PELA ESTRADA AFORA, ELES FORAM SOZINHOS

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Conforme o povoado Tamworth desaparecia no horizonte atrás dos três porquinhos, uma nova realidade surgia diante deles. Até aquele momento, o futuro parecia escurecido pela incerteza do que os esperava no novo loteamento Tamworth e, a despeito de qualquer outra circunstância, a fome lhes turvava as expectativas.

- Vamos fazer um lanchinho? - sugeriu, Alfie.

- Boa, bro! Esse aroma das maçãs que a mamãe nos deu está show... Minha barriga tá roncando.

- N-não. Te-te-temos q-q-q-que pro-pro-pros-se-g-g-guir.

- Só um lanchinho, Noah. - disse Oscar, faminto.

- T-te-temos q-q-q-que se-seguir o p-p-plano q-q-que o pa-pa-pai n-no-nos d-d-deu.

- É rapidinho... - arguiu Alfie.

O problema é que eles mal haviam começado a caminhada e estavam muito longe do seu destino. A trilha pela floresta era densa, por isso tinham a impressão de que já estavam distantes do povoado... só que não... Se pudessem vislumbrar além da densa mata selvagem que os rodeava, teriam percebido que estavam a apenas alguns metros de distância do clã Tamworth.

Sentaram-se ali mesmo, no meio da trilha envolta pela vegetação rasteira, sob cipós que se interligavam entre as árvores, envolvidos por pequenas flores silvestres multicoloridas esparramadas por todo o caminho, oferecendo alguma paz de espírito na jornada exaustiva dos porquinhos.

Enquanto distraíam-se devorando quase todo o lanche que mamãe Diana lhes dera, não perceberam os olhos que os seguiam pela mata. Pendurado sobre as árvores, o vulto de um grande símio os espreitava, pacientemente. Eles comeram quase todas as maçãs e adormeceram, cansados. Três inocentes porquinhos cochilando em meio a mata fechada após o lanchinho da mamãe, feito deliciosos toucinhos bem gordinhos. Porém, o grande símio não era o único a espreitá-los obstinadamente.

Quando os príncipes despertaram de seu sono de beleza, entardecia rapidamente.

- Me-melhor pr-pr-p-procu-c-curarmos a-ab-abrigo. E-eu di-di-dis-se para se-seguir o-o-o p-pla-plano.

- Não venha com sermão, não. - retrucou Alfie - A gente segue e quando escurecer se enfia em algum buraco.

- Q-q-que bu-burac-co, ma-ma-mané?

- Qualquer um, Noah. Deixe de ser covarde, mariquinha! - disse Oscar, impaciente - Simbora que o loteamento nos espera!

- Va-vai es-es-ess-curece-cer...

- E você está com medinho? Somos os donos desta floresta! - enfatizou Oscar - Nao é verdade, Al?

- Bom, Oscar... Eu bem que gostaria de concordar com você, mas está escurecendo e o Noah tem razão. A gente ajeita um buraco por aqui mesmo e segue amanhã. Ainda dá tempo de acender uma lareira e organizar um canto para dormir.

Na verdade, Alfie estava era com preguiça de caminhar ainda mais naquele dia.

- Desse jeito a gente não chega! - exclamou Oscar, contrariado.

- E-eu a-a-avi-visei...

- Cale a boca, Noah!

- A gente não vai brigar aqui, não, né? - disse Alfie, com um certo cinismo.

- Vou tirar a água do joelho... Porra!

Nisto, Oscar se embrenhou todo enfezadinho na mata. Noah e Alfie ficaram prostrados sem entender nada, porque o irmão não costumava ser grosseiro. Talvez fosse o medo, já que bicho acuado costuma rosnar e mostrar as presas.

Al e Noah trataram de sair coletando galhos secos para a fogueira, o que deveria espantar predadores e mantê-los aquecidos, uma vez que Jake Jackson não era o único problema que poderiam encontrar pelos arredores do povoado Tamworth.

Equanto isso, Oscar se vê entranhado no meio da mata fechada e escura, onde procura um canto para tirar a água do joelho e refrescar a cabeça. Seu coração estava a mil, não pela breve discussão com seus irmãos, mas pelo medo do que poderia acontecer naquele fim de mundo. Não estaria o Chefe Charles apenas tentando se livrar dos próprios filhos? Uma dor estranha tomou conta da sua alma. Conforme sentia a palpitação angustiante do peito, os barulhos da mata ficavam cada vez mais altos. Sentiu vontade de esconder-se. Não sabia discernir o que era sombra do que era o prenúncio da chegada da noite. Ouvia o cantarolar de seus irmãos a uma distância segura, no entanto, sentia-se como que vigiado. Parecia que o peso dos olhos vigilantes de alguma criatura da noite caía sobre seu lombo. O sentimento era estarrecedor.

Correu feito um desencarnado na direção de Alfie e Noah.

- O que foi, Oscar? Está louco?

- Acho que estamos em perigo.

- Do quê que você está falando, Oscar?

- Estou com um mau pressentimento.

- Isso é cagaço, Oscar... ah, ah...Fique tranquilo. Tamo junto!

Alfie tinha razão. O seu medo era tamanho, que já não sabia discernir o ataque de pânico do seu sexto sentido de porco, normalmente bem apurado. Mas não se deu por vencido.

- Precisamos voltar. Ainda dá tempo. Amanhã a gente retoma.

Noah soltou uma daquelas gargalhadas gostosas de porco que ri e ronca ao mesmo tempo.

- Tá maluco, Oscar? Nem pensar! Andar tudo aquilo de novo? - arguiu Alfie, desconsiderando o fato de que andaram apenas alguns metros.

Noah acendeu habilmente a fogueira, friccionando um pedaço de madeira contra o outro, em seguida armou os espetos com as últimas maçãs que tinham e colocou para assar. Oscar foi se acalmando aos poucos, apesar do medo que relutava em desaparecer.

- Precisamos fazer vigília. - insistiu, preocupado.

- Você não vai parar, não é? - retrucou, Alfie.

- E-eu f-f-faço.

Alfie fitou Noah com surpresa.

- Você também?

- P-p-pa-p-pai di-dis-se que era pre-preciso ca-caso a g-g-g-ge-gent-te fo-fo-fos-se do-dormi-mir n-n-na m-m-mat-t-ta. - a gagueira de Noah parecia piorar com a apreensão.

- Tudo bem. Vamos revezar, então.

Os três irmãos concordaram que a cada quatro horas fariam um revezamento. No final das contas, dormiram todos, com exceção do símio vigilante que os fitava obsessivamente do alto de uma das árvores.

Não muito distante dali, no povoado Tamworth, o Chefe Charles e Diana fitavam a fumaça da lareira embrenhada na mata. Sabiam que era dos três irmãos.

- Por que eles não voltaram, Charles?

- Eles voltarão, Diana.

- Como pode ter certeza? E se insistirem em ir até o loteamento?

- Então se sairão melhor do que o esperado. Temos de confiar na educação que demos para eles, mulher.

- Você não tem coração, Charles! São nossos filhos! Meus meninos, seus herdeiros!

- É preciso que seja assim! Eles precisam honrar o clã Tamworth.

- Devemos buscá-los. Eles ainda estão próximos de nós, Charles...

- Não, Diana, eles estão precisamente onde devem estar.

Os três porquinhos: a história não autorizada  #SimplesmenteEscrevaOnde histórias criam vida. Descubra agora