Fazia uma semana que eu havia encontrado aquelas cartas. Ao mesmo tempo que queria fazer algo, também queria simplesmente jogá-las de volta ao sótão, fingir que nunca as tinha lido e focar no segundo ano do ensino médio que começa amanhã. Apenas sete dias foram o suficiente para fazer com que eu não pensasse em outra coisa além das cartas e do "Kidrauhl".
Não eram cartas de amor no sentido mais estrito da palavra, mas não precisava entender as entrelinhas para perceber todo o sentimento que ele pôs nelas.
Ao ler cada frase que ele havia escrito, a cada risco ao errar uma palavra e cada desenho em volta da folha, que pude concluir que ele os fazia enquanto pensava, eu quase podia visualiza-lo, mesmo sem que em nenhum momento ele descrevesse a si mesmo, era como se eu o conhecesse, eu me sentia próxima dele. Eu podia o ouvir, mesmo que ele achasse que estava sozinho, o desabafo dele foi como a luz das estrelas que mesmo que elas já tenham "morrido" sua luz tem um longo caminho à percorrer antes de ser visto no nosso céu.Eram quase dez horas quando eu falo com a minha mãe que vou levar nosso cachorro, Phill, para passear mas na verdade eu só queria espairecer. A voz de Paul, vocalista da minha banda preferida, Trip to Mars, ecoava no meu ouvido pelos fones no último volume e eu balançava minha cabeça no ritmo da música. Eu pensava sobre as cartas e se havia algum motivo para eu as ter encontrado, afinal, nada acontece por acaso, e em meu primeiro dia de aula que aconteceria no dia seguinte. Eu gosto de primeiros dia de aula, mesmo que nem sempre sejam do jeito que eu espero, eu acredito que já tenha algo planejado para mim, mesmo que eu caia na monotonia, eu sempre vou ter a esperança de algo incrível e surpreendente acontecer, e acho que o Kidrauhl foi isso para mim.
Eu paro de andar quando vejo um homem encostado em um muro. Eu me agacho perto de um carro e seguro Phill junto a mim, torcendo para que ele não latisse nos entregando, até porque não sei o que esse homem poderia fazer e a julgar pela rua deserta, se fosse algo ruim, eu não teria a quem pedir ajuda. Ele se desencosta da parede e anda alguns passos a frente, e assim, a luz do poste o ilumina e eu vejo que se trata de um garoto, de aparentemente dezessete ou dezoito anos, mas isso não faz com que eu me levante.
Um telefone toca e prendo a respiração ao ouvir, novamente, a voz de Paul cantando Stars. Pego meu celular e vejo que não tem nenhuma chamada, e só então percebo que o celular que havia tocado era o do garoto.
Eu não podia o ver mas sabia que ele estava andando de um lado para o outro enquanto falava ao telefone;
não de maneira apreensiva."Aconteceu alguma coisa ou é só saudade?" Ele deu uma risada ao ouvir o que a pessoa falou. "Não deve ser nada demais, você que é neurótica... " Phill late nesse momento e o garoto para de falar e o ouço caminhar para uma direção que desconfio ser a que eu estou.
"Mas que diabos...?" Me viro de costas e vejo o garoto parado olhando para mim." Não, eu não falei isso com você, amanhã nos falamos." Ele diz rápido ao telefone e o desliga voltando a me encarar. "O que cê tá fazendo, garota?"
"Não se pode mais ficar sentada no meio-fio com seu cachorro?" Eu falo dando uma de maluca para me livrar daquele situação. "Mas eu já vou indo." Me levanto e passo as mãos na calça a fim de limpar a sujeira da calçada, que eu realmente estava sentada, enquanto Phill tentava pular e cheirar o garoto com os braços cobertos de tatuagens.
"Se você quiser você pode continuar... hm... fazendo o que estava fazendo." Ele se senta no lugar onde eu estava há segundos atrás e faz carinho no meu cachorro. Eu passei a olhar para os seus braços desnudos que exibiam suas tatuagens mas sem conseguir identificar o que eram, levantei meu olhar para seu rosto e vi que ele me olhava com as sobrancelhas arqueadas.
"Sim?" Eu o perguntei corada e cruzei os braços como sempre fazia quando me encaravam demais.
"O nome. " Ele ri, talvez por perceber minha retração, e continua acariciando o animal.
"Harlow. Espera, você quer dizer o nome do cachorro?" Ele ri pela minha confusão e eu coro. "Phill é o nome dele."
"Ah, Phill. Mas de qualquer forma, é um prazer, Harlow." Ele me olhava nos olhos ao falar e apesar de não gostar de pessoas que não me olhassem nos olhos, quando eu era olhada assim, eu ficava nervosa.
"Até qualquer dia..." Eu o olho com as sobrancelhas arqueadas.
"Justin." Ele completa e sorri.
"Certo, Justin." Eu pego Phill no colo e saio andando apressada, sentindo seu olhar em mim.
"Até qualquer dia Phill... e Harlow. " Ele diz e eu sorrio sem ousar me virar para trás.
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Lost Between Letters
FanfictionO ato de escrever cartas se extingue gradativamente a cada vez que a tecnologia evolui. Mas para Justin, desde que seus pais morreram, essa prática se torna cada vez mais comum. Ele vê nas cartas um escape para a saudade inexorável que sente dos pai...