Capítulo 3

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Depois de poucas horas, meu suor escorria pelo corpo, meu cabelo pingava de tão molhado, mas nem por isso parei de socar meu amado saco de pancada. Jab, jab, direto, esquiva, jab, cruzado, esquiva. E repete, respirando forte, movendo meus pés de acordo com cada movimento que eu fazia com os braços. As músicas do Simple Plan explodiam em meus ouvidos, tentando me acalmar, por que era isso que eu precisava agora.

Realmente não sei o que estava rolando lá fora, nem quem estava na casa. Não fazia ideia de que horas eram, muito menos se estavam preocupados comigo. A única coisa que eu sabia era que minhas juntas nas mãos estavam sangrando, meus pés doendo, e minha cabeça totalmente centrada. Pouco antes de eu decidir parar, senti mãos em meu ombro, e por puro reflexo, acabo dando uma torcida no braço, derrubando e subindo nas costas de quem que seja. Só percebi momentos depois quem era.

Como eu consegui derrubar um monstro daqueles. Escutei o berro por cima da música, e olhei para a porta. Sophi estava lá, assustada, junto com seu namorado, e o treinador. Mas que porra. Solto o punho do cara desconhecido, e arranco o fone de ouvido.

— Que merda está acontecendo aqui? — Saio de cima do cara, e me afasto, sem nem pedir desculpas. Ninguém mandou me assustar.
— Já se passaram horas que está aqui Livy. — Disse o treinador. — Os convidados já foram embora e já está quase no fim da tarde. E pelo que posso perceber, se você não parar, suas mãos vão cair.

Olho com raiva para eles, vou até o armário perto do ringue pegar meu kit de primeiros socorros.

— Livy, você é louca? Por que derrubou meu primo? Jesus, você tem sorte que esse monstro não revidou.
— Seu primo? — Pergunto confusa. Encaro o estranho que se levanta do chão. Jesus, como derrubei esse paredão?

Ele está de costas para mim, não vejo seu rosto, e minha raiva está se tornando curiosidade. Que inferno, hoje minhas emoções estão a flor da pele. Que droga. Será TPM?

— Sim querida, meu primo distante que eu sempre falei para você, que morava no Brasil, e estaria de volta para os Estados Unidos esse mês. — Eu conseguia perceber a voz chateada da Sophi.

Ela sempre me falava desse tal primo, mas sempre quando eu estava ocupada e não prestava muita atenção. Dei um sorriso sem graça para ela, e comecei a limpar minhas mãos. Minhas juntas estavam quase em carne viva, mesmo com a faixa que coloquei antes de começar. Gemo de dor ao passar o álcool. Tenho que parar com essa droga de me deixar levar pela raiva.

— Deixa que eu te ajudo pequena. — Aquela voz. Puta merda, eu vou sonhar com essa maldita voz.
— Derek, para de arriscar a sorte, deixa minha amiga em paz, ela vai te derrubar de novo. — Sophi reclamou.

Continuei sem olhar para cima, eu estava constrangida, porra, eu derrubei aquele cara. E mesmo sem ver seu rosto, meu corpo estava dando sinais de vida, só pelo corpo atlético e totalmente delicioso, eu me senti atraída. O tal Derek cuidou das minhas mãos, fazendo um curativo em cada, com agilidade e perfeitamente certo. Fiquei impressionada, a vez que deixei alguém fazer, foi o Kaio e ficou uma merda. Mas tinha valido a intenção. Quando finalmente olhei para ele, literalmente dei um pulo para trás, me afastando.

— Você?! Está de brincadeira com a minha cara!

Puta merda, era ele. O gostoso da luta, não pode ser verdade. Minha raiva voltou a Mil. Malditos hormônios. Tudo bem, não é legal ser agressiva e grossa com uma pessoa que você nem conhece, mas isso é muito estranho.

