bilhete escrito pela minha irmã. Ágata foi para as gravações e eu estou aqui sozinha. Aprendi a gostar da minha companhia, por que a maior parte do tempo eu realmente estou só. Eu aprendi a me apreciar. Digo isso, por quê meu pai sempre foi ocupado e não passava nenhum tempo de qualidade com a gente. Eu ia aos médicos, as festas de aniversários dos meus amigos, em eventos escolares, sempre acompanhada por Anne. Mas nunca com ele. A única companhia e afeto que me foi dado, não veio dele. Só que eu não sinto raiva, não mesmo. Isso aconteceu depois que a minha mãe faleceu. Ele também perdeu o maior amor da vida dele, mesmo que não diga e no fundo essa dor nunca vai passar.
Saio em direção ao meu closet parando em frente a um compartimento com roupas pendurados. Abro a porta de vidro que vai do chão ao teto e pego um vestido amarelo com margaridas delicadamente estampadas por toda parte. Ele tem alças que são para amarrar nos ombros e o comprimento está acima dos meus joelhos. Assim que me visto, calço o meu par de allstars branco como um algodão. Meus fios de cabelo estão soltos. Eles são lisos e levemente ondulados nas pontas. Amo a cor castanha das minhas madeixas, realça meus olhos com um formato amendoado. Assim que termino de me vestir, passo um perfume e saio do meu enorme quarto.
Olho para os lados tentando achar algum vestígio de que Anne esteja por aqui. Mas não tem nem se quer o cheiro de seu perfume doce percorrendo pela casa toda.
Meu celular começa a vibrar, para minha surpresa recebo uma mensagem de Anne dizendo que não poderá vir trabalhar hoje, pois seu neto não está se sentindo bem. Imediatamente respondo desejando melhoras a ele. Também a tranquilizo, dizendo que iremos ficar bem sem ela. Espero que Josh se recupere logo - Anne é a nossa mãe. Sempre cuidou de nós duas, sempre me deu tanto amor, carinho e atenção. Tudo o que meu pai não nos deu. Quando minha mãe descobriu que estava com um câncer no fígado, já era muito tarde. O tumor se espalhou para outros órgãos como gafanhotos em plantações, devastando tudo. Depois de alguns dias da descoberta, ela pegou meu pai pendurado ao telefone com uma outra mulher, na qual manteve um caso de dois anos durante o casamento deles. Hoje ele está casado com a mesma. Me lembro perfeitamente do choro dela enquanto meu pai tentava se explicar. Ele pedia perdão e dizia o quanto a amava, mas que por um descuido deixou ser levado pela sedução. Ambos gritavam muito, ela por não aceitar e ele por implorar o seu amor novamente. A partir daí mamãe entrou em depressão, parou de tomar seus remédios, vivia trancada em seu quarto enchendo a cara com bebidas fortes - Ela sabia que não haveria cura para nenhuma de suas dores, e mesmo que tivesse uma equipe inteira de profissionais para ampara-lá e ajudar com o tratamento paleativo, ela se entregou. Depois que ela morreu, papai foi morar com sua amante, deixando a gente com Anne. O seu trabalho sempre foi mais importante do que qualquer outra coisa. Tinha 11 anos e Agata 16 anos, desde então foi eu por ela e ela por mim. Meus olhos se enchem ao lembrar de tudo o que passamos há alguns anos atrás. Enchugo as lagrimas que escorrem pela minha pele fria e quase sem vida. Enquanto dou a volta em direção a dispensa. Começo a vasculhar as prateleiras com potes organizados por cores e ordem alfabética, entre grãos e cereais. Isso só poderia ser coisa da minha irmã. Como a mesma não tem tempo, ela vive mandando a Srt. Caren arrumar sempre por cores ou por ordens e dizendo para mim manter sempre organizado. No final, Ágata verifica se está tudo de acordo e caso não esteja, ela manda refazer.
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Um amor Dois destinos.
Fiksi PenggemarA vida pode ser muito boa, mas desde que você ande corretamente.