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I


Os gritos de Camila pararam há dois dias. Eu ainda podia sentir sua agonia através das paredes, mas o som do seu desespero se tornou um silêncio apavorante. Quase sinto falta de suas explosões raivosas. Ela não me olha mais. Não revira o prato do almoço em mim e não tenta fugir cada vez que entro no quarto. Ela simplesmente me ignora, encarando as paredes sem piscar.

Malditos viciados sempre serão uns malditos e sujos viciados, meu pai dizia. Em seus quarenta anos como um bom policial ele não rogava culpa em cuspir na cara de pedintes na rua.

— Escute, Lauren, se você for ser policial um dia tem que separar quem são pessoas de quem são lixo. Lixo humano, entende? Você salva pessoas e você tira o lixo pra fora.

Meu pai repetiu isso mais de uma vez de dentro do seu Opala 77. Ele espalhava o cheiro de mofo do carro dourado por Frisco e me lembrava que aquela deveria ser uma cidade limpa e feliz, mas o aumento no custo de vida traz consequências, e por isso ele estava ali. Eu costumava ir até a esquina do nosso apartamento de dois quartos para comprar revistas em quadrinhos. Logo que parei de andar a pé também deixei de acreditar em bons homens de capa, mas às vezes eu via o espelho refletido na janela e Gotham me sorria lá de baixo. Quando assassinaram meu pai eu soube que não havia outra coisa que eu pudesse fazer do que me tornar policial também.

Tinha muito lixo para tirar da rua.

ruas de amarelo [short-fic]Onde histórias criam vida. Descubra agora