A noite sem crianças

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  "Os filhos da noite à maldade irão tornar, no entanto a esperança também retorna à noite"

...

  No início da primavera os trabalhos recomeçam no Vale.

  O degelo na região incitava a produção de lama que, antes de ser retirada, dificultava  a locomoção e os trabalhos no Vale.

  Ao meio-dia, um mero observador diria que um grupo de umas 50 crianças trabalhavam limpando as estradas para dar passagem à outras que conduziam charretes que, por sua vez, transportavam outras crianças.

  Todos estagnaram a aparência física aos 9 anos e, a partir de então, durante o dia assumiriam essa mesma forma e, ao cair da noite, a forma física correspondente à idade natural de cada um seria retomada.   

  Nos pequenos comércios, meninos e meninas trabalhavam trocando mercadorias, vendendo bugingangas, ervas para doentes e sobras dos estoques do inverno. A maior movimentação era no entorno do palácio. Os curadores, os defensores da Ordem que cobravam os impostos, mercadores, e tantos outros, só eram encontrados lá.

  No Palácio residia o primeiro ministro, o Jeremy, um garoto bem loiro de olhos claros e relativamente alto para um menino de 9 anos, era casado com Georgia, uma garotinha bem clara que, apesar de serena, possuía um ar de superioridade refinado e, apesar de ter uma boa índole e um bom coração, era temida por todas no palácio. O Castelo real ficava um pouco distante do palácio do Governante e o entorno não era tão movimentado quanto no palácio.

...

  No início de uma tarde fria mas amena, um garoto ruivo fazia parte do grupo dos "fachineiros da rua". Era franzino e em seu rosto cheio de sarnas começava a escorrer um suor saudoso, que fez o garoto expressar um pequeno sorriso de satisfação, depois de um inverno inexplicavelmente frio. Seu nome era Carl, ou senhor Carl, o chefe da limpeza, muito respeitado por seus subordinados e por seus familiares. Apesar de ser franzino em sua forma infantil, gozava de uma rígida aparência preponderante na forma adulta, vista todos os dias pela família e algumas vezes ao ano pelos moradores do Vale.

  - Senhor Carl, já passa do meio-dia e ainda não comemos, podemos parar um pouco?

  Exclamou William, um garoto um pouco maior que o Carl, pele branca, cabelos bem negros, meio gorducho, há essa altura já completamente sujo e com a aparência um pouco esgotada.

  - Vamos lá garotas, hora de comer, retornem em uma hora, ainda temos mais trabalho a fazer do que vocês imaginam!
  Ao terminar de emitir a ordem, retornou ao trabalho como se tivesse ignorado a si mesmo.

  - Senhor, precisamos parar um instante, estamos trabalhando desde muito cedo! Disse Wiliam.

  - Tudo pelo Vale William, é só isso que vou lhe falar.

  Wiliam retrucou ainda insatisfeito:

  - Sua filha ainda está doente senhor? Eu a vi ontem indo ao entorno do palácio com sua esposa e seu filho novamente, quase no horário da Ordem. Fiquei preocupado se chegariam a tempo em casa.

  - Wiliam, ela está bem, não se preocupe, você está perdendo o tempo do seu descanso.

  - Sim senhor, compreendo, e estarei disponível a ajudar no que estiver ao meu alcance.

  Carl o fitou, e com um ar rígido e um pouco desconfortável acenou com a cabeça e disse um silencioso "obrigado".

  Quando Wiliam já estava mais distante, Carl continuou trabalhando pensando na família, na filha, nos cobradores da Ordem e na situação financeira. Parou por um instante, observou o céu ainda acinzentado e o horizonte montanhoso já demonstrando os primeiros sinais da primavera e então, parou o trabalho.

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