Novas bombas explodem

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Por Júlia Martínez:  Não saber de nada da sua vida é um saco

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Por Júlia Martínez:
Não saber de nada da sua vida é um saco. Não saber de nada da sua vida por que mentiram pra você é pior ainda. Não que eu estivesse com raiva dos meus pais por esconderem que eu talvez fizesse parte de um mundo sobrenatural, ou sei lá, mas sim por que meu pai não era meu pai. Vivi a vida toda achando que ele era meu pai e de uma hora pra outra, minha mãe diz que tudo aquilo aconteceu comigo por que meu pai de verdade vivia nesse mundo. Eu não entendi muito bem e eles não quiseram me explicar, me pediram paciência e calma para descobrir as coisas gradativamente e reagir a elas com sabedoria.
Meu. Pai. Não. Era. Meu. Pai.
Não que a informação de que "o espermatozoide que um dia fui não saiu do meu pai" fizesse alguma diferença na intensidade do meu amor por meu pai. Ele era e sempre será meu pai, não importa se outro cara tenha me gerado. Mas, eu estava confusa. Tinha que começar a listar todas as bombas que explodiram ultimamente, por que acho que meu cérebro não estava conseguindo acompanhar.
O trio que provavelmente também eram desse mundo ficou lá em casa pelo restante do dia para irem embora no dia seguinte. E nesse meio tempo, a varanda da minha casa tinha sido meu refúgio, já que com os pensamentos loucos que eu estava tendo, eu precisava de um tempo para reagrupa-los nas casas da sanidade. E foi sentada lá que minha mãe bateu a porta de vidro e a abriu, colocando o pescoço pela fresta.
- Será que você me cederia um pouco do seu tempo, Rainha Vermelha? – Minha mãe sempre me chamava por Rainha Vermelha ou de Copas, de Alice no país das maravilhas, por causa do meu temperamento explosivo. E apesar das dúvidas que eu tinha e da pequena raivinha que eu alimentei por terem mentido pra mim, eu acenei com a cabeça positivamente.
- Claro. – Eu sorri sem vontade, mas não mudei meu tom para o brusco, como eu teria feito diante de qualquer outra mentira deles.
- Está tudo bem aí dentro? – Minha mãe tocou na minha cabeça.
- A senhora sabe que eu nunca estou bem aqui dentro, imagine agora. – Ri um pouco.
- Está muito confusa, não é? – Acenei com a cabeça. – Meu amor, entenda. Não podíamos contar pra você até que fosse a hora. O que você é... Não podia ter sido explicado a uma criança. Você tinha que crescer primeiro para ter idade para compreender...
- Eu entendo, mãe. – Disse com toda a sinceridade presente em meu hipotálamo. – Só que você está acostumada com o chão que pisou por 12 anos e do nada esse chão e tudo nele somem. É meio complicado de eu assimilar tudo isso de uma vez. Eu que peço calma dessa vez, por que meu cérebro é lento. – Ri mais um pouco. Chorar pra quê?
- Fala do seu pai, não é? – Minha mãe me olhou com pesar. – Ele continuará sendo seu pai, só que agora você sabe apenas que ele não lhe gerou. Mas, o resto foi ele quem fez.
- Eu sei, nunca deixaria de amar o papai por isso. É só que eu preciso de tempo pra digerir que ele não é meu pai e que meu pai verdadeiro vive em um universo paralelo a este.
- Nossa, como você é intensa, Júlia Martinez! – Minha mãe sorriu e retirou o cabelo dos meus olhos. Meus cachos não tinham noção nenhuma de espaço pessoal.
Olhei para ela.
- Vou conhecê-lo, não é? – Perguntei não sabendo se queria ou não saber a resposta.
- Vai, ele mesmo vai ao seu encontro. Quando for o tempo dele. – Ela me olhou e eu me perguntei quem era ele e como os dois se conheceram. E daí, muitas e muitas perguntas encheram minha cabeça e eu estava louca de novo.
Eu ficava louca com frequência.
- Você não vai xingá-lo ou coisa parecida por ter te "abandonado", não é? – Ela perguntou, sabendo que eu não iria fazê-lo.
- Provavelmente sim. – Ri com minha fala e olhei para a floresta para a qual a vista da varanda dava. Eu nunca me cansava dessa vista. – Na verdade, eu não ligo muito por ele ter "me abandonado". Tive o papai a vida toda, esse outro pai não fez nenhuma falta.
Minha mãe sorriu.
- Tenho algo a lhe dizer. – A porta foi aberta e meu pai entrou, mas minha mãe não virou-se para olhá-lo, acho que os dois tinham combinado tudo. – Nós dois temos.
Olhei para o homem que não era meu pai biológico, mas que não deixaria de ser meu pai por esse motivo. Eu o amava do mesmo jeito que o amei desde que o conheço.
- Podem falar, eu aguento. – Ajeitei-me na cadeira para ouvir a próxima bomba.
- Amanhã, quando Quíron, Annabeth e Will forem embora, você vai com eles. – Meu pai falou rapidamente, como se isso fosse mudar a intensidade da minha reação.
COMO É QUE É?
- O quê... – Eu levantei-me e quando fui começar meu discurso, eles me impediram.
- Deixe-nos explicar. – Minha mãe ergueu as mãos e me sentou de volta na cadeira. – Você precisa ir.
- Por quê? – Eu ergui as sobrancelhas com a surpresa daquela proposta.
- Por que é o melhor lugar do mundo para você. Para vocês. – Meu pai sentou-se ao nosso lado e colocou a mão no meu rosto.