— Sem brincadeiras, lutadora!
— Cara, você está me seguindo? Já não basta ter perdido o maldito emprego e agora me aparece um perseguidor. Pelo amor de Deus. — Fico desesperada, por que parece que o mundo está desabando? Só falta meu primo ligar da empresa dizendo que falimos. Minha vontade de chorar começou a aparecer.
— O que? Seguindo? Não lutadora, eu apenas estava no lugar certo na hora certa. Mas nem sabia quem você era. — Disse, com um sorriso matador.
— Certo... — Me afasto e vou em direção a porta do galpão — Sophi, ajude seu primo se instalar em algum quarto, já está escurecendo, e não quero ninguém saindo daqui durante a noite e sofrendo acidente. Vou me recolher, amanhã conversamos. — Digo mecanicamente.
— Livy, você precisa se alimentar.
— Treinador, eu estou bem.
— Já disse para me chamar de Luiz, não estamos competindo mais. — Disse emburrado.
— E eu já disse que não consigo. Boa noite a todos.

Sai do galpão, sem olhar para trás. Apenas fui para meu quarto. Passei na cozinha antes, apenas para desejar boa noite para Marcella e seu filho, e pedir que mandasse algumas frutas para lá.

Durante meu banho, me peguei pensando em Derek, talvez, esse lance de coincidência seja verdade. Pensando bem, quem diria que o primo da minha amiga estava em Las Vegas na semana interior, vendo as finais das lutas no Underground? Preciso me desculpar pela minha arrogância, não sou assim, mas também não gosto de me sentir como se estivesse sendo enganada.

Sophi realmente me disse sobre o primo, mas como eu estava tão sobrecarregada hoje, estava impossível de prender qualquer palavra que ela dissesse. E apesar de todo aquele assunto da carta, eu não consigo mais pensar nela, só nele. E isso é insuportável. Aqueles olhos azuis, aquele cabelo, a barba, aqueles lábios e nariz no tamanho certo... Ele todo, porra. Isso é loucura. Como um ser humano consegue ficar com um tesão terrível só de imaginar alguém? Coloco a água gelada para ver se esse fogo sai de mim. Não preciso de mais um problema na minha vida. Não agora.

Saio do banho, me enrolo na toalha, e vou para o quarto colocar meu pijama, que na verdade, era apenas uma camiseta larga que era do meu pai, e recoloquei meu medalhão que ele e minha mãe me deram no meu aniversário de 15 anos. Eles sempre foram atenciosos, apesar do meu insistente jeito ovelha negra. Ainda não acredito que os perdi tão cedo, e tenho que conviver com isso a tanto tempo sozinha que já estou acostumada a não falar sobre. Nunca namorei, tive minhas paqueras, amores de uma semana, e amizade colorida, que não deu muito certo, no entanto, me apaixonar e viver "feliz para sempre", sem chance.

Meus tios, que cuidaram de mim até eu completar a maioridade, moram no Brasil, e foi lá que comecei a lutar. Morava em São Paulo, uma das capitais mais agitadas de todo o pais. Tive dificuldades de me adaptar, mas foram apenas dois anos, que valeram a pena apesar de tudo. Meus tios eram uns amores, e me davam tudo, eu os amo de coração, e sei que são os únicos que se importam comigo. Meu pai, como brasileiro nato, sempre me levou até lá, me ensinou a língua, e me fez ficar apaixonada pelo país. Minha mãe, com seu sangue italiano, sempre dizia que eu precisava me manter longe de brigas, mas ela mesma não cumpria seus concelhos. Ela não era grossa, nem impaciente, mas se você quisesse ver a mulher nervosa, era só criticar alguém que ela gostava.

Na minha opinião, trouxe o melhor deles para mim quando nasci. O companheirismo e a insistência de meu pai, e a força e bondade de mi Mama. Características que me fizeram quem sou hoje. Uma pessoa que não leva desaforo para casa, e corre atrás de seus objetivos. Definitivamente, eu não poderia ter mais qualidades que isso.

Infelizmente, hoje é uma das minhas piores noites. Maravilha, minha insônia voltou, e isso é um pesadelo real. Sempre que isso acontece eu acabo indo para a cidade vizinha encher a cara, mas infelizmente, meus queridos amigos estavam aqui, e não deixariam eu sair de jeito nenhum. Então, só me resta atacar minha adega. E é exatamente isso que estou fazendo nesse momento, pegando um vinho tinto, envelhecido e italiano, um dos melhores. Fui para a varanda, e comecei a beber, e como sempre, morrendo de saudade dos meus pais.

    Senti sua presença antes mesmo de escutar o ranger do piso. Estoudefinitivamente ferrada. 

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