Capítulo 6 - O dia seguinte

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Não deu para ignorá-los e fui me juntar a eles torcendo mentalmente que Josué se servisse o mais rápido possível e viesse me resgatar.. Jesse me cumprimentou com um abraço tão efusivo que parecia não me ver há meses. Era engraçado ver uma gringa tão calorosa enquanto eu sou a brasileira que não gosta de contato físico. Ela notou a sacola de papel na minha mão.

- Conseguiu tempo para fazer compras?

- Pois é, comprei uma coisinha, mas não ficou muito bom, vou até lá devolver.– resolvi aproveitar a desculpa que ela mesma havia me dado. Não fiz nada errado na noite anterior, mas a última coisa de que preciso é virar tema de fofoca. Mesmo assim, Jay me olhou significativamente por cima da xícara.

- Posso ver? – ela perguntou animada, já tentando alcançar a sacola.

- Não!!! – ela me olhou assustada com o grito – Quer dizer, desculpa Jesse, tem peça íntima aqui e há meninos na mesa.

- Nossa, que neura! – ela disse rindo abertamente enquanto eu ruborizava – Tenho certeza que o Jay já viu mais calcinhas que nós duas juntas. – o comentário o fez engasgar com o chá e eu ficar uns dois tons mais vermelha. Felizmente, Josué chegou e aproveitei a deixa para ir me servir no bufê.

Durante toda a refeição, Josué e Jesse falavam sem parar, enquanto Jay e eu ríamos dos dois que competiam para ver quem falava mais. Deu empate. Subimos para os quartos, e enquanto Josué terminava de conferir a nossa bagagem, voltei ao quarto do outro lado do corredor com a sacola de papel nas mãos.

- Oi! – ele piscou, parecendo surpreso em me ver – Entra.

Fiquei alguns segundos pensando se estava incomodando e se devia entrar. Decidi que era melhor não.

- Não precisa. Só vim devolver o roupão, você deve estar ocupado com as malas.

- Roupão? Ah, claro, não precisava.

- Claro que precisava, eles conferem no check out e sempre cobram muito mais do que eles valem.

- Eu sei, Aurelia, só estou dizendo que não precisava vir aqui, já que podia ter devolvido na recepção.

- Ah é, nem pensei nisso. Bem, já que estou aqui, pega o seu roupão, não quis incomodar – disse e virei as costas, mas senti uma mão segurando meu braço.

- Entra. Vou pegar a roupa que deixou aqui, já que fugiu de manhã deixando tudo para trás. 

Sentei no sofá, agora devidamente arrumado, enquanto ele entrou no quarto para pegar o pacote.

- Por que mentiu sobre a sacola?

- Porque não quero que pensem que sou mais uma calcinha na sua coleção, moço. Não estou disposta a explicar nada a ninguém.

- Você acha mesmo que existe uma coleção de mulheres de quem já vi a calcinha? 

- É o que dizem, e faz todo sentido. Sério, relaxa você é jovem, famoso e rico. Natural que isso aconteça. Não vou pensar mal de você – eu pareceria bem mais convincente se não tivesse que fechar a mão e apoiá-la sob o queixo para disfarçar o tremor que a proximidade e o assunto me causavam.

- As pessoas falam demais.– ele se aproximou mais um pouco – Nunca fiz o estilo pegador. Não acredito em quantidade quando se trata de relacionamentos.

Eu já estava completamente vermelha, sentindo o perfume dele enquanto  se aproximava. Levantei do sofá de uma vez, batendo a cabeça no queixo dele. Esse definitivamente não era o comportamento adequado para uma mulher adulta.

- Desculpa! – pedi assustada enquanto ele segurava a boca – Você está bem? – ele respondeu com o polegar, enquanto eu queria morrer de vergonha.

- Só mordi a língua. – ele falou tão enrolado que mal pude entender, peguei gelo no frigobar e entreguei a ele, que colocou o cubo na boca.

Fiquei longos segundos observando a cena patética, tentando decidir se iria embora ou não. Ele foi ao banheiro cuspir o gelo e quando voltou eu estava com cara de cachorro que comeu sapato.

- Espero que não se demita da franquia e nem me processe por isso. – ele riu

- Não vou pedir demissão. E também não vou te processar por ter me contundido enquanto fugia de mim. – devo admitir, o garoto é direto no assunto.

- Eu não estava fugindo. Preciso ir terminar minhas malas e imaginei que a conversa tivesse terminado.

- Por que fugiu hoje de manhã? Prometo que nunca mais toco no assunto se você não quiser.

- Por que eu continuaria? Eu acho você uma graça, mas acho que já fomos longe demais – agora eu estava séria – Não sei se quero lidar com as consequências de qualquer envolvimento com a estrela do meu filme. Esse projeto é a coisa mais importante que já fiz, não posso deixar qualquer desejo ficar no caminho dessa realização.

- Entendi. Não serei uma distração e nem um obstáculo para você. É um projeto importante, e dar beijinhos matinais sem importância no ator principal não vai te ajudar a transformar isso num blockbuster. – ele me olhava com tal frieza, que precisei desviar o olhar. Eu precisava ser racional. Mihaz era o projeto da minha vida, e eu só conhecia esse rapaz a poucos meses. Não podia haver dúvidas sobre o que era mais importante, e nada ficaria entre meu mundo e eu.

Saí do quarto sem olhar para trás e nem contei a Josué sobre a conversa, apesar dele ter ficado preocupado e insistindo em me perguntar o que havia acontecido.

Cheguei em casa depois de quase um dia inteiro de viagem, e acabei me sentindo ainda mais sozinha, já que os meninos só voltariam dali a dois dias. Até Marie tentou se aproximar, me trazendo chá e puxando conversa, mas usei a desculpa do meu francês ruim para nem tentar um contato maior. Dormi cedo, já que estava cansada do voo longo e teria que estar no estúdio bem cedo na manhã seguinte.

A primeira pessoa que vi foi James, que pretendia discutir detalhes das cenas que seriam rodadas em internas naquele dia. Jerko e Sol voariam sobre um Chiro de plástico, já que a ave seria inserida na cena depois em CGI. Eu mal dei qualquer opinião, o que não passou despercebido pelo diretor.

- Ainda cansada pela viagem, queridinha? Lembre-se que Hollywood não para. Coloque essa sua mente criativa para funcionar, porque não vou aceitar reclamações depois.

- Não vou reclamar, estou distraída, mas não deixaria que nada deixasse você fazer bobagem no meu mundo – ele riu da minha acidez e eu ri de volta, mesmo sem vontade. Ele estava certo, Hollywood não pararia nem por mim, nem por ninguém. Como adulta, o mínimo que eu poderia fazer era engolir o desconforto e continuar trabalhando.

Quando Jay chegou para gravar, já caracterizado para a primeira cena, nos cumprimentamos educadamente à distância, e só me aproximei quando precisei corrigir a postura de Jesse durante o vôo. Mesmo tendo me sentido estranha, por ter que me aconchegar às costas dele enquanto mostrava a ela o que fazer, consegui manter a pose e o profissionalismo. Afinal, ainda teríamos um longo processo à nossa frente e nada do que eu sentisse poderia interferir no trabalho a ser realizado.


Mais Que Perfeito  *Degustação*Onde histórias criam vida. Descubra agora