- Quem somos nós? Não dá pra vocês me dizerem quem é o meu "pai" – fiz aspas com os dedos – e terminamos com esse suspense. Por que eu quero saber quem eu sou.
Ao contrário o que essa conversa possa parecer, não estávamos gritando. Nós não éramos de gritar.
- Nós sabemos, Júlia. Mas, espere. Você vai entender tudo melhor quando Quíron lhe disser e explicar tudo com particularidades que eu desconheço por não ser como você. – Meu pai afagou meus cabelos e me olhou nos olhos. – Você não é louca e nem um monstro. Você só é diferente.
- Me sinto o Harry Potter. – Fechei os olhos e os apertei tentando não chorar. Eu não tinha motivos, certo? Você não tem motivos pra isso, Júlia Martinez, não seja fraca!
- Você sempre foi fã do Harry Potter. – Mamãe sorriu da minha comparação. – Nós só precisamos deixar você ciente de algumas coisas antes de partir com eles.
- Para onde vamos? – Eu perguntei.
- Essa era uma das coisas, agoniada. – Meu pai disse irônico e olhou para minha mãe.
- Deixe-me terminar dessa vez. – E me repreendeu com o olhar. – Vocês irão para os Estados Unidos, mas especificamente Nova Iorque. Você sabe falar inglês fluentemente, então vai se sair muito bem.
Tínhamos falado inglês o tempo todo com o trio da "minha espécie".
- Por isso vocês insistiram para eu ter aulas de inglês desde cedo, não é? – Ri com as peças que eu ia juntando.
- Sim. – Meu pai riu. – Além disso, Quíron é um velho amigo da sua mãe, então o obedeça. – Bufei. – Entendeu, Júlia?
- Aham. – Disse, e mesmo eu odiando regras, Quíron parecia ser bem bacana.
- Vocês irão para um acampamento. O acampamento Meio-Sangue. É um lugar seguro para vocês.
- Porque...? – Tentei tirar a todo custo alguma informação sobre o que de diferente eu tinha. Eles me olharam feio.
- Lá você irá aprender diversas coisas e irá ficar perto de pessoas como você. Será bom, filha. – Mamãe uniu as sobrancelhas.
- E quando seu pai proclamar você... – Cortei a fala da minha mãe.
- Proclamar? – A confusão no meu rosto era gritante.
- Nem nós sabemos o que isso quer dizer, Quíron só contou partes da sua "iniciação". – Papai levantou-se e tirou uma caixinha do bolso. – Aqui dentro tem o resumo de tudo o que você é. Tudo. Sei que você não acredita em amuletos da sorte, mas esse é nosso símbolo.
Ele me deu a caixinha e eu sorri para o meu pai. Se alguém nesse mundo sabia dar presentes no tempo certo, esse alguém era meu pai. Peguei a caixinha de madeira forrada e abri-a com nervosismo. Dentro havia um colar, sua corrente era preta e simples e nela estava pendurado um pequeno pingente prateado. Peguei-a entre meus dedos e olhei fixamente. O pingente era um M na frente e atrás um G. MG?
- MG? – Perguntei, confusa.
- Você vai entender em breve. – Mamãe sorriu, mas riu com o desgosto estampado na minha cara.
- Adoro esses mistérios de vocês. Isso está parecendo mais um filme de Sherlock Homes. – Revirei os olhos rindo e coloquei o colar em mim mesma. Era lindo, mas simples. Meu pai sabia exatamente como eu detestava coisas chamativas. – Obrigada, pai.
- De nada, Rainha de Copas. – Ele bagunçou o meu cabelo com suas mãos.
Se minha situação fosse um filme, com certeza não teríamos rido tanto. Teríamos chorado e gritado um com o outro. Eu teria feito birra e dito que não iria. Teria gritado e dito que os odiava por terem mentido pra mim. Em outra ocasião, eu talvez teria feito algum desses itens, mas pra quê? Eu os amava independente de tudo. Eles me amavam independente de tudo. Poxa, meu pai tinha me assumido e feito de tudo para ser o pai que talvez o meu pai biológico nunca teria sido. Por que eu deveria ficar com raiva deles? Na real, eu estava com um pouco de raiva e me sentia brava comigo mesma por me sentir assim. Eles fizeram tudo por mim e eu tinha que retribuir. Além disso, eu tinha enfrentado um monstro e matado ele sabe-se lá como. Se eu afastasse as únicas pessoas que me amam total e completamente, fizesse birra e começasse a chorar, onde iriamos parar? Em canto nenhum. Eu não ia ser a personagem de filme que é chatinha e birrenta. Eu seria a personagem que mesmo não estando bem, mostraria que está bem e que iria rir mesmo se a vida der uma rasteira. Na verdade, tenho sido ela há muito tempo, agora é apenas uma pequena extensão desse meu lado em uma nova etapa assustadora da minha vida. Até por que, alguns monstros não podem ser pior do que a puberdade, né?
Eu não iria ser fraca. A partir do dia de hoje, vendo como meus pais estão aflitos em me deixar ir numa jornada na qual nem eu sei o que vou enfrentar, eu iria fazer valer a pena a minha vitória na corrida com mais de bilhões de espermatozoides. Eu faria valer a pena tudo isso. Até por que, o que vale é aquele ditado: Se a vida te passar pra trás, passe a mão na bunda dela.
Eu iria passar a mão na bunda da vida e sem a sua permissão.
Eu ia ganhar esse jogo mesmo eu estando morrendo de medo de enfrentar outro bicho daqueles. Mas, como nos muitos filmes, eu tenho certeza que aquela fúria foi à primeira brincadeirinha de criança que eu iria enfrentar, que viria coisa muito pior.
Mas, eu iria rir. Chorar não.

Lights In The CampOnde histórias criam vida. Descubra agora