Capítulo 5 - Confissão

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Bati no meu quarto torcendo para a companhia de Josué já ter ido embora. Ele atendeu com cara de sono. Estava sozinho. Entrei rápido e antes de chegar à cama, fui alcançada pelo meu amigo.

- Ok, tudo bem com você?

- Só estou com sono

- Pensei que tivesse conseguido um quarto. De onde veio esse roupão? Onde você passou a noite?

- Fora da minha cama, graças ao meu amigo metido a pegador. Minha vez. Quem estava ocupando o meu lugar nesse quarto durante a madrugada?

- Um cara, você não conhece. De quem é o roupão?

- Do hotel. Você ousou trazer um estranho para o nosso quarto durante uma viagem de trabalho?

- É complicado. Se você tem um roupão estava num quarto. Por que não está mais nele?

- Porque eu acordei e o dono dele também. Não consegui um quarto, o hotel estava lotado. Dividi com um colega – ele me olhou surpreso

- Que colega?

- Jay Hite. Ele viu meu perrengue na recepção e me ofereceu um lugar. Estava cansada demais para rejeitar.

- Aham, imagino o sacrifício que foi passar a noite do outro lado do corredor.

- Sem aham, rapaz, fiquei nessa situação por causa desse seu fogo.

- Tá bom, culpe o Josué. Josué malvado, obrigou a amiga a passar a noite com o bofe altamente pegável com quem a amiga está num chove-não-molha há meses.

- Ele não é um 'bofe altamente pegável'. É meu amigo e ator contratado do filme que estou produzindo. Além de ser praticamente um adolescente, e eu uma mulher adulta, mãe, escritora, empresária altamente respeitável. Seria ridículo 'dar uns pegas' nele. Além do prejuízo que seria para a minha imagem em Hollywood, tenho dois filhos e além do mais, se eu fizesse isso, seria muito estranho trabalharmos juntos depois. Não quero que as coisas fiquem estranhas entre nós. Ele é uma graça de rapaz, mas é só isso. Um rapaz.

- Deu pra ver que você nem pensou no assunto – ele tinha um sorriso debochado nos lábios.

- Não seja ridículo – eu falhava miseravelmente na tentativa de esconder um sorrisinho – eu não sou assim. Você sabe.

- O que eu sei é que você se priva de coisas demais, também sei que te conheço, dona Aurelia, mãe, empresária e escritora super séria. Alguma coisa aconteceu naquele quarto. – eu ruborizei – tá vendo? Não te vejo ruborizar desde aquele francês delicioso que você deixou escapar porque não tinha assinado o divórcio ainda. Conte-me tudo.

- Tá bom, mas saiba que ainda estou brava com você por causa do estranho no nosso quarto. – ele balançou a cabeça com desdém, lançando um sorriso cínico – Ele me convidou para ficar no quarto dele já que não tinha nada disponível no hotel. Enquanto eu tomava banho, ele preparou a cama e quando saí, ficamos conversando por horas. Trocamos histórias das nossas infâncias, falamos de ficção científica, teologia, política, enfim, sobre tudo. A conversa simplesmente fluiu como se nos conhecêssemos há anos, ou a vida toda. Acabamos apagando com a TV ligada. Acordei com a luz do sol entrando pela janela, e ele acordou também – parei um pouco e olhei de novo para o meu amigo que não piscava.

- Continua ou juro que te mato

- Ele me beijou – confessei

- Mentira! E aí? Rolaram uns amassos selvagens? Uns pegas quentíssimos? O que você está fazendo aqui ao invés de estar lá desfrutando do corpinho do boy magia? Filha, para de desperdiças as oportunidades – ele falava gesticulando e fazendo tanta careta, que não pude evitar dar uma risada alta

- Não foi esse tipo de beijo, seu pervertido! Foi... diferente. Foi doce e intenso. E parecia tão certo! Meu coração disparou senti minha pele toda arrepiar, e tudo isso só durou alguns segundos. Aí fiquei com medo e corri para cá com o restinho de dignidade que me restava.

- Peraí, não estou entendendo nada. O beijo foi mais que bom e por isso você fugiu? Eu perdi alguma coisa? Desde quando você é covarde?

- Nessa área, desde sempre. E além do mais ele é ator, você sabe que esse pessoal está cada dia com uma pessoa diferente.

- Primeiro, essa frase foi absurdamente preconceituosa, e eu não esperava isso de você. Segundo, mesmo que seja assim, o que é que tem? Aproveita e se diverte!

- Josué, há quanto tempo você me conhece? Quando você me viu usufruir desse tipo de diversão? Nunca levei jeito pra essas coisas de uma noite só. Tive um namorado antes do meu marido, casei, separei e tive um affair com o Pierre, de quem você nem devia ter lembrado. Alguém com um currículo desses tem estrutura para ter um one night stand com um garoto que ainda por cima trabalha para mim? – eu estava irritada, só não tinha certeza com o que.

- Você está gostando dele

- Não seja ridículo

- Você está, sim. E digo mais, você está gostando dele desde o dia em que decidiu que ele seria o Jerko.

- Não sei se é isso. Ele me faz sentir estranha – admiti

- Estranha como? Conta pra mim, você sabe que entendo tudo de sensações que os relacionamentos podem provocar

- Verdade. Você já passou em mais mãos que garrafa retornável de Coca – cola.

- Há há, engraçadinha

- Eu me sinto confortável com ele. É como se eu pudesse dizer ou ser qualquer coisa e não vou me sentir julgada, nem ridicularizada. Tenho a impressão que ele sabe o que eu vou falar antes que eu tenha que dizer qualquer coisa e que ele entende de fato aquilo que eu digo, o que eu escrevo, até as caretas que eu faço. E quando ele me beijou, eu senti uma coisa meio difícil de explicar.

- Amor, você é escritora, tenho certeza que vai achar as palavras certas. O que você sentiu quando ele te beijou? – parei para pensar por longos segundos.

- Foi aquele sentimento de casa de avó, entende?

- Uau! Entendo muito. Amiga, não sei se te dou os pêsames ou os parabéns, mas o diagnóstico do doutor é que você está apaixonada pelo novinho.

Enterrei o rosto no travesseiro, tendo a certeza que meu amigo estava completamente certo.

Decidimos nos organizar para sair, já que estava claro que nenhum de nós ia mais conseguir dormir, apesar de não termos descansado o suficiente durante a noite. Fizemos as malas e saímos para o café da manhã. Estávamos na porta quando lembrei do roupão.

- Preciso devolver. Você vai pra mim? – Josué me olhou como se quisesse derreter minha cara.

- Quantos anos você tem? Porque conheço meninas de treze anos mais maduras que isso.

- Sério? Com que cara chego lá?

- Com essa de pau que está me olhando agora com os olhos do gato do Shrek. Aja naturalmente. Devolve o roupão e o convide para ir comer com a gente, como você faz desde que o conheceu. Se o beijo significou ou não alguma coisa para ele, não é me pedindo para ir até lá que você vai descobrir.

Eu sabia que Josué estava certo, e o odiava por isso. Bati à porta do quarto, mas não fui atendida. Desci para o restaurante do hotel ainda carregando a sacola que continha o roupão. Corri os olhos pelo salão procurando uma mesa sossegada para Josué e eu fazermos nossa refeição, e tive um mini infarto quando vi Jay conversando animadamente enquanto comia com Jesse. Engoli em seco e continuei procurando um lugar, torcendo para não ser notada, o que não deu muito certo, porque no segundo seguinte, avistei a moça acenando freneticamente e me convidando para sentar com eles.


Mais Que Perfeito  *Degustação*Onde histórias criam vida. Descubra agora